Corridas de cavalo

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Corridas de cavalo

Em 19/10/1952, por Celso da Cunha Fiori


Programa: Recordar é Viver

Celso Fiori

ZYF-5 – Rádio Passo Fundo

Programa levado ao ar em 19/10


Tema: Corridas de cavalo


José Lamaison Porto:

Caríssimos ouvintes. Mais uma vez, através deste locutor da ZYF-5, vai ser apresentado o programa domingueiro “Recordar é Viver”, com crônicas do passado de autoria de Celso Fiori, do Grêmio Passofundense de Letras, escritas especialmente para esta emissora e por ele mesmo transmitidas pela nossa onda.

Celso Fiori:

I

Quando a Câmara Municipal de Vereadores de Passo Fundo fez o Código de Posturas, dedicou um capítulo inteiro regulamentando as corridas de cavalo, ou seja, nossas tradicionais “carreiras”.

Fiz então uma crítica disto porque a legislação municipal preocupou-se com “carreiras”, que estão desaparecendo mesmo no interior dos distritos, e esqueceu o futebol, esporte e diversão que reúne milhares de pessoas todos os domingos, tanto na cidade como nos distritos e povoados.

Foi então que um daqueles “passofundenses de 400 anos” me fez ver que as carreiras representavam uma tradição da cidade e do município, as quais tinham de ser conservadas e não podiam ser abandonadas pelos nossos legisladores.

Passo Fundo foi no passado um grande centro carreirista. A rua Morom, divisor das águas das duas bandas, do Jacuí e do Passo Fundo, afluente do Uruguay, era a “cancha de carreiras”. Faziam-se carreiras por paradas vultuosas e gente da alta sociedade montava os parelheiros. A cabeceira da cancha ficava mais ou menos no local onde hoje se encontra o Banco da Província, na esquina da Praça Marechal Floriano.  

Nos dias de carreiras vinha gente não só do interior mas dos municípios vizinhos, de Soledade, de Erechim, de Cruz Alta, de Júlio de Castilhos.

Era conhecida a parceirada do Bráulio Estivalet, do Aristóteles Lima, do Arthur Lângaro, do Oribe Marques, e mais recentemente, do Dr. Antônio Bitencourt Azambuja, Dino Lângaro, aquele com seu cavalo Ogue e este com o Silão.

A esta altura sou forçado a contar a história de uma célebre carreira aqui realizada, mas antes façamos uma interrupção para ouvir a valsa “Elvira”, que vai ser executada pela orquestra Serenata.

II

O Sr. Arthur Lângaro era proprietário de uma égua preta, parelheira de muito sangue, animal bem cuidado que andava fazendo misérias nas canchas retas. Certo dia, um lindo dia de sol, realizou-se uma grande carreirada na qual a tal égua preta correu e ganhou de luz.

Quando a vencedora voltava, no seu passeio triunfante pela cabeceira da cancha, aparece um gringo de botas largas, com uma garrafa de vinho metida em cada cano das botas, demonstrando pelo modo de falar e de andar que andara bebendo demais.

O gringo chegou-se e gritou: para correr com essa égua eu boto o meu zaininho dos arreios e apontou para um matunguinho atado num palanque da cerca, com uma soga de corda enrolada no pescoço, um pessuelo de couro na garupa, sujo de barro, pelo arrepiado.

A parceirada do Arthur Lângaro reuniu-se: Bráulio, Tote, Oribe e outros considerados espertos em matéria de carreiras.

E o gringo não recuou: - Corro por treis conto.

A turma do Arthur trocou olhares significativos. Só um bêbado para enfrentar a preta com aquele matungo. E foi topada a parada, fazendo-se o depósito.

O gringo, sempre com as duas garrafas de vinho metidas nas botas, correu a guaiaca, abriu, começou a puxar notas de quinhentos mil réis e começou a jogar a torto e a direito. A parceirada do Arthur estava radiante. Chamaram os depositários e mandaram que eles fossem se esconder no mato afim de evitar que o gringo se arrependesse das apostas.

No partidor, o gringo que dizia ser de Camargo, em Soledade, disse para o jóquei da égua preta: - “Não se preocupe moço. Pode ir saindo na frente!”

A égua saiu na frente mas na segunda quadra os animais se juntaram e no último laço o cavalo do gringo abriu luz de alguns corpos. Os carreiristas passofundenses, envergonhados, se retiraram para casa enquanto o gringo se afastava a trote, com a guaiaca recheada, com as duas garrafas de vinho enfiadas nas botas.

