A Revolução Farroupilha
A Revolução Farroupilha
Em 30/11/2012, por Romeu Carlos Alziro Gehlen
ROMEU GEHLEN[1]
O império brasileiro enfrentou a mais longa e difícil revolta de todos os tempos, quando os “farrapos” se levantaram imponentes contra o poder centralizador, autoritário, escravagista, dos idos de 1835.
O Brasil prosperava às custas do trabalho escravo, embora inúmeros movimentos e posturas de literatos, sociólogos e historiadores mantivessem posição contrária ao regime.
O Rio Grande do Sul assumia frequentes batalhas em defesa do território nacional. Ainda assim, o Uruguai conquistou sua independência (1828), mas o povo rio-grandense mantinha-se fiel, na defesa da unidade territorial.
Ao contrário do que muitos pensam, o gaúcho sempre defendeu a sua pátria e o território brasileiro, não construindo ideais separatistas. É bom lembrar que, praticamente, todo o território do Rio Grande do Sul pertencia aos Sete Povos, terras nominalmente do domínio da Espanha. E os gaúchos sempre lutaram em defesa desse território, sendo que, somente em 1776, os espanhóis foram expulsos do Rio Grande. A expansão militar espanhola objetivava abranger o território gaúcho, o Uruguai, a Argentina, o Paraguai e a Bolívia, criando o vice-reinado do Rio da Prata.
Não se pode negar, todavia, que o povo gaúcho sempre defendeu ideais de liberdade, não se curvando a governos autoritários e de desmandos.
Mesmo quando eclodiu a revolução de 1835-1845, os líderes da revolução proclamavam outros estados brasileiros para cerrarem fileiras na luta pelos seus ideais. É bem verdade que, em 1836, os farrapos proclamaram a República de Piratini, com Bento Gonçalves como Presidente, e estenderam sua luta até o Estado de Santa Catarina, onde houve a participação de Giusepe e Anita Garibaldi.
Os impostos elevados que incidiam sobre os produtos aqui produzidos, especialmente a taxação sobre o charque e o couro, e as políticas mercadológicas impostas pelo governo central, determinavam sérias perdas aos produtores gaúchos. Os índios e os negros escravizados acabaram fazendo parte ativa desse movimento. Ciosos de liberdade e na defesa de seus direitos fundamentais, uniram-se aos líderes revolucionários, chefiados por Bento Gonçalves.
O espírito de luta e a coragem dos farrapos despertaram a atenção até de poetas. O imortal Olavo Bilac descreveu o gaúcho engajado na luta farroupilha: “Farrapo”: Esse nome, criado pelo desprezo, foi nobilitado pela glória; a inevitável glória da justiça do tempo transformou o epíteto injurioso em título de suprema honra. Eram desgraçados, sim, eram pobres, eram maltrapilhos, aqueles guerreiros que, para não morrer de fome, contentavam-se com um bocado de carne crua;acampavam e dormiam ao relento, com a face voltada para as estrelas; não tinham dinheiro, nem uniforme, e não podiam renovar as botas e os ponchos que o pó das estradas, as balas, as cutiladas, as chuvas, estraçalhavam e apodreciam; - mas prezavam o seu nome de “Farrapos” e tinham orgulho da sua pobreza; - e eram mais ricos assim, possuindo apenas o seu cavalo, a sua garrucha, a sua lança e a sua bravura.
Cenobitas da religião cívica, anacoretas da guerra, vivendo no imenso e fúlgido ascetério do “pampa”, esses primeiros criadores da nossa liberdade política não olhavam para si. Olhavam para a estepe infinita que os cercava, para o infinito céu que os cobria, - e nesses dois infinitos viam dilatar-se, irradiar e vencer, no ar livre, o seu grande ideal de justiça e de fraternidade.
Alguns autores e escritos da época afirmam que David Canabarro, um dos líderes da Revolução Farroupilha, teria se mancomunado com as tropas imperiais de Caxias – o Duque de Caxias –, para dizimar os temíveis “lanceiros negros”, que faziam fileira à tropa farrapa.
