O bondoso Dorival Guedes

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O bondoso Dorival Guedes

Em 30/06/2007, por Santina Rodrigues Dal Paz


O bondoso Dorival Guedes[1]

SANTINA RODRIGUES DAL PAZ[2]


Um homem conhecido por suas virtudes, seus trabalhos prestados à comunidade de Passo Fundo, respeitado pela sua conduta moral, correto em suas atitudes, bondoso pela vontade firme de ajudar a todos que o cercavam e, principalmente, a sua família.

Dorival de Almeida Guedes, filho de Floresbal Guedes da Silva e Dlefina Antunes de Almeida, nasceu em 17 de novembro de 1899, na local idade chamada Resvalador. pertencente ao município de Soledade.

Procedente dc uma família simples e humilde teve que, muito cedo, iniciar seus trabalhos com apenas 8 anos de idade, a fim dc auxiliar seus pais que se dedicavam à agricultura. Ajudava seu pai na lida penosa e árdua do serviço agropastoril, tarefa que, mais tarde, acompanhado de seu irmão mais novo, cumpria com muita responsabilidade, suportando os perigos e as intempéries da estação hibernosa, com chuvas, geadas, neves e o insensível minuano para acompanhar o sofrimento. Nestas atividades também viajavam, transportando mercadorias entre Resvalador, Passo Fundo, Pulador e Soledade. Trabalhou com carreta puxada a bois, com carroças de terno misto de muares e cavalares. Dedicou-se a estes serviços até os 19 anos de idade, quando ingressou no Exército Nacional. Deixando a farda, foi admitido na função pública. Então passou a residir em Passo Fundo, onde galgou vários cargos durante um período superior a 35 anos, sem nunca faltar ao trabalho, sem férias regulamentares, sem licença para tratamento de saúde. Assim foi sua passagem pelo órgão público.

Dorival não teve oportunidade de estudar quando menino, pois seus pais não puderam lhe oferecer escola, já que as dificuldades eram muitas. Mas graças ao seu temperamento, a sua vontade de aprender e sua inteligência privilegiada, pode buscar conhecimentos através de leituras em bons livros e tornou-se um autodidata. Mais tarde foi aluno do professor Manoel de Araújo Schell, estudando as matérias do currículo escolar, em especial o Português e a Matemática. Trabalhando e prosseguindo em seus estudos como autodidata, aprimorava o português, a psicologia, a filosofia, pois estes conhecimentos lhe ajudariam na sua tarefa diária. Procurou também, na sua ânsia do saber, o Dr. Herculano Annes. para maiores esclarecimentos sobre o Português.

Já na vontade de ter seu lar, casou com Dona Olivia Corrêa Guedes, e desta união nasceram quatro filhos: Soely, professora; Althair, tenente-coronel do Exército Nacional; Flory, médico ginecologista e obstetra, e Miguel Eramy. advogado e promotor de justiça concursado. que trabalhou em várias comarcas do Rio Grande do Sul. Foi considerado o promotor mais jovem do Estado (30 anos). Infelizmente, no dia 31 de abril de 1971, faleceu vítima de um acidente automobilístico. Miguel Eramy, talentoso intelectual e um excelente orador, foi membro da Academia Passo-Fundense de Letras. Sua passagem terrena foi rápida. Dorival e Dona Olivia realizaram o sonho de ver seus filhos formados e trabalhando em suas profissões.

Esse pai e avô incansável, dedicado a sua família e sua esposa, que também lutou junto, ainda após sua aposentadoria, trabalhava por conta própria em seu escritório, para aumentar sua renda familiar, redigindo requerimentos em geral, contratos e demais papéis vinculados às repartições públicas. Deu muita atenção aos estudos dos seus filhos e dos netos sob sua guarda. Custou-lhe muitos sacrifícios, mas atingiu seus objetivos. Educou-os tanto no lar como na escola. Foi homem extraordinário.

Seus netos o admiravam, gostavam de estar sempre em companhia dos avós. Hoje estão todos formados e com suas famílias constituídas: Jurema Algarve Bruschi, professora e psicóloga; Maria Teresa Algarve Pavão, cursa a Faculdade de Arquitetura; Flávio Algarve, advogado; Sílvio Algarve, foi juiz de Direito do Foro de Passo Fundo, mudando-se para Porto Alegre, fazendo parte da Corregedoria Geral dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Sul; Sérgio Algarve, diretor da Junta Trabalhista, e Cláudio Algarve, dedica-se ao comércio em Blumenau, Santa Catarina. Estes são os netos que mais conviveram e amaram muito Dorival e Olivia, e são filhos de Soely e do Dr. Jurandyr Algarve, advogado e membro da Academia Passo-Fundense de Letras. Viveram sempre em contato com os livros, a exemplo de seu avô, que sempre esteve consultando e lendo livros, pois foi bibliotecário da Biblioteca Pública Municipal, criada e implantada por obra da Academia Passo-Fundense de Letras, pelo Decreto Municipal n ° 06, de 2 de abril de 1940.

