Ana Luiza e sua Vida Simples e Bela
Ana Luiza e sua Vida Simples e Bela[1]
Em 25/06/1982, por Delma Rosendo Gehm
A ilustre poetisa passo-fundense Ziza de Araújo Trein, homenageou a inesquecível mestra Dona Zóca com uma bela página literária, quando foi empossada na Academia Passo-fundense de Letras e este trabalho estamos transcrevendo.
- “ANA LUIZA E SUA VIDA SIMPLES E BELA - Agora é com profundo respeito, mais que respeito, é com veneração que passo a ler a biografia da ilustre Dama que deu o nome à Cadeira que ora ocupo. Vida simples, como simples foi sua alma.
No dia 29 de abril de 1879, na cidade de São Gabriel, o casal Pedro Ferrão e Joaquina Ferrão viu seu lar enriquecido com a chegada de bebê que, na pia batismal, recebeu o nome de Ana Luiza. Seu nome completo era; Ana Luiza Ferrão Teixeira.
Dezesseis anos mais tarde, 11 de novembro de 1895, Ana Luiza quase uma menina, recebia seu diploma de normalista pela antiga Escola Normal do Estado e, a 27 de março de 1896, era nomeada para reger interinamente a cadeira do sexo feminino na então Vila da Palmeira.
Assumiu esta cadeira, em 1.o de julho de 1896. Entretanto, a 2 de fevereiro de 1897, em virtude do artigo 1.o das disposições transitórias do Decreto n. 89, do mesmo dia e ano, foi efetivada no cargo.
Em 31 de outubro do mesmo ano, em segunda nomeação, foi designada para reger interinamente, a cadeira da mesma Vila. E, a 15 de junho de 1898, foi transferida para Passo Fundo, a fim de reger efetivamente a segunda Escola do mesmo sexo feminino de segunda entrância.
Para assumir esta nova incumbência, foi-lhe conferida uma prorrogação de 4 meses por motivos de saúde.
Em 1896, quando veio para Passo Fundo, já estava casada com o sr. Mathias Teixeira, representante comercial.
A 8 de julho de 1907, foi nomeada para reger a primeira escola mista da segunda entrância.
Em 1.o de maio de 1911, foi nomeada para reger a primeira classe do sexo feminino do Colégio Elementar desta cidade, na forma do artigo 6.o do Decreto n. 1479 de 26 de maio de 1909.
De 1898 a 1911, no Colégio Elementar, Dona Zoca, nome afetivo pelo qual a professora Ana Luiza era conhecida, lecionou os três primeiros anos.
De 1.o a 31 de março de 1911, esteve em licença para tratamento de saúde, licença que foi prorrogada por mais três meses, mas de cuja metade desistiu por não mais ser necessário.
Em 1922, lecionou o sexto e o sétimo anos que correspondem hoje ao primeiro grau completo.
Professora Zoca, como auto didática que era, lecionava todas as matérias Português, Aritmética, Estudos Sociais, Música, Desenho e Artes Domésticas, eram disciplinas que conhecia a fundo e ministrava com prazer.
Mantinha aos sábados, aulas de civismo e aulas de declamação com teoria rítmica.
Comentava, com conhecimento, trechos bíblicos, associando-os com a vida e com princípios sociais, até mesmo da higiene.
Quando em vida, em Palmeira, dona Zoca fez parte da Sociedade Beneficente de Senhoras, onde, com frequência, pelo uso da palavra, o que não lhe era difícil, influiu ponderavelmente.
Além de outras atividades desenvolvidas nesta cidade, foi sócia fundadora do Hospital da Cidade.
Era sócia benemérita da Maçonaria onde era recebida como Veneranda.
Não obstante pertencer à elite literária do seu tempo. Dona Zoca não deixou bagagem literária, nem no campo da Pedagogia ou da Didática. Mas escreveu trabalhos literários diversos por jornais.
