A chegada do ônibus

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A chegada do ônibus

Em 14/09/1952, por Celso da Cunha Fiori


Programa levado ao ar na Rádio Passo Fundo, no programa Recordar é Viver, no dia 14 de setembro, Domingo, ao meio dia, 1952.

Título: A chegada do ônibus

Caríssimos ouvintes: boa tarde.

Apresento-lhes no programa “Recordar é Viver” de hoje, na ausência do Dr. Fiori, uma série de crônicas e comentários escritos por ele, especialmente para esta audição.

I

Não é preciso ir procurar a Madame Campos para ver através de sua bola de cristal o futuro de passo Fundo. Basta considerar que esta cidade será o maior centro rodoviário do Estado; basta pensar na Represa do Capinguí e na Barragem de Ernestina, que fornecerão energia elétrica em abundância para o desenvolvimento das indústrias e que chegarão a mudar as condições meteorológicas locais, tornando terras secas em lavouras dadivosas. Nosso município será um dos mais ricos e prósperos do Estado pelas suas lavouras mecanizadas, pela sua pecuária e pelas suas indústrias.

A cidade terá um desenvolvimento espantoso, sua população crescerá assombrosamente, fenômeno que já está se verificando e que qualquer um pode constatar. É natural, portanto, a grande valorização dos terrenos urbanos a que estamos assistindo. Por um terreno situado na Praça Marechal Floriano foi, há poucos dias foi pedido pelo proprietário a bagatela de “um milhão de cruzeiros”.Entretanto, contou-me o Sr. Dorival Guedes, que na mesma praça Marechal Floriano, o terreno sobre o qual está o Edifício da Casa Rádio, do Sr. Alceu Laus, foi cedido pelo Sr. Hermínio Biasuz, construtor aqui residente, ao Sr. Eduardo Kurtz, já falecido, por uma garrafa de cerveja. Sim senhores, aquela esquina foi cedida por uma cerveja.

Música por Wordel e seus companheiros.

II

As anedotas sobre automóveis sempre foram assunto de predileção nesta cidade. Já tive a oportunidade de referir uma porção delas, na maioria atribuída ao Sr. Feliciano Trindade. Dizem que o Sr. Feliciano escuta sempre este programa e ao ouvir as anedotas em que é envolvido, sacode sempre a cabeça e diz que não é bem assim.

Para hoje destaquei uma de automóvel, mas desta vez atribuída ao Sr. Lili de Quadros, cidadão distintíssimo e estimado nesta cidade, já falecido, e que eu conheci logo que aqui cheguei. Era pai do Sr. João de Quadros e sogro do Sr. Leandro Missel.

O Lili de Quadros trabalhava na compra de gado pelo interior e tinha um Ford de bigode para este serviço. Era um homem bom, correto, de excelentes qualidades morais, mas de um gênio impulsivo e violento.

Certa noite vinha ele no Ford quando o auto enguiçou. O Lili virou, mexeu , torceu, puxou, mas nada do “possante” funcionar. Saiu a pé pela estrada. Caminhou alguns metros e olhou para traz. E vendo o auto com os faroletes acesos não se conteve e gritou: “Desgraçado, tu ainda fica me olhando”. E sacando do revólver deu 5 tiros no radiador.

Wordel.

III

O comércio de Passo Fundo é um dos melhores do Estado. Tem e merece esta fama.

Viajando para Sarandí e Chapecó tive a oportunidade de constatar o interesse dos comerciantes daquela região em fazer escoar os seus produtos para esta cidade. Com a abertura da rodovia para Nonoai, já bastante adiantada, maior se torna o fluxo comercial em direção a Passo Fundo. Natural pois que dentro deste movimento incomum do nosso comércio aconteçam coisas interessantes.

Vimos há anos a abertura de uma casa de negócio cujo proprietário mandou escrever em grandes letras na frente do prédio o seu lema comercial “Brasilidade e Presteza”. Ninguém entendia bem o significado do lema escolhido, mas o certo é que os viajantes venderam grandes faturas à nova firma. Mas na hora do pagamento das duplicatas os viajantes não encontraram mais o estabelecimento. A chuva lavou o letreiro da frente, mas ainda podia-se ler muito tempo depois a palavra “Presteza”.  

Wordel.

IV

Se você vai viajar para Porto Alegre e prefere ir num dos modernos “gostosões” da Empresa Reunidas da Serra trate de por o despertador em ordem, levantar bem cedo e chegar à Estação Rodoviária antes das 6.

As 6 horas em ponto parte o moderno ônibus. Quem está na hora vai e quem não está fica. O dinheiro da passagem adquirida fica perdido. E mesmo que de véspera queira-se desistir da viagem, a devolução da passagem sofre os descontos regulamentares, conforme o caso. Se tiver chegado na hora a viagem será esplêndida. O ônibus é confortável e a passagem custa somente 160 cruzeiros.

Mas você se lembra como era tudo com os primeiros caminhões que iniciaram as viagens entre Passo Fundo e Porto Alegre? Em 1939 surgiu a primeira linha que tomou o nome de “Flexa de Ouro” e pertencia aos Srs. Angelin Postal e Ernesto Bernardi. Logo depois, Ary Burlamaque o outros criaram uma concorrente: a Empresa Cometa. Cada empresa tinha pintado de cada lado da carroceria os símbolos respectivos: numa, a flexa, na outra, o cometa.

Naquele tempo não havia DAER.   Os ônibus iam em casa buscar os passageiros e a passagem custava 60 cruzeiros. A freguesia era naturalmente muito bem tratada pelos motoristas que então faziam as viagens: Alcides Schroeder, Ernesto Baldi, Luis Postal e o Guilherme Modesti, o conhecido Gigeto. De manhã eles buzinavam em frente da casa do passageiro que abria a janela com cara de sono e dizia: “espera aí que eu vou me vestir”... E o dono respondia: “não tem pressa doutor, nós esperamos”.

Tempo bom aquele. Mas hoje ande depressa, corra, chegue na hora na Estação Rodoviária, se não você perde a passagem!

V

Pronto! Lá se vão eles novamente, depois de nos haverem brindado com a s suas músicas e suas histórias. E como foi doce recordar... Agradável, comovente é fazer surgirem recordações através da música que os nossos seresteiros reuniram para estes momentos de evocação do passado.

Mas os ponteiros do relógio já marcam o término das agradáveis evocações e lá se vão eles:

  • Wordel com sua clarineta;
  • Quinquinha e sua flauta;
  • Basso e seu violão;
  • Maister e Petry com seus violinos;
  • Luis Feldman e Portella com suas violas;
  • João Paulo com seu cavaquinho.


E com eles o nosso cronista do passado, Celso Fiori, do Grêmio Passofundense de Letras, mas que voltarão no próximo domingo para mais um “RECORDAR É VIVER”.