116 Anos de Ativismo Cultural - 1883 2009

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116 Anos de Ativismo Cultural - 1883/2009

Em 06/07/2009, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Há poucos dias recebi do professor e cônego Elídio Alcides Guareschi, com a incumbência de transferir ao acervo do Instituto Histórico de Passo Fundo uma cópia datilografada de “CLUBE LITERÁRIO AMOR À INSTRUÇÃO – Esbôço Histórico –“ , de autoria de Nicolau Araújo Vergueiro.

Nicolau de Araújo Vergueiro foi um dos mais importantes políticos passo-fundenses da primeira metade do século passado. “Herdeiro”, do caudilhismo local personificado na pessoa do coronel Gervásio Lucas Annes, enfrentou a contestação dos “coronéis de macega” e dos rábulas que se beneficiavam do clientelismo, que vicejava em torno da ditadura borgista instituída pelo Partido Republicano Rio-Grandense. Contra o “Dr. Vergueiro” levantava-se a barreira de sua formação superior de médico e farmacêutico, que o afastava do círculo semi-instruído dos “coronéis de macega” e do bacharelismo clássico dos bacharéis formados e da rabulagem não diplomada nas Faculdades de Direito.

Nicolau de Araújo Vergueiro conta que, certa feita ficou sabendo que se encontravam nos porões do prédio da atual Academia Passo-Fundense de Letras dois caixões com livros e papéis antigos. Foi examiná-los e ali encontrou um livro que pertencera a seu pai, volumes contendo atas, registro de sócios, receita e despesa e a tentativa de reorganizar o Clube Literário Amor à Instrução. Em sua maioria acabaram incinerados, como de hábito se fez com documentos antigos.

Com os documentos que preservou reconstituiu escreveu, em 1954, parte da história do Clube Literário Amor à Instrução, fundado no dia 15 de fevereiro de 1883, tendo comopresidente :

Primeira Diretoria

presidente

Gasparino Lucas Annes,

cujos auxiliares diretos foram

Diogo de Oliveira Penteado,

Felício Bianchi e

Pedro Lopes de Oliveira, únicos sócios fundadores.

Do Clube fizeram parte personalidades que desempenhariam importantes papéis na história passo-fundense, entre as quais: sócios

Antônio Manoel de Araújo,

Adão Schell,

Aníbal Di Primio,

Belisário de Lima,

Dr. Cândido Lopes de Oliveira,

Diogo de Oliveira Penteado,

Diogo da Silva Rocha,

Eduardo Augusto da Silva Britto, pode ser (Eduardo Augusto da Souza Britto)

Frederico Graeff,

Fernando Goelzer,

Francisco Prestes,

Coronel Francisco Marques Xavier (Chicuta),

Gervásio Lucas Annes,

Gabriel Pereira da Costa Bastos

Joaquim Gonçalves Gomide,

Jerônimo Lucas Annes,

José Claro de Oliveira,

João Vergueiro,

Jorge Moogen,

José Pinto de Moraes,

Leôncio Amandio Ozama Rico,

Lucas José de Araújo,

Marcelino Ramos da Silva,

Martim Francisco do Amaral Monteiro,

Pedro Lopes de Oliveira (Coronel Lolico),

Pantaleão Ferreira Prestes,

Teófilo Rodrigues da Silva e

Tomaz Canfild.

Ao longo de sua existência o Clube Literário Amor à Instrução foi presidido por: Presidentes

Gasparino Lucas Annes,

Gervásio Lucas Annes,

Pedro Lopes de Oliveira,

Jerônimo Fernandes de Oliveira,

Francisco Prestes,

Tomé Gonçalves Ferreira Mendes,

Gabriel Pereira da Costa Bastos,

Daniel Manoel de Araújo,

Joaquim Gonçalves Gomide,

Dr. Domingos Augusto de Azevedo,

Antônio Manoel de Araújo,

Afonso Caetano de Souza e

Tomaz Canfild.