Wordel e seus companheiros vão executar a valsa “Mágoas” com que o nosso ouvinte Ruy Amaral vai ser homenageado pelo seu irmão Odilon.

III

Há tempos fui encarregado de propor a mudança de nomes de diversas ruas, praças e logradouros públicos, os quais não têm nome ou tem nome em duplicata.

Recebi esta incumbência do Grêmio Passofundense de Letras e, após a minha sugestão, para a qual concorreu um trabalho sobre os nomes de ruas de Passo Fundo feito pelo Sr. Dorival Guedes, foi remetida à Prefeitura proposta para que se abrisse uma exceção e se desse a uma avenida e a uma praça , os nomes de dois passofundenses vivos.

Como existem duas ou três ruas da cidade com o nome de Capitão Jovino, propus que uma delas, a que termina na ponte do Rio Passo Fundo, fosse desde logo chamada Avenida Armando Annes. Como a Praça do Hospital Caridade não tem denominação, parece incrível mas é a verdade, propus que à mesma fosse dado o nome de Praça Francisco Antonino Xavier e Oliveira. Tenho certeza que o povo receberia com a mais viva satisfação tais homenagens, fazendo-se exceção às normas que proíbem a aposição de nomes de pessoas vivas nas vias públicas. São ambos vultos de invulgares predicados e virtudes, os quais por mais que vivessem, jamais comprometeriam a fama e o bom nome que desfrutam na sociedade passofundense.

Com homens deste porte, é natural que se criasse e se formasse em torno deles uma série de histórias, contos e anedotas populares, todas ressaltando seus predicados e virtudes, muitas destas histórias já contadas por mim neste microfone.

O Sr. Francisco Antonino Xavier e Oliveira tem a fama de ser um homem extraordinariamente honesto e extremamente meticuloso, principalmente no que diz respeito a sua profissão de advogado.

Esta meticulosidade excessiva muitas vezes lhe causaram prejuízo e em torno dessa faceta da sua personalidade surgiram muitas anedotas que correm de boca em boca.

Contam que certa vez ele prestou serviços profissionais a um cliente do Paraná, o qual, retornando ao seu estado fez um passe de seis contos pelo Banco Pelotense. Mas dando o nome do beneficiário da ordem de pagamento o cliente colocou Dr. Francisco Antonino Xavier e Oliveira. Mas ele não era doutor. Foi ao Banco e declarou que se recusava a receber o dinheiro. Apesar dos rogos do gerente do estabelecimento, teve de pedir a retificação para a casa bancária de origem. Neste meio tempo o Banco Pelotense quebrou e ele até hoje não recebeu o seu dinheiro.

Parece que o povo quer dizer com esta anedota que não se deve ser muito exigente ou meticuloso quando é para receber.

Os nossos seresteiros vão nos brindar com mias um número do seu apreciado repertório: o choro “Isto dói”.

IV

O antigo Passo Fundo contou com gente de espírito galhofeiro, que se comprazia em dar trotes nos moradores da cidade.

Tive oportunidade de ler num livro ainda inédito do Sr. Francisco Antonino Xavier de Oliveira o episódio de um trocista que, a noite, soltou uma pandorga com uma lanterna no rabo. Isto causou verdadeiro pânico na cidade.

Recebi esta semana a colaboração de um anônimo que, se estiver nos ouvindo, peço que me escreva dando seu nome e enviando outras passagens de antigamente que mereçam ser apresentadas no “Recordar é Viver”.

Quando Passo Fundo ainda tinha poucas casas agrupadas no Boqueirão e quase tudo era campo aberto, havia uma capelinha no local onde se encontra a atual Catedral, ao lado do cemitério que ficava onde se situa hoje os cinemas Imperial e Coliseu, na atual Praça Marechal Floriano.

Naqueles tempos não havia guarda-noturnos, escassa era a iluminação pública com lampiões de querosene e o povo ainda acreditava em lobisomen nas sextas-feiras.

Numa noite escura de sexta-feira santa, um tal Laurindo Amendoim pegou um bode e atou com uma corda no badalo do sino da capela. O bode, vendo-se preso, corria para todos os lados e tocava o sino com violência.

A população alarmou-se. Ninguém queria ir até lá. Ouviam-se berros e badaladas enquanto muitas senhoras idosas rezavam e desmaiavam com ataques. Dizem que o pânico foi tão grande que até o padre fugiu.


Como último número os nossos velhos amigos da orquestra de “Recordar é Viver” vão executar a valsa “Ciúmes de Amor”.