O objetivo dessa traição visava conquistar a lavratura da Paz de Ponche Verde, que acabou acontecendo nos campos de Dom Pedrito. Desarmados e separados da tropa, numa armadilha relatada como o famoso “massacre dos porongos”, os “lanceiros negros” sucumbiram bravamente diante das tropas imperiais.
Importa destacar, porém, que a Revolução Farroupilha foi um marco incontestável de luta em favor da abolição da escravatura. A ideia de humanidade e de liberdade contrastava com o regime escravocrata vigente no Brasil. Daí se seguiram vários atos em direção à definitiva libertação dos escravos. A proibição do tráfico de escravos, a Lei do Ventre
Livre e tantas outras leis, culminaram com o ato da Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888 (Lei Áurea), quando foi declarada a abolição da escravidão.
Se é verdade que a Guerra dos Farrapos teve a hegemonia dos fazendeiros, não menos verdade é que ela foi protagonizada pelos índios, pelos negros, pelos mestiços e pelos brancos de pouco poder aquisitivo. Com bravura, altivez e sem medo do perigo, os farroupilhas mostraram o seu valor e a sua têmpera indeclinável e férrea. No dizer do romancista José de Alencar, À têmpera d’alma sucede o mesmo que à têmpera do aço: em sendo boa, quanto mais se lhe calca, mais forte ela brande.
Os heróis farroupilhas serviram como paradigma para outras revoluções. Giusepe Garibaldi, em igual luta libertária na Itália, lembrou os nossos valorosos guerreiros:
Eu vi corpos de tropas mais numerosas, batalhas mais disputadas; mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, nem cavaleiros mais brilhantes que os da bela cavalaria riograndense, em cujas fileiras aprendi a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada das nações.
Quantas vezes, eu fui tentado a patentear ao mundo os feitos assombrosos que vi realizar por essa viril e destemida gente, que sustentou, por mais de nove anos e contra um poderoso império, a mais encarniçada e gloriosa luta. Não tenho escrito semelhante prodígio, por falta de habilitações, porém a meus companheiros de armas, por mais de uma vez, tenho comemorado tanta bravura nos combates, quanta generosidade na vitória; tanta hospitalidade, quanto afago aos estrangeiros. E comemora também a emoção que a minha alma, então ainda jovem, sentiu na presença e na majestade de vossas florestas, na formosura de vossas campinas, nos viris e cavalheirescos exercícios de vossa juventude corajosa. E, repassando pela memória, as vicissitudes de minha vida entre vós, em seis anos de ativíssima guerra e da prática constante de ações magnânimas, como em delírio, brado: - Onde estão agora esses buliçosos filhos do Continente, tão majestosamente terríveis nos combates? (...) Oh! quantas vezes tenho desejado, nestes campos italianos, um só esquadrão de vossos centauros, avessados a carregar uma massa de infantaria, com o mesmo desembaraço como se fosse uma ponta de gado!
No entanto, quantos ainda duvidam dos verdadeiros ideais farroupilhas, pelos quais esses homens lutaram! Quantos ainda se envergonham e zombam desses heróis, que lutaram por dez anos contra o poderoso exército imperial, por ideais de liberdade e fraternidade, em defesa desses campos então ainda verdejantes, com florestas agrestes, de campinas, planícies e montes de belezas indescritíveis!
Se é certo que existem muitas divergências sobre os verdadeiros ideais farroupilhas, também é certo que o gaúcho tem orgulho de sua terra. Por isso, canta as suas planícies e planaltos, exalta a natureza, e não são poucos os poetas que se inspiram na beleza da música gauchesca, dos contos e poesias que lembram nossos pássaros e antepassados, e que elevam a alma do gaúcho.
Referências
- ↑ Romeu Gehlen é advogado, professor da UPF e membro da Academia Passo-Fundense de Letras