O Clube mantinha uma rica biblioteca, onde se destacavam autores que se tornaram clássicos, como Fagundes Varela, Melo de Moraes, Alexandre Dumas, Aluízio Azevedo, Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco, Voltaire, Tomás Antonio Gonzaga, Almeida Garret, Chateaubriand, Lord Byron, Júlio Verne e Guerra Jongueiro. Além disso, podiam ser encontrados diversos dicionários, muitos volumes com discursos e até uma edição do Alcorão, em francês. Além dos livros oferecia diversos jornais aos associados.

Outras atividades desenvolvidas pelo Clube Literário Amor à Instrução eram a leitura de trabalhos, em prosa e versos, não apenas dos seus associados. Recebia solenemente autoridades e comemorava datas magnas. Também eram discutidas, nas sessões semanais, teses propostas nas reuniões anteriores. Nicolau de Araújo Vergueiro transmitiu-nos diversos desses temas, alguns dos quais aqui vão transcritos, com os nomes dos respectivos proponentes. Ei-los: “Até onde vai o amor de mãe?”, de Gasparino Lucas Annes; “São benéficos os resultados produzidos pela instrução popular?”, de Antônio Stenzel Filho; “O que é o direito diante da força?”, de Gervasio Lucas Annes; “Existe ou não revelação nos sonhos”, do Dr. Cândido Lopes de Oliveira. Esses assuntos eram motivos para “brilhantes, acalorados debates”, na expressão literal de Nicolau de Araújo Vergueiro. O Autor destaca pela participação nesses debates os associados Dr. Domingos Augusto de Azevedo, Gasparino Lucas Annes, Tomé Gonçalves Ferreira Mendes, Gervásio Lucas Annes, Gabriel Pereira da Costa Bastos, Dr. Cândido Lopes de Oliveira, Antônio Stenzel Filho, Pantaleão Ferreira Prestes, Maurício Nunes de Almeida, Antônio Manoel de Araújo e Olegário Caldeira.

O Clube, que começou a funcionar, à Avenida Brasil Oeste 926, em prédio há décadas demolido, cobrava uma mensalidade de 1$000 rs. e pagava a importância considerada ponderável de 10$000 por mês para o bibliotecário da entidade. Sua segunda sede foi numa casa de propriedade de Jesuíno Bordalo, que ficava no lado direito do atual Museu de Artes Visuais Ruth Schneider. Mais tarde construiu sede própria, em terreno comprado de Pedro Schleder Filho e Lourenço Máximo de Barros.

Em 1891, o Clube União Recreativo engrossou a entidade. A última ata do Amor à Instrução foi lavrada a 3 de setembro de 1892. O Estado vivia clima pré-revolucionário, que culminaria, no ano seguinte, com a Revolução Federalista.

O Clube Literário Amor à Instrução participou da “revolução da degola”, organizando a guarda republicana, constituída de aproximadamente cem voluntários, sob o comando geral do coronel Gervásio Lucas Annes, o comando efetivo do major Eduardo Augusto de Souza Britto e o tenente porta-estandarte Otávio Miranda dos Santos. Os demais integrantes eram simples soldados. O Clube possuía uma banda de música, que foi incorporada à Guarda Republicana. Esta recebeu o apelido de “Treme-Terra” e participou pelo menos da maioria dos combates ocorridos em Passo Fundo, no período revolucionário. A banda do “Treme-Terra” tocou durante horas, na tarde de 8 de fevereiro de 1894, para abafar o clamor de mais de 120 maragatos feridos que eram executados pelas forças republicanas. Destas, um dos comandantes mais importantes era Antônio Augusto Borges de Medeiros.

As atividades culturais do clube cessaram durante a Revolução Federalista. A sede transformada em local de treinamento e aquartelamento das forças governistas, e até como hospital de emergência. “A sua biblioteca virou estilhas... livros desemparceirados, rasgados... em fim, verdadeiramente fragmentada e inutilizada”, retrata Nicolau de Araújo Vergueiro.

Em 1º. De fevereiro de 1899, passada a “revolução da degola” aconteceu uma reunião para reorganizar o Clube. Participaram Gervásio Lucas Annes, Francisco Antonino Xavier e Oliveira, Brasílico Gabriel de Oliveira Lima, Claro Pereira Gomes, Padre Cavalcanti, Benjamim Franklin de Oliveira Xavier, José Maria de Oliveira, Armando Araújo Annes, Francisco Moretti e Jovino de Oliveira Lima. Elegeu-se a seguinte diretoria: Francisco Antonino Xavier e Oliveira, presidente; Claro Pereira Gomes, tesoureiro e Brasílico Gabriel de Oliveira Lima, secretário.

