Discurso de posse na APLetras
Discurso de posse na APLetras
Em 07/04/1961, por Celso da Cunha Fiori
Discurso ao ser empossado como primeiro presidente da Academia Passo-Fundense de Letras
“Exmo. Sr. Presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Letras,
Meus senhores e minhas senhoras,
Senhores Acadêmicos,
Agradeço a honra do comparecimento a esta sessão solene e festiva do brilhante escritor e historiador Arthur Ferreira Filho, alta expressão na vida literária do Estado, presidente da Academia Sul-Rio-Grandese de Letras.
Atendendo o nosso convite para vir presidir o ato de instalação da Academia Passo-Fundense de Letras, emprestou à entidade que surge o prestígio de sua credenciada autoridade.
A escolha e o endereço do convite não constituiu mero acaso, mas foi a consideração de ser o Sr. Arthur Ferreira Filho a mais indicada personalidade literária do Estado para presidir os trabalhos de instalação de uma Academia que se constituiu do antigo Grêmio Passo-Fundense de Letras, por ele fundado, há mais de vinte anos, quanto prefeito deste município.
Esta biblioteca, em cujo recinto hoje nos reunimos, cheios de entusiasmo e de fé, foi também por ele fundada durante sua administração e, entregue ao Grêmio Passo-Fundense de Letras, vem há muitos anos, distribuindo as messes de seus frutos à mocidade estudiosa de Passo Fundo.
Agradecemos a distinção e a honra a nós concedida.
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Colho a pedra que nos seria jogada na mão ousada e impetuosa de crítica desassombrada e digo: detém-te e considera conosco.
Não somos a contrafração (sic), nem o arremedo, nem estamos dispostos a representar a paródia.
Estamos cônscios da distância imensa que nos separa da Casa de Machado de Assis e da Academia Sul-Rio-Grandense de Letras.
Lançamo-nos no empreendimento temerário e arrojado de transformar o modesto Grêmio de Letras fundado em 1939, numa Academia de Letras, na intenção de acompanhar o progresso desta região, lançada vitoriosamente no ensino superior, prestes a constituir-se em Universidade.
Longe sempre estivemos da arrogância e da vaidade e jamais demos ouvidos à voz da eterna serpente que, desde os longínquos tempos do Paraíso, segreda aos ouvidos da humanidade a frase instigadora para o caminho da perdição: “sereis como deuses!”
Nesta hora, cumprindo um dever para com a nacionalidade, estamos unidos num só pensamento, que consiste em despertar o gosto pelos estudos nacionais, tratando de salvar de poderosos invasores a língua pátria, relicário de nossa tradição, meio de comunicação espiritual, principalmente neste sul do país e norte do Estado, de grandes correntes de imigração estrangeira.
A Academia que se constitui será uma linha de barragem na defesa da língua, para que não seja suplantada pelo alinigienismo (sic), como temia Coelho Netto, desaparecendo, ou subsistindo como rude dialeto.
E, de mim, que dirás?
Não julgues que pretendo por um só instante representar o papel de Joaquim Nabuco.
Lembro-me muito bem do que aconteceu ao Bobo que foi sentar-se no trono de Ricardo Coração de Leão.
Quando fui eleito por meus pares para primeiro presidente, recebi o mandato avaliando devidamente o que significava. Sabia que a intenção da escolha era entregar a presidência a algum capaz, pelo trabalho e pela dedicação, de levar a cabo a tarefa difícil de instalar a Academia nacitura (sic), esboçada somente nas aspirações e no ideal de vinte passo-fundenses destemerosos.
Não foi, portanto, o critério se superiores qualidades ou virtudes no âmbito das letras que me conduziram ao posto.
Só o destino caprichoso explica coisas com esta, estarmos a presidir ato de tamanho vulto, tão grande expressão, verdadeiro momento histórico na vida intelectual e cultural de Passo Fundo.
Afianço que o mandato foi cumprido e declaro que a Academia Passo-Fundense de Letras é uma realidade, de fato e de direito.
