Cinemas, justiça em versos

From ProjetoPF
Jump to navigation Jump to search

Cinemas, justiça em versos

Em 1952 por, Celso da Cunha Fiori


Programa levado ao ar na Rádio Passo Fundo, no programa Recordar é Viver.

Ano: 1952  -  Data: desconhecida


Temas: cinemas, justiça em versos.

I

Recordar o passado é uma espécie de ressurreição. É como que reconstituir uma parte da vida perdida. É aproveitar as emoções que passaram por demais ágeis, fugazes, fugidias pela nossa vida. Vamos, com estes velhos seresteiros, recordar coisas e fatos do passado.

Mas não quero vislumbrar lágrimas nos olhos de ninguém. Quero que as recordações despertem emoções agradáveis e felizes, porque recordar deve ser a mesma coisa que debruçar-se sobre uma ampla janela , voltada para horizontes de infinita beleza. Sim. Deve ser assim e ninguém tem interesse em rememorar coisas lúgubres do passado, da mesma forma que ninguém se debruçará à janela para ver a paisagem em noite de temporal.

E quero advertir também que este programa, que a inteligência e o fino espírito de José Lamaison Porto criou, não é só para velhos. Ele interessa também à mocidade, às novas gerações, sempre curiosas por saber como eram as coisas nos outros tempos, como era nossa cidade, como vivia a nossa gente, como se passavam os fatos e os fenômenos sociais.

Naquele tempo, há 25 anos passados...

Um momento, antes vamos ouvir a valsa “Maria Helena”.

II

Como eu ia dizendo, naquele tempo, há 25 anos passados, tudo era muito diferente de hoje.

O cinema, então mudo, funcionava apenas duas vezes por semana. Durante a filmagem ouvia-se uma orquestra, a qual em 1928 foi substituída por uma eletrola ortofônica, quando a empresa do velho Coliseu deixou de pertencer à firma De Césaro & Pretto, composta dos sócios João de Césaro e Ângelo Pretto e passou à propriedade do Dr. Ney de Lima Costa.

O velho Coliseu estava situado no mesmo lugar onde existe hoje o magnífico cinema com o mesmo nome. O antigo cinema tinha duas filas de frisas e duas filas mais aima de camarotes, locais estes muito disputados pelas famílias passofundenses. As jovens casadoiras procuravam as frisas, enquanto que os moços pretendentes ficavam na platéia.

O filme era mostrado em partes, acendendo a luz cada vez que terminava uma parte. E no meio da história havia um intervalo, durante o qual os homens se levantavam e saiam para o bar onde iam fumar, porque naquele tempo não se permitia fumar na presença de senhoras. Lembro-me que quando foi suprimido o intervalo houve protestos dos freqüentadores.    

Depois o Cine-Teatro Coliseu foi remodelado. Veio o cinema sonoro, e, por fim, destruído por um incêndio, foi reconstruído tal como o temos hoje.

Quando passavam aqueles tempestuosos filmes de Rodolfo Valentino, a orquestrinha tocava às vezes a valsa “Elvira

III

Não senhor. Não tive a intenção de fazer propaganda para o Coliseu, tanto que vou contar a história do Cine Imperial.

O Imperial foi primeiramente instalado na esquina da rua Bento Gonçalves, onde foi construído, após um incêndio, o grande edifício da firma Ughini, Bertoldo e Cia. Seus proprietários, Eduardo Valandro e Tranqüilo Casteli, adaptaram para aquele fim um prédio antigo.

Com o sinistro, que reduziu a cinzas o primeiro Imperial, Eduardo Valandro construiu o edifício atual do mencionado cinema, na Praça Marechal Floriano, que foi o primeiro prédio de 3 andares da cidade. Remodelado pelo Sr. Carlos Rotta e outros eis ali atualmente o magnífico cinema de cadeiras estofadas, que constitui também um orgulho para nossa cidade.

E agora permitam-me um pequeno anúncio:

Srs. Madeireiros: um excelente pinhal à venda, situado a 30 kilômetros da Estrada de Ferro. Pinhal alto, denso, de duas e três toras. Sessenta colônias a venda , de puro pinhal em Água Santa, neste município. Preço: 3.000,000 a colônia. Fazem-se condições de negócio para facilitar o pagamento. Tratar com Maximiliano de Almeida, à Avenida Brasil. Que pena. Este é um anúncio do jornal “O Nacional” em sua edição de 17 de Agosto de 1927. E você, caro ouvinte, não aproveitou a ocasião. Achava que era caro.

Para amenizar o desgosto de não ter sabido aproveitar a oportunidade de negócio, Wordel e seus músicos vão tocar o choro “Festa na Roça”

IV

O espaço de que dispomos é pequeno, senhores ouvintes, para tantas e tão grandes recordações que o foro desta cidade nos proporciona.

Juizes, promotores e advogados que aqui passaram, gostaria de recordá-los. Walter Jobim foi nosso promotor aqui. João Bigóis também. Antônio Augusto Uflacker foi aqui juiz municipal. Advogados combatíveis ilustres tivemo-los aos montões.

Houve um tempo em que estava em moda os versos nos processos. Lacerda de Almeida escreveu um poema contra Ney de Lima Costa, dando ao livro o título de “O Puchirão do Zé Picasso”.

José Dario de Vasconcelos, numa contestação, assim se referiu a um advogado local:

“Rábula vil de espírito obceno,

Piquinininho, um calabrez inculto,

Na inteligência, assim como no vulto,

Como no corpo, no moral pequeno!”

Pouco mais tarde, um moço recém-formado, em 1930, Odalgiro Correia, fazia uma defesa no júri, inteiramente em versos.

Não é portanto de admirar que eu também me influenciasse e certa vez dirigisse ao juiz municipal Dr. Antônio Augusto Uflacker a seguinte petição:

“Dr. Juiz, do cargo proprietário,

Requeiro a vós daqui deste escritório,

Seja revisto todo o papelório

Que há tempos requeri num inventário.


Não devia fazer tal falatório,

Que a pedidos sou muito refratário,

Mas já dei de desculpas um rosário,

Ao cliente que implica com o cartório.


Este “modus pretendi” não é inédito,

Mas o credor que pensa no seu crédito

Há de ficar por certo satisfeito.


Dinis Manfredi espera todo atento

Que ao seu pedido se dê deferimento

Por ser um ato justo e de direito!


O diabo é que o juiz não gostou dos versos e deu o seguinte despacho:

“Para acabar com a poesia de uma vez, Meta-se o suplicante no xadrez!”


E como último número de suas apresentações de hoje os nosso velhos amigos dos antigos instrumentos e músicas de outrora vão executar a “Valsa Olga”, oferecida a Nely Petry, residente em Panambi, pelo seu aniversário.