Maria Pequena, a Mata Hari passo-fundense

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Maria Pequena, a Mata Hari passo-fundense

Em 30/06/2007, por Hugo Roberto Kurtz Lisboa


Maria Pequena, a Mata Hari passo-fundense[1]


HUGO ROBERTO KURTZ LISBOA[2]


Durante a Primeira Guerra Mundial, que não foi primeira nem mundial, Mata Hari, uma bailarina holandesa, enfeitiçou os homens da época. Dormiu com franceses e alemães e, acusada de passar informações para os dois lados, foi julgada espiã e fuzilada na França, em 15 de outubro de 1917.

Bem antes disso, em 28 de novembro de 1893, durante a Revolução Federalista, Maria Meireles Trindade, mais conhecida por Maria Pequena, foi assassinada com três facadas e degolada no bairro onde hoje é a Vila Santa Marta, por um piquete dos maragatos. Isto me foi contado pelo Sr. César Melo, um grande passo-fundense e conhecedor da história da cidade, o qual nasceu em Uruguaiana.

São poucas as informações sobre Maria Pequena. Nosso poeta e cronista Gomercindo dos Reis, em um dos seus livros. Nuvens e Rosas, descreve o fato com um pequeno texto e dois poemas. Relata que ela foi enterrada no cemitério da Cruzinha, na baixada da atual Rua Coronel Chicuta, em direção ao Bosque da Fundação Lucas Araújo. Logo lhe atribuíram milagres e começou a ser reverenciada. Sempre luziam velas no pequeno cemitério, dos devotos que lhe prestavam homenagens ou pagavam promessas. Pessoas de idade, na nossa cidade, recordam-se claramente do local e da veneração de que ela foi alvo.

Possivelmente, foi uma beata das pessoas humildes, já que na literatura oficial nada consta a seu respeito.

Conta nosso vate Gomercindo dos Reis que seu túmulo ficou localizado quase no meio da Rua Coronel Chicuta, quando da abertura do acesso à recém-criada Vila Carmem, em 6 de setembro de 1929. A rua aberta passava por dentro do cemitério. Seus restos mortais teriam sido transladados para a Catedral Nossa Senhora Aparecida, onde esperariam a construção de um mausoléu votivo.

Isso nunca ocorreu, e o ex-padre Jacó Stein revelou aos pesquisadores Heleno Damian e Marco Antônio Damian que seus restos permaneceram embaixo do altar-mor da Catedral.

Outras versões dizem que Maria Pequena teria tido um tórrido caso de amor com o General Prestes Guimarães, neto do Cabo Neves. Nestes encontros furtivos, atrás de um angico caído, passavam bons momentos enlevados pelo canto dos pássaros e pelo cheiro da grama. O General, despido de suas insígnias e de tudo o mais, levantava a Maria, que era pequena, e, colocando-a no tronco do angico, a deixava na zona de tiro do seu armamento. Num destes encontros, para assegurar-se da sua continuidade, contou a Maria da sua importância na Revolução Federalista, e mostrou-lhe seu rifle "Mannlincher" novinho em folha, dizendo:

- Olha Mariazinha, botei fora as porcarias dos rifles Comblain, e comprei trezentos destes Mannlincher para minha Divisão. Agora sim vamos ganhar esta revolução. Quero fazer peneira destes Pica-Paus de merda.

A Mariazinha não estava nem aí para a revolução. E claro que temia pelos seus filhos, mas deixou-se seduzir pela pompa e circunstância do Antoninho Prestes Guimarães, que, nesta altura, tinha ido a Vacaria receber Gumcrcindo e Aparício Saraiva, que vinham do Paraná.

Deixa estar que, passados alguns meses, quando levava uma trouxa de roupa para lavar no chafariz ,deu de cara com o todo-poderoso Coronel Gervazinho Annes. Garboso em seu cavalo crioulo, não desgrudou os olhos da Mariazinha que, muito airosa e coquete, caminhava rebolando para a fonte.

Gervazinho. pelos seus próprios, arrumou um encontro com Maria Pequena. Ela não era uma mulher volúvel, mas, naquele tempo, sem diversão e com a morte rondando por todos os lados, encontrar um homem daquela importância abrandava um pouco sua vida triste. Imagine ser desejada por um General e um Coronel. Encantou-se com a fala mansa, mas decidida, de Gervásio. Não deu outra. Em pouco tempo estavam envolvidos num capão perto do Pinheiro Torto. Depois de atendidos os impulsos carnais, o Coronel, também para se exibir, mostrou-lhe sua Comblain, velha de guerra, e cantou vitória ante sua prenda. Ela olhou aquela arma, e inocente- mente disse:

- Mas isto não é nada. Tu precisa ver o rifle do Antônio, aquilo sim é que é arma.

Pronto. Em pouco tempo, Gervazinho ficou sabendo do armamento do seu arqui-inimigo e, na posse dessas informações, lhe infligiu uma dura derrota.

Como em sociedade tudo se sabe. Prestes Guimarães, louco da vida pela derrota militar e pela desfeita de Maria Pequena, ordenou que um piquete fosse degolá-la. E assim foi feito.

A outra versão dizia que um grupo de maragatos estava atrás do marido de Maria. Ele, que era Pica-Pau, havia fugido para Nonoai com um filho rapazote. Encontrando-a, torturaram-na cruelmente. Ela não disse nem um pio e os homens enraivecidos pela sua resolução e coragem, e embrutecidos pela guerra sangrenta, lhe deram a primeira facada. Mais duas outras se seguiram, deixando-a exangue no chão. Como era costume naquela época, degolaram-na, deixando-a entregue aos urubus.

O povo humilde viu, naquele exemplo de abnegação, alguma coisa santa. Ela havia sido martirizada e não revelou onde estavam seu marido e filho. A população da cidade, que vivia os colaterais da guerra e da barbárie humana, apegou-se a este drama. Rumores corriam que preces tinham sido atendidas por Maria Pequena. Em pouco tempo, os miseráveis da cidade viram-na como uma ponte de salvação. Ninguém agüentava mais a carnificina e a degola. Uma santa vinha a calhar.

Assim, no cemitério da Cruzinha, durante muitos anos, velas foram acesas para Maria Pequena, que defendia crianças contra o mau-olhado e as infecções devastadoras.

Teria sido a nossa Mata Hari, ou teria sido nossa santa passo-fundense não canonizada? Penso que, em qualquer situação, Maria Meireles Trindade deveria ser santificada. Nada justifica a barbárie.

Referências

  1. Publicado na Revista Água da Fonte n°5
  2. Hugo Roberto Kurtz Lisboa é médico e membro da Academia Passo-Fundense de Letras