Na época, o prefeito era o coronel Arthur Ferreira Filho, escritor e historiador. Em 14 de outubro de 1940, Dorival foi designado pelo prefeito para atender a biblioteca, ali permanecendo até sua aposentadoria. Enquanto esteve nesse trabalho doou-se, pois era com prazer que o fazia. Dorival foi um exemplo para seus filhos e netos. Aprenderam lições de vida para trilhar o caminho com vitórias. De onde estiverem. Dorival e Olivia devem estar felizes, pois as sementes por eles plantadas foram em terra fértil, germinaram e deram bons frutos.

Colaborador da Imprensa

Escreveu brilhantes trabalhos nos jornais da cidade: Diário da Manhã, O Nacional e Diário da Tarde. Abordou assuntos polêmicos e palpitantes, que demonstram sua capacidade cultural. Não deixou de apresentar publicações políticas, educacionais e literárias.

Destacou, no Diário da Tarde, o artigo "Um Amigo dos Ferroviários", abordando a greve dos mesmos, em fevereiro de 1946, pois também foi ferroviário. E no mesmo jornal escreveu a respeito do consagrado intelectual, historiador Arthur Ferreira Filho, cm 20 de fevereiro de 1946, quando tomou posse como chefe do Governo Municipal de Passo Fundo, correspondendo aos verdadeiros anseios do povo passo-fundense.

Publicou também no jornal O Nacional um excelente trabalho, fazendo uma apreciação sobre os livros "Nu- vens c Rosas" e "Jardim de Urtigas", com o título "Obras do Gomercindo dos Reis". Gomercindo. grande poeta e escritor de nossa terra. Suas obras encantam a todos. Ofereceu informações ao Instituto Histórico, por escrito, para a elaboração da História do Município, conforme publicou O Nacional no dia 10 de dezembro de 1954. O jornal Orientador, de Soledade, também recebeu sua colaboração.

Político

Como político militou no Partido Republicano Rio-grandense até ser extinto. Mais tarde, em 1935, ingressou no Partido Republicano Liberal, tendo como líder político o Dr. José Antônio Flores da Cunha, desligando-se dessa agremiação partidária quando a mesma foi extinta. Então passou a militar no Partido Social Democrático (PSD), onde teve sua participação destacada até a eleição para governador do Estado do Rio Grande do Sul do Dr. Walter Jobim, político de atitudes sérias e pronunciamentos de alto valor, governador dc grande destaque. Honrando sua permanência no governo, realizou uma brilhante administração. Desgostoso com a orientação partidária, abandonou a caminhada política, considerando-se uma pessoa apartidária, a partir daquele momento.

Atuação militar

Prestou serviço militar em 1920, no 8" RI. em Cruz Alta, sendo incluído como efetivo no Regimento. Concluído o seu tempo no Exército Nacional passou a servir no 6" Corpo Auxiliar da valorosa Brigada Militar do Estado, a partir de 19 dejaneirode 1923 a 10 de março de 1927. Tomou parte em operações de guerra e revoltas ocorridas no Rio Grande do Sul e nos estados de Santa Catarina c Paraná. Inicialmente, desempenhou os trabalhos como sargento, e, posteriormente, como 2" tenente, prestando sempre serviços ao contingente auxiliar da Brigada Militar, com sede em Passo Fundo, quando atingiu o posto de 1" tenente.

Em 1923, com o movimento revolucionário armado, que ameaçou entrar violentamente em nossa cidade. Dorival fazia parte de uma patrulha noturna de patriotas que exerciam vigilância no centro urbano, e impediu a entrada da força da desordem. Serviu como soldado, recusando o pagamento oferecido, pois cumpria o seu dever em defesa da comunidade. A situação de segurança da população era precária. Faltava gente para a unidade militar que se organizava. Os covardes fugavam para todos os lados. E os boatos aumentavam no sentido de que os revolucionários estariam prontos para invadir a cidade, saquear os bancos c desfeitear as famílias, coisas que não eram de se acreditar.

A unidade improvisada diante das ameaças atuou não só em Passo Fundo como em outros municípios de nosso Estado. Quando nossa cidade ainda temia uma invasão de remanescentes revolucionários, Dorival, na função de oficial da legalidade, reuniu seu contingente da Força Estadual e garantiu a ordem em nosso Município, tendo assim mais uma oportunidade de prestar serviços a Passo Fundo, policiando, vigiando c defendendo os seus bens e sua gente. Voto de louvor foi anunciado ao soldado defensor. Foi pelo coronel Chamaneco Antonio da Fontoura, que Dorival recebeu, ao deixar o comando do Regimento, o louvor pelo comportamento, aplicação, disciplina e boa compreensão dos deveres militares. E o que nos contam seus amigos de farda, Álvaro Lucas e Manoel Gonçalves de Souza, em 29 de setembro de 1974. Eram ex-oficiais combatentes do extinto 6" Corpo Auxiliar da Brigada Militar do Estado, com sede em Passo Fundo.

