A Primeira Santa Popular Passo-fundense

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A Primeira Santa Popular Passo-fundense

Em 15/09/2010, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


A Primeira Santa Popular Passo-fundense

Maria Pequena

 

A Revolução Federalista foi um dos períodos mais violentos e traumáticos da história do Rio Grande do Sul, de maneira geral, e de Passo Fundo, em particular. Joaquim Thomaz dos Santos e Silva Filho, quando entrou na cidade, ao entardecer de 8 de fevereiro de 1894, após o Combate dos Valinhos, encontrou uma cidade arrasada, com as casas comerciais arrombadas e cadáveres pelas ruas. Segundo o historiador Antonino Xavier e Oliveira, que participou daquela revolução ao lado das forças republicanas, o saldo foi devastador: mais de duas mil vítimas, no município, e a economia aniquilada.

Como sempre, quem mais sofreu foram as mulheres, os velhos e as crianças, em especial, os mais pobres. Talvez porque as mulheres sejam contadas entre as maiores vítimas é que uma destas, Maria Meirelles Trindade, conhecida como Maria Pequena, tenha se transformado na primeira santa popular passo-fundense.

No dia 28 de novembro de 1894, um piquete de cavalarianos maragatos procurou pelo marido de Maria Pequena, que integrava as forças pica-paus, na casa da família. Não encontrando ninguém, ficaram sabendo que Maria estava lavando roupas no Arroio Raquel, entre a atual rua Mato Grosso e a Rua 1º de Maio, na Vila Carmem.

O militar republicano, junto com o filho adolescente, havia procurado abrigo na casa de amigos na Coxilha dos Valinhos, esperando a melhor oportunidade para proteger-se num local mais seguro.

Maria Trindade foi dominada, e exigiam que confessasse onde se encontrava o marido. Afirmou que não o sabia. Recebeu uma punhalada para que confessasse. Continuou negando. Foi apunhalada mais uma vez. As negativas continuaram. Deram-lhe uma terceira punhalada. As negativas continuaram.

É possível que, nesse instante, a visão do esposo e do filho sendo degolados tenha passado pelos seus olhos. Parecia um pesadelo. Os algozes seguraram os seus cabelos lisos, que foram puxados para trás, deixando a garganta exposta. E a filha da índia Marcelina Coema sentiu a veloz ardência de uma faca, aparando as jugulares. Correu alguns metros e caiu de bruços - pois assim acontecia com todas as vítimas desse bárbaro martírio.

Os carrascos partiram. O corpo de Maria ficou, no gramado que margeava o Arroio Raquel. Mais um testemunho mudo da "revolução da degola". Generosas mãos ali sepultaram a mulher que morreu para proteger o marido e o filho.

Numa época em que a mortalidade infantil era muito elevada, aos poucos, ao lado da sepultura da degolada, que dera sua vida, também pela do filho, foram sendo sepultados "anjinhos", como eram chamadas as crianças falecidas antes dos sete anos.

E Maria adquiriu fama de santa. Passaram a atribuir-lhe milagres, a acenderem velas e a oferecerem flores em sua homenagem.

Na década de 1950 a cidade expandiu-se para além do Arroio Raquel. O Cemitério da Cruzinha, como era conhecido, foi extinto e as ossadas transferidas para o Cemitério Municipal da Vera Cruz. A imprensa da época registrou que os ossos de Maria Meirelles Trindade foram guardados na Catedral de Passo Fundo, à espera de que construíssem um mausoléu, no Cemitério da Vera Cruz. O mausoléu não saiu e as relíquias da "santinha" desapareceram.

No ano passado, após no "Seminário 111 anos da Batalha de Passo Fundo", fui abordado por uma senhora em busca de informações sobre Maria Pequena. Informei-lhe o que sabia e perguntei o porquê do seu interesse. Disse-me que era bisneta de Maria Trindade e que seu velho pai tinha o sonho de descobrir onde se encontravam os restos mortais da avó. Recomendei-lhe que procurasse as autoridades religiosas responsáveis pela Catedral. Fê-lo e disseram nada saber sobre o caso.

O repórter policial que já fui entrou em ação. E acabei descobrindo com o incansável pesquisador Heleno Damian que este obtivera do ex-padre Jacó Stein a informação de que os ossos de Maria Pequena estavam depositados sob o antigo altar mor da Catedral de Passo Fundo. Jacó Stein, quando pároco daquele templo, sensibilizado com a urna guardando os ossos de Maria Trindade, mandara que, devidamente protegidos, fossem depositados debaixo do altar.

No dia 30 de novembro deste ano, ao lançar "Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo", como sempre o tenho feito, prestei uma homenagem às vítimas daquele sanguinário movimento armado. Ao autografar exemplar do livro para a professora Tânia Maria Trindade de Melo, pedi ao meu bom amigo Heleno Damian que dissesse à bisneta de Maria Meirelles Trindade, o local onde repousam os ossos de sua bisavó.

Emocionamo-nos todos os presentes. Pelo menos de uma das vítimas, transformada na primeira santa popular passo-fundense, nós sabemos onde seus restos mortais descansam.

Como tenho dito, a Revolução Federalista está muito mais presente em nossas vidas do que imagina a nossa vã filosofia.

Referências