Pindaro Armes: santo de casa também faz milagre

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Pindaro Armes: santo de casa também faz milagre

Em 30/06/2007, por Francisco Mello Garcia


Pindaro Armes: santo de casa também faz milagre


XIKO GARCIA[1]


Sempre questionei cenas atitudes pessoais, as quais chegam a um índice muito alto de homogeneidade. Poder-se-ia dizer que o ser humano age sempre igual, mas deveria ser diferente. Digo isto, em função do que me ocorreu recentemente, por ocasião de meu ingresso na honrosa Academia Passo-Fundense de Letras.

Em determinado momento há um sorteio, quando é escolhido o Patrono da cadeira de cada novo integrante da entidade. Antes desse momento, fomos informados da ilustre nominata de escritores, poetas, intelectuais de curriculum de nível nacional, estadual e municipal, todos com a mesma possibilidade de vir a ser o Patrono da gente. A tendência lógica é torcermos por um nome desses, de equivalência nacional ou estadual, a exemplo de Machado de Assis, Mario Quintana. Erico Veríssimo. Carlos Drumond de Andrade, etc... Dificilmente nos motivamos pela prata da casa, daí a justificativa de que "santo de casa não faz milagres". Gosto de retratar coisas do nosso cotidiano em poesia. Aqui vão duas estrofes de um tema que escrevi com o título "O milagre de santo de casa":

Tem coisa com qualidade,

nasce c morre escondida,

por surgir na intimidade

é duro ser reconhecida.


tem quem sai pra comer fora

coisa bem desconhecida,

e ainda prega conselho

que faz, por lazer na vida,

porém se comesse em casa

melhor seria a comida...


Lá no rio quem pesca sabe

que dourado não é bagre.

Poucos sabem construir,

fácil é ter quem estrague,

já vi pagarem por vinho,

no fim beberem vinagre,

pois quando o diabo é de fora

sempre tem quem o consagre.

Por isto santo de casa

não pode fazer milagre...


E, se não faz, penso que é pela atitude simplória que existe entre as pessoas de uma mesma comunidade. E isto já começa no próprio ambiente familiar, onde irmão não reconhece irmão, filho não admite os pais, mulher não vê méritos no marido e vice-versa. Na maioria das vezes, isto tem o amparo de que parece que tudo, o que vem de longe ou está fora de nosso cotidiano, é melhor. Sendo famoso, nem se fala. Se está na grande mídia, imaginem! Iniciando pela comida que vai à mesa, a roupa que vestimos, tudo deve ser de marca, marca de reconhecimento nacional. Tudo aquilo que parece tão íntimo, mas na realidade não o é. Se analisarmos, não é verdade e nem de nosso conhecimento. Sendo apenas o efeito de sugestionamento, veiculado por meios massificantes, no sentido de desviar nosso foco daquilo que, na grande maioria, já temos na nossa intimidade, na nossa comunidade, apenas nos passa despercebido, por acharmos que é algo comum e não merecedor da nossa atenção, pelo simples fato de fazer par- te de nosso cotidiano. Isto chega a valores da própria intimidade conjugai. Como é fácil dizer "eu te conheço". Ah, essa figura eu sei quem é. Às vezes, é dito por pessoas que na realidade nem conhecem a si próprias, apenas pelo fato de trafegarmos pela mesma rua, ou por encontros ocasionais em um mesmo ambiente. Isso chega a ser verdadeiro atrevimento. Conhecer uma pessoa, para mim, é muito mais que isto.

E quantos tiveram que morrer, para depois serem identificados pelo que significaram ou fizeram em vida, e o que deixaram de obras grandiosas e consideráveis numa comunidade? Algumas, tendo outro alguém que dá continuidade, até pela conseqüência de não podermos ficar sem ela, a exemplo, um hospital. Por outro lado, outras tantas caem na inércia ou se deterioram pelo esquecimento ou por efeito de ciúmes pessoais, vaidades ou narcisismos. Não comungo dessa opinião e nem faço parte dessa quase unanimidade que só se motiva com grandes nomes. Também me atrevo a pensar que muitos agem assim pela própria carência, por quererem parecer o que não são. Ou são verdadeiros estrategistas, ou oportunistas de plantão.

Sou simpático a algo que diz que nada acontece por acaso. Pois não é que o sorteio ou a sorte premiou-me com um imortal passo-fundense, Pindaro Annes, como meu Patrono, correspondendo à cadeira 25. Ressalvo, para não ferir suscetibilidades de confrades, que obtiveram como patrono nomes como os do exemplo acima, pois tal ato de escolha é através de transparência e não por tendência, é sorteio. Não tive o prazer de conhecer o meu patrono, pessoalmente, mas estou conseguindo através de sua obra também imortalizada junto à história de nossa querida e amada Passo Fundo. História essa que sempre contou com filhos dotados de determinação, arrojo, sensibilidade humanística, coragem empreendedora, qualidades facilmente encontradas na pessoa deste passo-fundense, sendo que uma, sem diminuir as demais, muito me gratificou, que era ser possuidor de excelente veia poética. E poesia é algo que vem muito ao encontro do meu estado de gosto. Sem sombra de dúvida, meu patrono pelo que fez como passo-fundense e pela gente desta terra, penso que devia ter sido um homem afagado, reconhecido e até acariciado pelas pessoas que conviveram eaté se beneficiaram de sua competência. Questiono-me, e até lamento, por ser a memória tão efêmera, frágil ou curta, que arrisco a opinar que é preciso muita inspiração para quem, nesta passagem terrena, julga ser lembrado pelas boas coisas que fez.

