Nas rodilhas de meu laço

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Nas rodilhas de meu laço
Descrição da obra
Autor Telmo Mario Dornelles Gosch
Título Nas rodilhas de meu laço
Subtítulo poemas e contos
Assunto Poesia
Formato E-book (formato PDF)
Editora Projeto Passo Fundo
Publicação 2019
Páginas 182
ISBN 978-85-8326-427-9
Impresso Formato 15 x 21 cm
Editora Projeto Passo Fundo
Publicação 2019

Nas rodilhas de meu laço: poemas e contos - Se achegue, companheiro, venha comer bergamotas e tomar um sol para combater este frio de aleijar paisano

O Carlito entrou. Em sua frente entrou aquele bigodão grisalho no qual ele por cacoete passava o pente de hora em hora. Para dar vazão a este costume, levava no bolso trazeiro da bombacha, um pente marca flamengo, 2 Paisano – amigo camarada. 20 | Nas Rodilhas de meu Laço seu orgulho, sempre que tirava do bolso e havia espectadores em seu entorno, dobrava o redobrava o pentinho e falava todo satisfeito – É inquebrável. Trajava bombacha carijó, com favos nas laterais, um pala negro sobre camisa branca, lenço vermelho e botas de cano longo. Senti no ar um perfume de sabonete e de água de barba e já fui perguntando, - Banhou cedo, home véio?

- Pois então, hoje não é quarta-feira? Banhei e fiz a barba cedito no mais, água fria de arrepiar.

Apresentação

APRESENTAÇÃO, pelo Autor

Nasci num dia frio e chuvoso, na Rua Moron, no coração do Boqueirão. Minha mãe veio para a cidade para ter assistência médica. Pouco adiantou, pois nasci fora de hora, e minha futura madrinha e uma parteira me trouxeram ao mundo.

Criei-me numa fazendola ali no Pinheiro Torto, duas léguas adiante da Capela de São Miguel. Muitas vezes, no mês de setembro, ajudei meus pais e outros devotos a arrumar a igreja e arredores para a grande procissão.

Íamos de vez em quando para a cidade. Mamãe não gostava que papai fosse sozinho para o povoeiro. Era ciumenta, preferia estar sempre com ele. Quando isso era impossível, ela me mandava ir caçar passarinhos, fechava as portas e levava o papai para o quarto. Quando chegava a hora de partir, papai montava na égua castanha de sua preferência, e eu tinha a impressão que ele se sentia leve e tinha um sorriso nos lábios que espalhava o bigode. Beijava mamãe, passava a mão na minha cabeça extraviando meus cabelos e me dizia – Cuide bem de sua mãe!

Na partida, papai fazia sempre uma gauchada; chegava às esporas na égua, que dava umas corcoveadas, dois ou três peidos e saía em disparada, seguida pela cachorrada. Papai abanava com o chapéu na mão, eu e mamãe de mãos dadas ríamos entrando no galpão.

Quando nos bandeávamos para a cidade, normalmente tínhamos que fazer pouso. Ficávamos nestas ocasiões na Pensão Dona Maria, de propriedade de uma senhora baixusca e gorda conhecida como Maria Roncadeira.

Os causos que adiante vos conto, não sei bem ao certo se os ouvi da boca de algum viajante ou tropeiro que pedia pouso na fazenda onde me criei, ou se os ouvi à noite na cozinha da pensão. O certo é que sempre vejo Dona Maria entreverada em minhas lembranças. Vejo-a sentada numa cadeira de balanço, com a cuia numa de suas mãos e a chaleira na outra, papai numa cadeira cujo assento era em palha de milho trançada e mamãe sobre um pelego, que cobria a ponta de um longo banco. Eu colocava os pés, as pernas e a bunda no restante e a cabeça no colo macio e quente de minha mãe.

Era nessa posição, com olhos curiosos de menino e lutando contra o sono, que eu ouvia Dona Maria, papai, um pensionista ou um passante contarem causos e histórias.

É bom lembrar que naqueles tempos não existia a televisão, rádio poucos o tinham. Assim, as charlas ao redor dos fogões nas noites frias de inverno eram a forma de se passar as horas e de oralmente transmitir informações e ensinamentos.

Ficava eu ali ouvindo. Às vezes, conforme o causo, eu nem piscava. De vez em quando, o sono me pegava, e eu ouvia um pedaço, perdia outro, voltava a ouvir e logo a cochilar de novo. Por esse motivo, ao me lembrar destes contos, existem alguns furos, uns brancos em minha memória, provocados por aquele doce sono de criança e também pelo meu esquecimento. Enfim passou-se tanto tempo. Hoje tenho os cabelos brancos e a alegria de ter um punhado de netos.

Mas eu não poderia deixar de repassar a vocês tudo o que ouvi, até porque, ao lembrar-me daqueles tempos, sinto o cheiro do café com bolo e na boca o gosto da rapadura.

Sendo assim aqueles furos, aqueles rasgos da memória eu os tenho cerzido com uma agulha fina e transparente e uma tênue linha da marca imaginação.

PS.- Seguem também, alguns poemas que estavam rascunhados em um caderno usado que Dona Maria me deu, numa tarde de chuva, para me entreter, enquanto mamãe e papai faziam compras. Neste caderno, que ainda tenho comigo, estão estes poemas, receitas de tortas e bolos, desenhos de vestidos de noiva, anotações de compras a serem feitas na bodega, uma pequena carta que não foi enviada a algum namorado e os meus rabiscos, rabiscos de uma criança de oito anos.

Índice

  • NAS RODILHAS DE MEU LAÇO 17
  • PERFUME DE BERGAMOTAS 19
  • ASSOMBRADO 41
  • UM UNICÓRNIO NAS COXILHAS 49
  • ROSAS PARA O JOCA 81
  • O FACÃO 113
  • CANCHA DE OSSO 163
  • MANGAÇO - Cancha de Osso II 171

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Referências