As Festas de São Miguel Arcanjo

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As Festas de São Miguel Arcanjo

Em 28/09/1952, por Celso da Cunha Fiori


Programa Recordar é Viver – Rádio ZYF-5

Levado ao ar em 28/9/1952

Celso da Cunha Fiori

I

Amanhã, 29 de setembro, é dia de São Miguel, devendo realizar-se os festejos populares na capela que fica às margens do Rio Pinheiro Torto.

Esta festa religiosa é uma tradição no Passo Fundo e foi há 25 anos passados uma das mais importantes e concorridas das que então se realizavam.

Francisco Antonino Xavier de Oliveira, em seu livro “Seara Velha”, nos relata o a tocante origem e devoção que o catolicismo passofundense consagra a São Miguel Arcanjo, orago da poética ermida do Pinheiro Torto (ler “Seara Velha”).

Os nossos amigos da orquestra “Serenata” vã executar a valsa “Primícias” em homenagem ao nosso historiador, o venerando Francisco Antônio Xavier Oliveira.

II

Quando vim para Passo Fundo ainda tive a oportunidade de assistir as grandes festas de São Miguel. Lembro-me que ao lado da capela existiam dois salões para o baile público que sempre se realizava, depois da procissão e do churrasco.

Existiam, como disse, dois salões: um para os brancos e um para os morenos. Os músicos ficavam instalados entre os dois salões, servindo a ambos. As famílias organizavam seus pequenos acampamentos e proliferavam as tendas, onde se vendiam os apetitosos assados de leitão, pastéis e outras iguarias. Era tudo tão bem organizado e com as separações tão perfeitas que o Rio Pinheiro Torto servia de divisa, verdadeira fronteira entre a virtude e o pecado.

O que acabou com as tais festas, que ora ressuscitam, foram os desordeiros e a polícia municipal. Nos últimos anos, anteriores a 1930, começaram a se registrar choques entre policiais e gente do exército e da Brigada Militar e grupos de valentões, ocorrendo sempre mortes.

O local andou alguns anos em abandono, até que o Sr. Ricardo José de Oliveira, o nosso velho amigo Mingoto, indo trabalhar numa pedreira próxima, cuidou de tudo e plantou aquelas árvores de sombra ao redor da igreja.

Wordel já se prepara para fazer-nos ouvir aquele choro “Moleque Vagabundo

III

Em festas de São Miguel realizava-se sempre, como ainda hoje, o clássico leilão. Ali, como sempre, as prendas ou ofertas dos devotos eram disputadas, no intuito de favorecer os cofres da Capela.

Destes leilões, ficaram na memória do povo dois episódios que recolhi para “Recordar é Viver”.

Uma vez, entrou em leilão um peru. O Coronel Lauro Xavier de castro, então opulento fazendeiro, homem de largas posses e grandes negócios, um dos homens mais ricos do município e que eu vi morrer na miséria na ala de indigentes de um dos nossos hospitais, lançou sua alta oferta: “dou cem mil réis pelo peru”. Antônio Albuquerque, também grande fazendeiro, não se sabe lá por que cargas d´água resolveu contrapontear e gritou com voz rude e rouca de homem do campo: “duzentos mil réis pelo bicho”. Lauro Xavier: “Tem trezentos”. Antônio Albuquerque: “Quatrocentos”. E lá se foram. O peru já estava em cifras astronômicas quando o Coronel Lauro berrou: “Ninguém me afronta com dinheiro”. E os 38 reluziram aos raios alegres do sol da tarde primaveril. Não fossem os apartadores o fato teria gravíssimas conseqüências.

E passamos a ouvir “Nossa Senhora do Amparo”, valsa dedicada à menina Hilda Maria Braga de Moraes, pelo seu aniversário.

IV

Este leilões de São Miguel deixaram outras recordações que calaram fundo no espírito dos passofundenses, que guardam na memória outros fatos interessantes.

Há 30 anos passados ocorreu uma cena curiosa que revela o fino espírito e a delicadeza generosa dos passofundenses. Em meio a um leilão, uma senhorita da alta sociedade, D. Bega Araújo, que depois casou-se com o Sr. Oribe Marques, atirou uma rosa ao leiloeiro para que este a pusesse no lance. “Tem tanto, mais tanto, mais tanto...”. “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três” e a rosa foi arrematada pela mais alta quantia alcançada em todos os leilões até então realizados. Disse-me um velho amigo que o valor da flor equivaleu ao preço de um automóvel daquela época.

Mas das histórias e lendas que se contam de São Miguel a mais interessante está ligada ao nosso velho amigo e ilustre conterrâneo Sr. Armando Araújo Annes.

Dizem que vinha ele, certa vez, de uma festa que se realizara lá pelos lados do Pulador ou da Charqueada, quando deteve-se em frente à Capela de São Miguel, cuja porta aberta mostrava no altar o Arcanjo Guerreiro, com sua brilhante espada, que havia combatido pelo Brasil na guerra do Paraguai, doada pelo seu proprietário. O jovem Armando Annes, moço temperamental, desafiando a imponência marcial do Santo, saca do revólver e alveja por cinco vezes o Arcanjo das hostes divinas.

Conta a lenda que, notando que seus disparos não produziram nenhum efeito, levou a mão no bolso e encontro as 5 balas que, milagrosamente, ali estavam reunidas, desafiando a incredulidade do jovem e dando uma prova do poder do Anjo.

Dizem que mais tarde o Sr. Armando Annes penitenciou-se deste ato e doou um bonito e caro altar para São Miguel.

São história e lendas que acompanham os grandes homens. Creio, porém, que esta é verdadeira!

Como último número, os nossos músicos vão executar, em louvor a São Miguel, que gostava de festas e de bailes, a valsa “Ciúmes de Amor

Voltaremos no próximo domingo.