Memórias de Eliana
Memórias de Eliana | |
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Descrição da obra | |
Autor | Agostinho Both |
Título | Memórias de Eliana |
Assunto | Romance |
Formato | E-book (formato PDF) |
Editora | Projeto Passo Fundo |
Publicação | 2018 |
Número de páginas | 126 |
ISBN | 978-85-8326-324-1 |
Formato | Papel 15 x 21 cm |
Editora | Projeto Passo Fundo |
Publicação | 2018 |
Memórias de Eliana representam a travessia do tempo de uma mulher preocupada em ver de perto os limites humanos por onde passou. Por outro lado, entende haver, na confissão deste olhar, possibilidades de contribuir para minimizar a miséria humana contida nas casas e nas instituições. O sofrimento humano não compreende para Eliana um drama insolvente. Ela realiza uma catarse e uma crítica enquanto perdoa e avalia caminhos de reparação. Um peixe real e simbólico está presente por onde quer que vá. A fé na vida e na morte são para ela motivos de transformação. A virtude e o vício, contidos no texto, servem para compor a unidade humana em busca de equilíbrio. Por onde se olhar os tempos da protagonista haverá uma mensagem. A poesia dos diálogos e das paisagens dá conta da esperança e da solidariedade. A resistência ao mal é o princípio das lutas de Eliana. Ódio e amor andam juntos, convidando o leitor a rever conceitos face às histórias diferentes com as quais Eliana busca compor soluções pela crítica e pela ação. Enfim, a saga de uma mulher em busca de salvação.
Livro escrito por Agostinho Both, publicado em 2018
Apresentação
do Primeiro Capítulo, pelo Autor
A VIDA NÃO ESQUECE
Estou nos meus setenta. Da infância, o sorriso brando e a ingenuidade à flor da pele, pouco tenho a dizer. Raquítica por natureza, corria pelas roças de meu pai. Amava a água dos riachos. Felizes foram os dias do açude a encher-se de água. Meu pai a recolhia do arroio para o oxigênio dos peixes. Não sei de onde apareceram alguns dourados. Ele dizia, foi uma garça do rio Uruguai. Aqui ela despejou os ovos. Somente sobrou um que resistiu ao pesadelo anual. O açude sem água. O danado resistia à morte.
De um dia para o outro, senti que em mim se fazia uma mulher. Chorei no primeiro sangue perdido. Bem, explicou minha mãe: se foi minha pequena. Me via, também, diferente das outras meninas, mais meditativa. Lá vem a Eliana com as perguntas, se queixavam elas.
Deus distribui talentos diferentes. De um professor meio tosco, algum aluno tira o saber conspícuo e outro, pobrezinho, mal decora algumas palavras à esmo. Sempre privei com livros. Tive a sorte de ler quase tudo da biblioteca de padre Ataulfo. Dizia ele haver em mim uma filósofa. Promessa de grande mulher. Não era bem o que pensava de mim.
Segunda feira. Por entender a minha vida como promessa, levantei decidida a não perder um minuto. Acudiam ideias de infinitos em cada objeto ou fato, por menores que fossem, entretanto os maiores infinitos não moravam no interior. O professor Rogério e o padre Ataulfo falam: não existe mais interior, frequentamos o mundo a hora que queremos. Deus te deu uma inteligência rara, me convencia o padre sobre a responsabilidade. Não me orgulho desta vantagem. O sofrimento invade mais aos que mais sabem. Se fosse pra descobrir as sutilezas do mundo, tudo bem. Me invadem mais as brutalidades cometidas, dadas a cada momento. Isso é elementar na humanidade, é só ler um pouco da história dos últimos anos. Talvez, um dia, ficaremos mais enternecidos ao lembrar Nagasaki. De todos os lados vem a banalidade e a frivolidade dos males, mesclados até em instituições de impor respeito. Meu pai, meio desbocado, diz: fizeram merda em nossa pátria. Aqui se mata por interesse próprio. Os políticos, em vez de serem pais da pátria, vivem como criminosos bem sucedidos. Enchem os bolsos e os desbocados ainda debocham. Autorizam, em favor próprio, roubos vergonhosos.
Professor Rogério me alertava: Eli, não é preciso ir longe para ver sofrimento. Na próxima semana vamos estudar dois momentos terríveis dos gaúchos. Em Nagasaki os inimigos eram mortos. Aqui, os irmãos se matavam. Isso acontece quando surgem pensamentos onipotentes. Meu professor de história explica haver ideias maniqueístas. Isso é verdade. Até a igreja matava por achar que só ela era boa e verdadeira. Na Rússia, e na China nem se fala. A onipotência e o ressentimento acabam com qualquer um. Você vai ver o que aprontaram o Júlio de Castilhos e o Borges de Medeiros.
Caprichava então para ver se conseguiria dominar a fera que, às vezes, sentia bruta em mim. Falava pra minha mãe:
— O que fazer pra não me perder pelo caminho se aqui não for
meu lugar?
— Em tudo pode haver a graça, repetia ela a me cansar. Não carece de ir longe pra agradar a Deus, Eliana. Não importa o lugar. Deus ama também as aldeias.
— Não nasci pra ficar enterrada aqui na roça.
— Está bem, filha. Aqui é um lugar simples, mas você sempre vai carregar o que colheu. Vai caminhar pra sempre pelo chão de teu lugar.
— Obrigada! A decisão de buscar mais não brotou por influência de quem quer que fosse. Não nego o valor de nossa casa, muito menos do pai, da senhora e de minha irmã, a Tudinha. Não vou interromper meu propósito por razões daqui. Se a senhora diz do Antônio me querer tanto, não é ele que vai me tirar o querer de ir mais longe. Que ele fique aqui carpindo, eu me vou sorrindo. Quero o bem pro piá, mas meu Deus mora mais longe.
— Tu não se contenta com a vida desta casa, filha. Diga então pra onde quer ir?
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Referências
- ↑ BOTH, Agostinho. (2018) Memórias de Eliana -Passo Fundo: Projeto Passo Fundo, 126 páginas. E-book