Embora Bejazet, embora Tamerlão, cumpre-se o destino.
Senhora Crítica,
Não nos jogues ainda a tua pedra.
Vou ao encontro da pergunta: poderá uma modestíssima Academia do Interior, composta de elementos sem expressão apreciável nos meios literários, representar as grandes e nobres aspirações que a própria natureza da corporação impõe?
Pode. E não faremos o papel de Ícaro dos pampas, improvisando asas de cera de aptidões frustradas, na tentativa de alcançar as alturas do Sol de sinceras aspirações.
O novel acadêmico que hoje aqui comparece sem bagagem literária, há de erguer o fraco à altura do seu peito, voltar-se-á para o caminho infinito de muitas esperanças, ou ficará à margem das estradas, como estas cruzes que às vezes encontramos, marcando a atitude dignificante de quem instituiu a cadeira que as novas e futuras gerações disputarão.
Os começos difíceis não nos intimidam, como não detiveram a idéia de Lúcio de Mendonça em 1896, na Redação da Revista Brasileira.
Naquela época as dificuldades eram tantas que chegou-se a levantar a idea do poder público nomear os primeiros dez acadêmicos e, embora tendo como modelo a Academia Francesa, tinha entre suas finalidades a fundação da Academia Brasileira, a impressão de obras literárias que não encontrassem editor.
Tencionamos começar por aí.
Incentivaremos a produção de obras e trabalhos literários, embora de caráter regional e de limitado interesse local.
Auxiliaremos sua vinda à luz da publicidade, pondo em último plano o interesse econômico da publicação do livro.
Nos lançaremos às coisas nossas, aos motivos daqui, fazendo um convite às novas gerações para conhecer o Brasil, amar e defender o que é brasileiro, num Estado em que os estudantes e o povo vão conhecer Montevidéu, Buenos-Aires e o Chile, antes de conhecer Rio de Janeiro e Brasília.
Vamos cultuar os vultos do passado, daqui de Passo Fundo, Antonino Xavier e Oliveira, Gabriel Bastos, Prestes Guimarães, Nicolau de Araújo Vergueiro, já escolhidos como patronos desta Academia.
Erico Veríssimo, Manoelito de Ornelas, Vianna Moog, Arthur Ferreira Filho, Darcy Azambuja, Ernani Fornari, Augusto Mayer, Damasceno Ferreira, Lindolfo Collor, Getúlio Vargas e muitos outros receberão as honras que merecem e consagrarão as cadeiras do sodalício serrano.
Aos jovens que se iniciarem, sempre inclinados ao classicismo e à imitação dos escritores estrangeiros, nós diremos com Catulo que basta de Pan e de Netuno, que é tempo de deixar Byron, os franceses, a Rússia e outros Estados.
Deixa a Grécia, deixa a Itália.
Deixa a Fonte de Castália que de há muito já secou.
Vem beber as águas puras desta cacimba que é tua.
E, neste ponto, se a Crítica ainda duvidar das nossas intenções, se tiver restrições aos fins a que nos propomos, que aproveite enquanto riscamos a areia do chão com arabescos incertos e hieróglifos vacilantes, temerosos do seu poder destruidor e inicie a nossa dilapidação.
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Moços, amantes das letras, estudantes, intelectuais, passo-fudenses, gente da região serrana!
Ao instalar a Academia Passo-Fundense de Letras não estou ordenando que servos de libré abram vetustas portas de ferro e de bronze, rangendo os gonzos, para oferecer passagem a uma nova casta, constitutiva de uma nova nobreza – a aristocracia das letras,
A nossa atitude é a de um gesto largo, de acolhedores braços abertos, num convite amplo, sincero, feito a todos, cheio de entusiasmo e de fé.
Convido-os a entrar.
Nada de imitações, nenhuma escola, nenhuma filosofia.
Um único dogma: crês no êxito!
A única heresia: perder a esperança!”