“Apesar do ardor manifestado, a idéia não foi avante... e o Clube não mais teve vida. Faltou-lhes, nessa ocasião, a energia invulgar, a tenacidade e o entusiasmo de Gasparino Lucas Annes, então já falecido e que foi, de maneira incontestável, a grande alma, o mais vigoroso e animoso sócio do Clube”, sentencia Nicolau de Araújo Vergueiro.

Quando analisamos as atividades do Clube Literário Amor à Instrução saltam à vista duas iniciativas importantes: a organização de uma biblioteca, de enormes proporções em relação à população alfabetizada, e a realização de debates sobre temas determinados com antecedência. E se confrontamos essas práticas com as atividades do Grêmio Passo-Fundense de Letras, fundado no dia 7 de abril de 1938, vemos que essas duas práticas têm continuidade na instituição que, a 7 de abril de 1961, se transformaria na atual Academia Passo-Fundense de Letras.

Essa continuidade, embora um lapso de tempo, de quatro décadas entre o Clube e o Grêmio, não é mera coincidência, pois entre os 25 fundadores da segunda entidade encontramos pelo menos três sobreviventes da primeira: Herculano Araújo Annes, Gabriel Pereira da Costa Bastos e Antonino Xavier e Oliveira, estes dois foram presidentes do Clube.

Uma das primeiras iniciativas do Grêmio Passo-Fundense de Letras foi propor a criação da Biblioteca Pública Municipal de Passo Fundo, conjuntamente com o Rotary Club, o que foi materializado através da aquisição de livros, pelo próprio sodalício. O reconhecimento oficial veio através do Decreto nº 6, de 2 de abril de 1940 com o qual o prefeito Arthur Ferreira Filho, fundador e primeiro presidente da novel entidade, criou a Biblioteca.

Ao longo de anos, o Grêmio Passo-Fundense de Letras realizou debates e palestras, sobre temas predeterminados, a exemplo do Amor à Instrução. Algumas delas, como as proferidas por Gabriel Bastos, antigo presidente do Clube, acabaram resultando nos livros A Atlântida (1948) e Aborígenes Pan-Americanos, dado a lume dois anos depois.

Passo Fundo é uma cidade orgulhosa do seu presente cultural. A Academia Passo-Fundense de Letras é uma das mais antigas e atuantes do interior brasileiro. A Universidade de Passo Fundo, gestada no seio do então Grêmio Passo-Fundense de Letras, é pioneira e vanguardeira em vastas áreas do Rio Grande do Sul Santa Catarina e Paraná. O Movimento Tradicionalista Gaúcho, também concebido em reuniões acadêmicas no velho prédio da Academia, deram a Passo Fundo o título de “Cidade Mais Gaúcha do Rio Grande”. As Jornadas Nacionais e a Jornadinha Literária levaram Passo Fundo ao reconhecimento de Capital Nacional e Capital Estadual da Literatura, por força de Lei. Nossos dois diários estão entre os mais antigos do Estado. A imprensa e demais veículos de comunicação locais exercem influência regional. A indústria gráfica passo-fundense é uma referência positiva há quase um século. Tudo isso se insere num processo que recua, no mínimo a 15 de fevereiro de 1883, quando foi fundado o Clube Literário Amor à Instrução. Recua no mínimo àquela data, observemos, se é que o Clube União Recreativo que se lhe fundiu em 1891, não é anterior.

Passo Fundo é uma cidade orgulhosa do seu presente cultural. Deve orgulhar-se ainda mais do seu passado, passado que nos aumenta a responsabilidade. Representamos uma tradição mais do que secular, que nos eleva às alturas das cidades culturalmente mais ativas do Brasil. E tantas delas muitíssimo mais antigas do que nossa comuna. Somos, pois, num trocadilho com a História, uma ponte entre o passado e o futuro, erguida sobre os alicerces do amor à instrução.