A Localização de Santa Teresa e a Escola das Redações

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A Localização de Santa Teresa e a Escola das Redações

Em 20/08/2013, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Paulo Monteiro[1]


No dia 24 de janeiro de 2007 o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, publicou um "INFORME COMERCIAL", em formato tablóide, com 12 páginas, intitulado "Do Caapi ao Carazinho". O próprio "informe", visivelmente "comercial", diz, à página 2, ter "como fonte o livro Do Caapi ao Carazinho - Notas sobre 300 anos de História - 1631-1931, de Álvaro Rocha Vargas. Essa obra foi composta e impressa na Empresa Gráfica Carazinhense Ltda., editora do Jornal O Noticioso, em Carazinho. Não consta data, no livro, mas segundo o mesmo "INFORME COMERCIAL", foi lançada no dia 28 de dezembro de 1980. Há, também, uma edição do livro na Internet.

O que desperta atenção no referido encarte é a repetição de um erro histórico: de que a redução de Santa Teresa, "instalada em fins de 1632, possivelmente às vésperas do Natal", conforme palavras textuais de Jorge Edeth Cafruni (Passo Fundo das Missões, 1ª Edição. 1966, Editora "A Nação", Porto Alegre, p. 99), ficaria à altura das nascentes do Jacuí Mirim, proximidades de Pinheiro Marcado, em Carazinho. Ora, Cafruni, até hoje quem melhor estudou a localização das reduções jesuíticas no original município de Passo Fundo, prova e comprova que Santa Teresa foi fundada às alturas do Povinho Velho pelo padre Francisco Ximenes. A 22 de março do ano seguinte, o mesmo jesuíta espanhol transmigrou a redução para o "velho Rincão do Pessegueiro", conforme assegura Cafruni, mais próximo da "futura redução de São Joaquim, no Botucaraí, que vinha sendo preparada pelo padre Ximenes (Op. cit., p. 108).

O Rincão do Pessegueiro, segundo notam os responsáveis pela  reedição de O Elemento Estrangeiro no Povoamento de Passo Fundo, de Antonino Xavier e Oliveira (Annaes do município de Passo Fundo. Passo Fundo, Gráfica e Editora Universidade de Passo Fundo, 1990, V. 2, pág. 267) é uma "Área que fica entre os arroios Passo do Herval e Pessegueiro e os rios Jacuí e Pinheiro Torto em direção a Ernestina".

A localização inicial da redução de Santa Teresa era, portanto, no Povinho Velho, entre Passo Fundo e Mato Castelhano; segundo a tradição oral transmitida por antigos moradores da região situava-se num mato ainda ali existente, onde eram encontrados restos de cerâmica indígena e moedas antigas, desgastadas pelas intempéries. O lugar fica a poucos metros de onde se encontram dois ancestrais caminhos indígenas: um, o Caapi ou Mondecaá, em certa parte, que ligava a Serra à Mesopotâmia Argentina e os altiplanos andinos; outro, do Botucaraí, favorecendo o contato com a Pampa. O primeiro deles corresponde à velha Estrada das Topas; o segundo à "antiga Estrada de Soledade", como se pode ler em amareladas escrituras de imóveis urbanos de Passo Fundo.  Este último, demandava em direção ao primitivo Passo do Jacuí, perto de onde o arroio Pinheiro Torto deságua no Jacuí, hoje sob a Barragem da Ernestina, no Rincão do Pessegueiro.

Para usar uma linguagem atual, a mudança de Santa Teresa das proximidades da província da Ibia (daí Ibiaçá, Ibiraiaras...) foi por estreitos motivos geopolíticos. Os Jesuítas passaram a temer um assalto dos bandeirantes, que eram aliados aos carijós, senhores do Campo do Meio. Estes, pouco depois, comandados por seus sacerdotes, associados a outras tribos, atacariam Santa Teresa e outras reduções, num episódio que ficou conhecido como Revolta dos Pajés.