Pindaro Anncs nasceu cm 24 de março de 1894, em Cruz Alta/RS, filho de Gezerino Lucas Annes e de Maria Prestes Annes. O casal teve os seguintes filhos, em ordem de idade: João Waldelirio, Pindaro, Horizontina Miguelina e Serenila Catarina. Pindaro chegou em Passo Fundo, no mesmo ano de seu nascimento em 1894. Começou seus estudos no ano de 1903, na escola particular primária do professor João Goulart. egistro fotográfico da capela Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em 1908. A seguir, aprendeu a profissão de topògrafo, para trabalhar na V. F. R. G. S., na construção da linha férrea Passo Fundo/Marcelino Ramos. Também trabalhou no trecho Viadutos/Marcelino Ramos.

Voltando a Passo Fundo, instalou uma torrefação de café, com o nome de Cafelaria São Thomé, situada na Avenida Brasil n° 164-Fone 118, com prédio ainda existente em frente ao Banrisul, no centro. Fabricava as seguintes marcas de café: Café Pureza, misturado com açúcar mascavo; Café Mãe Preta, usado nos bares para cafezinho, e Café Mikado, torrado e moído com exclusividade, para ser vendido pela Cooperativa da Viação Férrea do R.G. S. No final da década de 10, Pindaro Annes, com seus amigos Antão Chagas, Celeste Corá e João Lopes, conseguiram a instalação do Tiro de Guerra 225, em Passo Fundo, situado entre as ruas Lavapés e Eduardo de Brito, a 20 metros da Rua Fagundes dos Reis, lado direito, no sentido norte.

Casou-se em 1919, com Antonia Soares de Mello. O casal teve três filhos: Cirano Annes, técnico rural ; Sérgio Paulo Annes, médico psiquiatra; Maria Amélia Annes, funcionária da contadoria da Fazenda do Estado do R.G.S.

No inicio dos anos vinte, Pindaro fez um curso de Contador (curso Comercial), no Colégio Machenzie, em São Paulo. Após formado, participou das seguintes atividades: Inspetor do Ensino Federal no Instituto Ginasial ( Atual Instituto Educacional), no Colégio Notre Dame e nos distritos pertencentes a Passo Fundo, como Erechim, Tapejara, etc. Pertenceu à Maçonaria, apresentado por Gabriel Bastos; foi Membro do Rotary Club; freqüentava a Igreja Metodista; foi colaborador dos jornais locais, O Nacional, Diário da Manhã, e colaborador do "São Paulo Imparcial" de São Paulo, através de crônicas e poemas. Atuou ainda como integrante do Grêmio Passo-Fundense de Letras (Atual Academia Passo-Fundense de Letras).

Em 1937, devido ao Golpe de Estado, foi preso juntamente com Celso Fiori, João Junqueira da Rocha, Eduardo Barreiro e outros acusados de comunistas. O Hospital de Caridade (atual Hospital da Cidade) foi fundado no dia 20/07/1914. Pindaro foi fundador e passou a fazer parte da diretoria, eleito em 20/12/1914, como 2° secretário. Por 57anos fez parte da direção, com os seguintes cargos: De 1914 a1915, 2°secretário;de 1916a 1924, 1° secretário; de 1925a1936, Vice-Presidente; e, de 1937 a 1960, presidente. Ainda compôs a diretoria de 1961 a 1972, como Conselheiro Administrativo. Sua dedicação ao hospital foi algo de notável. Não pensava no lado financeiro, pois no início dos anos 40,deixou o Rotary, a Igreja Metodista a Maçonaria, e também fechou a torrefação de café.

Permaneceu como inspetor dos cursos comerciais, de onde tirava o seu sustento, já que no hospital seu trabalho era voluntário. Dedicava o restante do tempo livre diariamente ao hospital. Em 1917, foi sua a indicação para o hospital alugar uma casa afastada, a fim de tratar os doentes com a gripe espanhola, separados dos demais pacientes. Localizava-se a casa de madeira, à rua Gal. Osório, esquina com Gal. Neto, no atual Banco Sicredi, e era de propriedade de Oribe Marques. Funcionou até o inicio de 1919, com a erradicação da epidemia. Durante suas gestões, construiu a maternidade, multiplicou a área construída com pavilhões para salas de cirurgia clínica e farmácia. Comprou uma granja para abastecimento de verduras, leite, frutas e carnes. Solicitou e recebeu verbas do Município, Estado e União, para diversas obras de ampliação e criação do curso de enfermagem em 1941. Pindaro Annes não completou sua última gestão na Diretoria do hospital. Nos primeiros dias de 1969, sentindo-se doente, foi residir em Porto Alegre. Ele faleceu em seguida, no dia 19 de fevereiro de1969. Sua descendência familiar, quer por parte de pai, que de mãe, é composta por pessoas que tiveram participações muito marcantes na história de Passo Fundo.

Agradecimento: Para elaboração desta matéria, contei com a colaboração do amigo e ex-colega de ginásio, professor Beraci Porto, pesquisador e historiador.

Referências

  1. Francisco Mello Garcia (Xiko Garcia) é compositor, poeta e escritor. Membro da Academia Passo-Fundense de Letras.