Caudilhos, Carnaval e uma certa araponga

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Caudilhos, Carnaval e uma certa araponga

Em 1952, por Celso da Cunha Fiori


Recordar é viver

Programa da ZYF-5, Rádio Passo Fundo

Ano: 1952

Apresentador: Celso da Cunha Fiori


Tema - Caudilhos, Carnaval e uma certa araponga

I


É evidente a influência do Congresso Regional que realiza nesta cidade o Partido Social Democrático, o que nos faz, neste comentário, focalizar aspectos políticos do passado de Passo Fundo.

Quando aqui cheguei vigorava ainda o sistema dos caudilhos. Era o tempo das chamadas chefias unipessoais do partido dominante no Rio Grande do Sul, que era o Partido Republicano, chefiado pelo Dr. Borges de Medeiros, que foi durante 30 anos Presidente do Estado.

Existiam diversos coronéis na cidade e nos distritos, muitos bons homens, dos quais guardamos saudosa memória: Coronel Mundica – Edmundo de Oliveira, Coronel Marcos Bandeira e outros.

A oposição também tinha seus coronéis: Cel. Quim César, Cel Lacerda de Almeida Jr. E outros.

Naquela época todo o poder vinha do centro e o prestígio dos políticos dependia do maior ou menor amparo que lhes desse o Dr. Borges de Medeiros.

Para demonstrar este fenômeno do unipessoalismo político contam a seguinte história pitoresca.

Lá pelo ano de 1926 ou 27 começou a correr em Passo Fundo um insistente boato de que o mundo iria acabar. Então um coronel de distrito veio à cidade procurar o chefe político afim de se inteirar sobre o assunto. O chefe tomou conhecimento das preocupações do seu caudilhete e tranqüilizou-o: - Isto é bobagem! Então o senhor acha que se o mundo fosse mesmo acabar o Dr. Borges já não teria mandado me avisar e tomado providências?

Vordel e seus amigos vão tocar a valsa “Pranto de donzela”.

II

Antes de 1930 o Sr. Hermínio Silveira organizou uma sociedade e fez o loteamento da atual Vila Cruzeiro, arrabalde de passo Fundo, onde está hoje o quartel do 3º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar.

Ali construiu ele sua residência, com bonitos jardins e lindos pomares, local que se tornou abrigo de políticos, comandantes de forças e sediciosos da Frente Única, tais como o Dr. Victor Graeff, Capitão Luis Magalhães, Cel. João Fagundes e outros. Lembro-me que o serviço de comunicação era feito por um mocinho com um auto Dodge amarelo, chamado Fredolin Paim.

Nesta Vila Cruzeiro foi organizado um parque. Chamavam-no naturalmente Parque Cruzeiro e se destinava à freqüência pública. Nele se reuniam aos domingos inúmeras famílias, moços e moças, gente da cidade que ia passar o dia à sombra amena das grandes árvores do parque. Tinha churrasco servido em mesas longas, música e danças em tablados apropriados.

Tudo isto já desapareceu, mas ficou ainda guardada a música que então tocavam e que os velhos músicos vão executar em memória do Parque Cruzeiro. É o choro “Recordando Passo Fundo.

III

Passo Fundo de hoje não tem carnaval de rua. Mas antigamente havia grande entusiasmo para esta diversão de caráter popular.

Tinha aqui duas agremiações que disputavam as honras de melhor apresentar-se, tanto nos bailes burlescos como no carnaval de rua. Eram o 21 e o 25.

Faziam passeatas e batalhas de flores, estabelecendo-se os corsos que desfilavam pela Avenida Brasil e ao redor da Praça Marechal Floriano. Havia grande seleção, permitindo-se apenas a participação de famílias, e os intrusos eram retirados pelos dirigentes. Assisti certa vez o Sr. Cândido Pinto de Moraes mandar retirar da parada um carro com pessoas não recomendáveis. O policiamento era feito pela Guarda Municipal com seus espadões, sob o comando do Tenente Branco. A polícia não tinha contemplações com ninguém: levava por diante qualquer moço da sociedade que não estivesse se comportando adequadamente. – Sr. Carlinhos Rotta: o senhor tem que ir! E ia mesmo. – É com você mesmo, seu Rui. Cadeia não foi feita pra cachorro!

O carnaval de rua, como eu ia dizendo, tinha entusiasmo naqueles tempos. O bloco Saca-rolhas, que tinha sua sede perto da então Cervejaria Serrana, pertencente ao velho Barbieux e ao Sr. Bade, desfilava carros alegóricos, o que atraia muita gente para o centro da cidade.

Os títulos dos carros eram às vezes verdadeiras incongruências. Conta o Dr. Verdi de Césaro que um deles era “Gutemberg Saudando a Imprensa”.

Vou fazer um intervalo. Fiquei com a boca seca por falar na velha cervejaria. Lembram-se da cerveja Gaúcha? E daquela pretinha pequena, a Gauchita?

Maestro, isto já é demais! Toque aquela valsa que o Sr. Bernardino gostava: “Saudades de Portugal”  

IV

Falando em Sr. Bernardino, uma história não muito antiga:

Um dos maiores cirurgiões do estado e um ser humano de extraordinária qualidades exerce a medicina há muitos anos em Passo Fundo, após um período de estágio em Vila Ernestina. Milhares de pessoas nesta cidade foram até hoje operadas ou tratadas por ele. De uma energia inesgotável, levanta-se diariamente às 5 horas para iniciar sua jornada de cirurgias. Seu nome: Dr. Sabino Arias. Quando veio de Vila Ernestina o Dr. Sabino, ainda solteiro, passou a residir no Hotel Avenida. Em frente ao hotel, ao lado do altar da pátria, havia um pequeno mercado do Sr. Bernardino Bento, que possuía um pássaro “ferreiro” (araponga) que ao surgir no horizonte os primeiros sinais do dia iniciava seu estridente cantar como um martelo batendo numa bigorna: “toim, toim...”, acordando a todos que estivessem hospedados no hotel e redondezas, incluindo nos sábados, domingos e feriados.

O Dr. Sabino, da mesma forma educada com que sempre se dirigia a todos, procurou o Sr. Bernardino e propôs comprar-lhe o pássaro. O homem argumentou que o pássaro não era para vender, mas como se tratava do Dr. Sabino, por quem ele tinha grande admiração e apreço, concordou na venda.


Efetuada a compra o Dr. Sabino saiu à rua com a gaiola e a abriu imediatamente,  soltando  o pássaro que desapareceu no horizonte em direção a Carazinho.