Tropelias no Foro de Passo Fundo

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Tropelias no Foro de Passo Fundo

Em 1951 por, Celso da Cunha Fiori


Recordar é viver

Programa levado ao ar na Rádio Passo Fundo, ZYF-5

Ano: 1951

Redigido e apresentado por Celso Fiori

I

O foro de Passo Fundo esteve muitos anos localizado na esquina da Praça Marechal Floriano, no prédio onde hoje está instalada a Casa Sonora de Eleodoro Antunes (hoje, 2010, um Tabelionato). Dali foi removido para o sobrado ao lado da Prefeitura, na Avenida Brasil, onde funciona a secção de eletricidade.

Quando iniciei a minha vida profissional, em 1927, ainda como estudante de direito, era ali que funcionava a nossa justiça. Era juiz o Dr. Homero Martins Batista. Eram escrivães Fausto Saraiva, o homem da letra enrolada, do 1º Cartório, e Walter Klippel, do 2º Cartório, o qual havia substituído Paulo Coutinho. Era escrivão de órfãos o Sr. Bonaparte de Lima e Costa e distribuidor de fato o Sr. Eduardo Rocca. João Lopes, que é hoje escrivão de órfãos, era avaliador. Eram oficiais de justiça Prócuro Coelho Velasques, Henrique Cruz e Gabriel Ferreira Prompt, este já falecido.

Fausto Saraiva, que morreu há anos em Porto Alegre, todos os dias, quando entrava no foro costumava exclamar: - Meu Deus! O que será que vai acontecer hoje no fôro.

Era juiz municipal o velho João batista Cúrio de Carvalho, um homem de grande caráter e retidão, um pernambucano de valor pessoal, que apesar de idoso e enfermo se fazia respeitar de qualquer maneira.

Certa vez, ele decretou a prisão preventiva de um suposto abigeatário e guardou os autos com a sentença para poder prender o réu na audiência. Desconfiado da cilada eu, ainda não formado, me aproximei da mesa e levei a mão aos autos para ver a sentença. O velho Cúrio pegou os autos na outra ponta e puxou. Eu gritei ao réu que se retirasse. O juiz gritou que o homem estava preso. Consegui pegar os autos e o réu fugiu, mas a brincadeira custou-me um justo processo e pesadas penas pois o velho juiz fez valer sua autoridade.

Depois, quando era juiz o Desembargador Sólon Soares, foi o foro mudado para a Avenida General Neto, no Edifício do Banco Pelotense, onde se encontra atualmente. Agora apresenta condições precárias. Dizem que esta casa onde está o foro não é de sorte. Ali estabeleceu-se o comerciante Argemiro Camargo, que faliu. Depois foi o Banco Pelotense que também faliu. Se o foro não for remodelado e readaptado, não é de estranhar que venha a pedir concordata.

E agora nossos antigos companheiros das saudosas serenatas vão brindar-nos com mais uma valsa do seu repertório: “Abrilina, uma Havaneira”.

II

Encerra-se nesta cidade o primeiro Congresso de Juízes de Direito desta região para debater os graves e grandes problemas relativos aos menores abandonados, delinqüentes ou não convenientemente atendidos. Nada mais justo e razoável que, prestando uma homenagem aos magistrados que nos visitam, recordemos os vultos, fatos e coisas do nosso foro do passado.

O primeiro juiz de direito que teve Passo Fundo foi o Dr. James de Oliveira Franco e Souza que assumiu suas funções em 7 de setembro de 1875. Seu sobrinho João Sólon Macedônia Soares, hoje desembargador, em 1932 veio a ocupar o posto de seu antepassado. Posteriormente, exerceram aqui as funções de juízes de direito, então chamados juízes de comarca, magistrados de posição brilhante e destacada na judicatura riograndense como Nésio de Almeida e Homero Martins Batista.

Nésio veio para cá com a incumbência de botar em dia a comarca que estava com o serviço muito atrasado. Passou a dar duas ou três sentenças diariamente, decisões tipicamente em cima da perna e se regozijava depois de ter obtido confirmação de mais de 50% das decisões.

Homero Batista foi juiz aqui durante 10 anos. Era a integridade e a postura personalizadas. Quando deixou a comarca parecia que ninguém mais poderia substituí-lo.

Antes destes dois tivemos aqui La Hire Guerra, que foi depois presidente do tribunal. Contam que foi aqui, num júri, que tendo o Conselho de Sentença absolvido o réu, ele jogou a faca no mesmo dizendo, ainda na presença dos juízes: - Vai matar outro! Quando deixou a cidade foram queimados muitos foguetes e um automóvel acompanhou o trem em que ele viajava, soltando foguetes até a divisa do município. Injustamente, pois era a integridade em pessoa.

Os velhos músicos vão tocar a valsa “Dirce”.

III

Foram ainda juízes desta comarca nestes últimos 20 anos Arcádio Leal, Teodoro Appel, Arthur Oscar Germany e Isaac Melzer.

Arcádio Leal, certa vez, queria fazer tirar das paredes do foro o retrato do General Flores da Cunha, ali mandado colocar sem sua licença pelo Juiz Municipal Simplício Ignácio Jaques. Mas o retrato está lá até hoje.

Teodoro Appel, excessivamente bom, dividiu o foro em duas correntes. Sua corrente, composta pelo juiz Simplício Jaques, do promotor Boeira Guedes e do escrivão Saldanha, colocaram seu retrato na sala do júri por ocasião da sua promoção de 2ª para a 1ª instância. O diabo é que dias depois o retrato foi roubado, tendo os homenageantes que colocar outro retrato. Mas este segundo retrato apareceu todo quebrado, com os pedaços dependurados na parede.

Arthur Oscar Germany jurisdicionou a comarca durante 8 anos. Acabou com a anarquia reinante no foro, conseqüência das juizanças anteriores. A moralidade imperou então e o nível intelectual e cultural do foro melhoraram acentuadamente. Quando deixou esta cidade para ir ocupar uma das varas da capital , de onde teve acesso imediato ao Tribunal, recebeu da sociedade passofundense as mais consagradoras homenagens. O banquete a ele oferecido foi o maior e mais imponente dos até então realizados nesta cidade. Seu prestígio como juiz íntegro, sereno e incorruptível era reconhecido até por inimigos. Certa vez ia responder a júri o jornalista Túlio Fontoura, que se inimizara com aquele magistrado. Reunidos diversos advogados e o cliente, chegaram a uma conclusão unânime: se o juiz não deu por suspeito é porque sente-se com serenidade para julgar a causa e ninguém teve a ousadia de levantar a hipótese de suspeição. Encerrados os debates do júri o juiz absolveu o acusado, amparado em tese aceita pelo Supremo Tribunal. Germany representou uma estirpe de outros novos e brilhantes juízes que o sucederam: Isaac Melzer, Oswaldo Opitz e Cesar Dias Filho, este um campeão, sem competidor, na luta pela solução dos problemas assistenciais da infância.          


Wordel e seus companheiros da Orquestra Serenata vão executar a valsa Dona Tereza.