Jorge Edeth Cafruni (Ed. Cit., pág. 88), com base em Nicolau del Techo, lembra que Santa Teresa e San Carlos eram separados por um dia de caminhada[2]  uma da outra. Portanto, Santa Teresa ficava a uns sessenta e seis quilômetros de San Carlos. O autor de Passo Fundo das Missões dedica todo um capítulo (páginas 101 a 101) para demonstrar o erro em que incorreram cartógrafos antigos, a começar pelos jesuítas, ao situarem Santa Teresa perto do "Jacuí Mirim, que nasce na coxilha de Dois Irmãos, perto de Pinheiro Marcado", no atual município de Carazinho. E demonstra outra confusão cometida por puro e simples desconhecimento da língua espanhola, entre "montes" (matos, em castelhano) e montes (morros, em português).

Seguindo informações de antigos habitantes, Jorge Edeth Cafruni acreditava que a localização da nova Santa Teresa ficava nas nascentes dos arroios Chifroso e Gregório, no Rincão do Pessegueiro, próximo a Três Lagoas. Perto dali, fotografou, em 11 de abril de 1965, o que considerou restos de um fortim inacabado construído pelos bandeirantes. Estes, sob o comando de André Fernandes, às vésperas do Natal de 1637, tomaram a redução, aprisionando cerca de 4 mil índios. Vieram do centro do Continente de São Pedro, iniciando por aqui a destruição das missões jesuíticas nesta parte do território rio-grandense. "Fortim" (do século XVII, depois de 1600) e "mangueiras de pedra" (do século XVIII, depois de 1700), também fotografadas pelo historiador no Passo do Rio da Várzea (Uruguai Pitã), em Pulador, são coisas completamente diferentes e em locais também completamente diferentes, é bom que se diga.

Ora, o local do Rincão do Pessegueiro onde Cafruni presumiu que se localizasse Santa Teresa do Curiti, fica a 10 quilômetros do Pulador, exatamente entre os dois antigos caminhos indígenas. E perto dali, descendo o Rio Herval, proximidades de um lugar conhecido como Barro Preto, existiu uma antiga aldeia indígena e o respectivo cemitério, cujas urnas funerárias, foram arrancadas no bico de arados, na primeira metade do século passado, para darem lugar a lavouras...

Portanto, é preciso que as coisas sejam colocadas nos seus devidos lugares: nas nascentes do Jacuí Mirim, na Coxilha de Dois Irmãos, em Pinheiro Marcado, situava-se, a redução de San Carlos de Caapi, fundada em 1631; a redução de Santa Teresa del Curiti ou Santa Teresa de los Piñales, foi instituída em 1632, no Povinho Velho, nas nascentes do Jacuí Oriental e do Uruguai Mirim (Passo Fundo) e depois mudada para o Rincão do Pessegueiro, ao que tudo indica no hoje município de Ernestina, e tomada pelos bandeirantes 23 de janeiro de 1637. Tudo isso é admitido por Álvaro Rocha Vargas, às páginas 25 e 29 do seu livro, antes citado. Querer colocar Santa Teresa nas nascentes do Jacuí ocidental (Jacuizinho ou Jacuí Mirim) é subverter as próprias leis da Física, tentando fazer com que dois corpos ocupem o mesmo espaço. E tem mais: o Rincão do Pessegueiro não se situa à margem esquerda do Rio da Várzea...

Há trinta e tantos anos, mal apontando dois fios de bigode sob o nariz, publiquei artigo sobre livro que havia lido apressadamente. Um velho colega de redação, sentindo que eu não tinha estudado a obra, questionou-me sobre ela. Em dois toques forçou-me à confissão da leviandade. Debaixo dos seus cabelos grisalhos, com a energia e a humildade dos verdadeiros mestres, deu-me a lição que só se aprende na "escola das redações": "Nunca escrevas sobre assunto que não domines. Se tiveres alguma dúvida procura esclarecimentos com quem conheça a matéria". Os autores do "INFORME COMERCIAL" em epígrafe repetiram aquele meu erro juvenil: fizeram do limão uma abacaxizada.

Referências

  1. Da Academia Passo-Fundense de Letras e da Academia Literária Gaúcha
  2. Tradicionalmente, um bom pedestrianista percorre cerca de uma légua (6.600 metros) por hora, e os índios eram exímios caminhadores. Admitindo-se um dia de caminhada, como 10 horas consecutivas, podemos estimar em  aproximadamente sessenta e seis quilômetros a distância entre Santa Teresa e San Carlos.