Devia ser considerada fundadora do Colégio Elementar de Passo Fundo, hoje. Grupo Escolar Protásio Alves, pois nele lecionou desde a sua fundação até 1935, quando se aposentou.
Aposentou-se após ter exercido o magistério por 40 anos: 7 anos na antiga Vila de Palmeira e 33 anos em Passo Fundo.
Faleceu em Porto Alegre, em março de 1940, aos 61 anos de idade, deixando os seguintes filhos:
Olavo Terras Teixeira (falecido)
Stela Teixeira Corá (falecida)
General Rafael Ferrão Teixeira
Antônio Ferrão Teixeira (falecido)
Rita Ferrão Teixeira (falecida)
Ondina Ferrão Teixeira (falecida)
Mathias Ferrão Teixeira (falecido)
Ana Luiza Ferrão Teixeira (falecida)
Pedro Ferrão Teixeira
Coronel Eugênio Ferrão Teixeira
Dez filhos. Que bênção divina. Destes, apenas 3 ainda vivem. Todos eles homens e mulheres, foram ou ainda são o exemplo vivo daquela mãe que sempre colocou acima de tudo a dignidade e o dever.
Como se vê pelo laconismo das datas e dos dados desta biografia, bem como, pouco nos contam do ser humano que foi Dona Zoca. Não falam da beleza da alma e do grande coração daquela mulher que, como ninguém até hoje soube ser mestra entre as mestras.
Por trás deste resumo biográfico, vamos encontrar o ser humano a figura ímpar da professora que jamais traumatizou um aluno ao admoestá-lo. Sua voz era sempre suave, suas palavras brandas, seu rosto expressava bondade e seu olhar carinho.
Nunca soube repreender, mas, como sabia aconselhar.
Educava pelo exemplo, na sua maneira de ser e até de se trajar. Um dos seus hábitos, que suas ex-alunas não esqueceram é que ela sempre usava chapéu. Tirava o chapéu, punha-o de lado na mesa e dava início à aula. Vestia-se modesta, mas impecavelmente.
Seus sapatos, ainda que com meia-sola, sempre limpos e jamais acalcanhados ou com saltos estragados e suas vestes, rigorosamente ajeitadas, davam-lhe um aspecto de capricho e de sobriedade.
Tinha um admirável equilíbrio emocional. Nunca deixava transparecer os seus problemas, nem tampouco os transferia, o que é muito difícil.
Espírito religioso, via no sacrifício do dia a dia a sua própria evolução.
Humilde e submissa, dava o exemplo de hierarquia. Era a primeira a cumprir o que mandava.
Modesta com elegância. Sábia com sutileza. Era uma mulher sem vaidade.
Via, em cada filho, uma massa que devia ser bem plasmada. Todos os seus alunos eram tratados com o mesmo carinho e com o mesmo desvelo.
Não distinguia os filhos das famílias abastadas daqueles que vinham de lares menos aquinhoados.
Sei porque é experiência própria. Eu fui uma menina pobre e tímida: filha única, criada sozinha, estudando em casa com meu pai, depois com a professora particular.
Quando fui para o Colégio Elementar, fiquei na aula da professora Zoca. Se não fosse ela não ei o que seria de mim. Aquele bando de crianças ao meu redor na hora do recreio, os colegas rindo de mim na aula das coisas erradas que eu dizia ou fazia. Era um mundo completamente diferente do meu.
Como me sentia infeliz.
Dona Zoca, percebendo o que estava se passando comigo tornou-se para mim uma espécie de mãe, de refúgio, demonstrando sempre carinho e compreensão. Assim continuou até depois de eu haver superado essa fase de adaptação.
Eis porque escolhi esta Academia para perpetuar o nome de Dona Zoca além de ser um tributo de gratidão e também um preito de saudade à minha querida professora: essa mulher insigne que soube ser mãe, ser esposa e mais que tudo, uma educadora por excelência.
Referências
- ↑ NOTA: Ensaio literário apresentado na Academia Passo-fundemse de Letras, em outubro de 1976, pela poetisa Ziza de Araújo Trein.