Em 10 de março de 1927, Dorival foi exonerado do posto, por efeito de redução do efetivo do contingente, com honras militares.

Sua história civil

Dorival Guedes desempenhou várias funções públicas. E. cm 19 de março de 1927 foi nomeado Fiscal Geral de Passo Fundo. Assumiu a subprefeitura de Sarandi. e nessa mesma localidade foi nomeado subdelegado de Polícia, como também, cm 1935, foi nomeado subdelegado de Polícia de Espumoso, em Soledade, e na mesma cidade foi subprefeito.

A partir de 1937 suas funções foram sempre como funcionário público de Passo Fundo.

Em 1940, foi também designado para a Biblioteca Pública Municipal e aí permaneceu trabalhando e morando junto à Biblioteca. Só se afastou do trabalho quando ficou muito doente, cm 1975.

Seguiu sua caminhada na vida pública sempre na Prefeitura de Passo Fundo. Em 1942, foi designado para os trabalhos de mecanização da escrita do Tesouro Municipal. Em 1947, foi nomeado Inspetor de Ensino Municipal e, em 1948, nomeado Fiscal Geral do Município. Em seguida foi nomeado para a Comissão Promotora de Classificação Geral dos cargos do funcionalismo municipal. Em 1950, assumiu o cargo de secretário da Comissão de Levantamento Cadastral Geral dos terrenos de concessão municipal.

Em razão dos vários cargos públicos que desempenhou, cm diferentes oportunidades, recebeu referências e homenagens das autoridades e chefes com quem trabalhou.

Em 31 de março dc 1952, recebeu a sua aposentadoria como Fiscal Geral do Município, após ter trabalhado 25 anos, 8 meses e 18 dias, sendo que o tempo efetivo prestado ao Município de Passo Fundo foi de 20 anos, I mês e 14 dias.

O velho Guedes, como seus amigos o chamavam carinhosamente, tudo fez pela comunidade, fato que permanece vivo na memória da população passo-fundense. Sempre foi um homem realizador, abnegado, positivo e enérgico no desempenho das funções que exerceu, com zelo e dedicação, mas ao mesmo tempo era acessível e até mesmo humilde no trato com seu semelhante. Essa sua atitude resultou na conquista da verdadeira amizade com aqueles que com ele conviveram. "A virtude que emana de sua honestidade, invariavelmente, emoldurou a sua consciência, sempre mantida em alto padrão, como monumento inabalável", recordam Álvaro Lucas e Manoel Gonçalves de Souza.

Academia de Letras

Seu trabalho na Academia Passo-Fundense de Letras foi sem dúvida de um valor extraordinário. Dedicou parte de sua vida ao sodalício e à biblioteca. Nas atas das reuniões da Academia encontramos referências elogiosas ao Sr. Dorival, como era chamado entre os acadêmicos. O Dr. César Dias Filho agradece a colaboração do sodalício, fazendo referencias ao nosso biografado. O secretário geral, padre Umberto Lucca, também preocupado quando Dorival foi a Porto Alegre tratar de sua saúde, elogiando, disse que se tratava de um antigo e prestimoso colaborador da APL. No dia 3 dc abril dc 1970, foi proposto cm ata fosse o senhor Dorival eleito assistente da diretoria da entidade literária, o que foi aprovado por unanimidade, com uma salva de palmas. Presidiu a sessão o acadêmico Dr. Celso da Cunha Fiori. O Dr. Antônio Oliveira, membro da APL, disse na apreciação do livro do professor Sabino Santos: "Enriquecendo esta sua magnífica obra de pesquisa, Sabino soube engrandecê-la ainda mais traçando o perfil dc um grande colaborador da nossa Academia, o Sr. Dorival Guedes. Foi o eficiente organizador da Biblioteca Pública Municipal. A sua vida é um exemplo de tenacidade, conformação e, sobretudo, amor a sua família. Fica o nosso pedido ao confrade Sabino para que divulgue parte de seu livro, onde traçou o perfil desse herói anônimo. Esta biografia deve figurar entre os homens ilustres que por aqui passaram".

Seus feitos não se esgotam aqui. Estas são algumas pinceladas de tudo o que temos desse homem fabuloso que soube sorrir e amar, quando tinha tudo para ser amargo pela situação financeira e um grande compromisso a sua espera.

Mas tudo passa. E no dia 17 de março de 1986, com 87 anos, encerrou sua caminhada terrena, partindo para outra dimensão, aqui deixando seus filhos, netos e amigos. Para este artigo servimo-nos do livro "A Academia Passo-Fundense de Letras", do acadêmico Sabino Santos, de documentos dc autoria de Álvaro Lucas e Manoel Gonçalves de Souza e de informações da psicóloga Jurema Algarve Bruschi, neta de Dorival de Almeida Guedes.

Referências

  1. Publicado na Revista Água da Fonte n°5
  2. Santina Rodrigues Dal Paz é professora e pertence à Academia Passo-Fundense de Letras