Árvores da General Netto e Casa de Banhos

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Árvores da General Netto e Casa de Banhos

Em 22/6/1952, por Celso da Cunha Fiori


Programa: Recordar é Viver

Por Celso Fiori

Rádio Passo Fundo – ZYF-5

Programa levado ao ar em 22/6/1952


Tema: Árvores da General Neto e Casa de Banhos

I

A inteligência fecunda e o coração afetivo deste destacado radialista que é José Lamaison Porto criaram este programa de emoção e sentimentalismo, recebido com carinho pelos passofundenses: Recordar é Viver

E como é doce recordar. E muito mais agradável, muito mais comovente, quando as recordações surgem no nosso espírito através da música, que estes velhos seresteiros de outrora trouxeram comovidos a esta emissora para serem lançados pelo éter a todos os recantos da região serrana.

Escutem esta valsa. Vejamos o que ela vai nos sugerir.

Porto – Reclames

Que é isto meu amigo? Você, caro ouvinte, ficou a esfregar as mãos muito nervoso? E a senhora que está sentada junto ao rádio-receptor começou a pestanejar?

Compreendo. Tem razão. É muito natural esta comoção despertada pelas recordações trazidas por esta música.

Quando éramos moços não havia baião e ainda se dançava valsa no Clube Comercial de Passo Fundo, que era localizado junto aos trilhos da Viação Férrea, na Avenida Brasil, numa casa de madeira muito velha, onde foi a agência de loteria do Sr. Salvador de Felipo, e que há pouco foi demolida pela Fábrica de Pregos. Depois mudou-se para onde está atualmente a Livraria Nacional.

Os bailes eram, naquele tempo, feitos meio de improviso e por qualquer pretexto. O mais difícil era reunir os músicos, chamar o velho Di Primio, o Janesco, o Gradim, etc. Vamos ouvir alguma coisa daquilo que eles tocavam naqueles bailes: a valsa “Julieta”

Porto - Reclames  

Para avisar que o baile ia se realizar era muito fácil. Os pontos de reunião da rapaziada eram poucos. Um deles era o quiosque do Galichio, que ficava bem no centro da Praça Marechal Floriano, onde se tomava cerveja e os fregueses do “aperitivo” tinham conta que era cobrada mensalmente. Contam que um freguês, certa vez, recebeu no fim do mês a conta com a seguinte especificação: “Umas que outras caninhas – 300$000”.

Vordel: enquanto os moços daquele tempo recordam toque a valsa “Terezinha”

II

Passo Fundo tem progredido bastante. Já tem coisas que só em centros grandes se encontra. Tem ônibus, linha de aviões, tem boite, tem dois jornais diários, tem estação de rádio... Mas, em compensação tem coisas que já teve e que não tem mais.

Tivemos uma fábrica de fósforos, “Fábrica Sul Riograndense de Fósforos Ltda”, que ficava situada na Avenida Mauá, junto ao DAER. Tivemos um banco passofundense, o “Banco Popular de Passo Fundo”, fundado pelo benemérito cidadão Gabriel Bastos. Já tivemos um curtume, no fim da rua Lava-pés, e que pertenceu ao Sr. Frederico Graeff, pai do Sr. Frederico Graeff Filho. Tivemos também uma fábrica de louças de barro, a qual pertencia Longhi & Irmãos.

Mas o que não posso deixar de referir é uma casa de banhos que tínhamos há 20 anos atrás. Chamava-se “Banho Ideal”, que pertencia ao Sr. Constantino Lopes e ficava situada na Rua Independência , mais ou menos em frente ao sobrado onde reside a viúva Salton. O Banho Ideal, que tinha também uma piscina nos fundos, cobrava de quem ali quisesse nadar, anunciava banhos mornos e frios, banho russo também tinha (o que seria proibido hoje por causa do combate ao comunismo), banho de chuveiro e ducha para senhoras e cavalheiros.

E a gente tomava banho frio no inverno, não porque fosse mais barato (custava só 500 réis). Era porque depois do banho frio o proprietário da casa de banhos servia uma caninha de Nonoai que formava um colar ao redor do copo...Uhhhhh, Ahhhh!

Meus velhos seresteiros, por favor, “Moleque Vagabundo”

III

Esta semana, mãos vandálicas de gente que nunca leu o poema “O Lenhador”, de Catulo da Paixão, derrubaram as árvores da Avenida General Neto.

E lá se foram aquelas árvores verdes, cheias de sombra, que alegravam a vista dos visitantes que ingressavam na cidade. Árvores boas, misericordiosas, que tapavam a pobreza das filas de casas velhas , de paredes mal caiadas.

Um viajante que ontem desembarcou do trem, ao passar pela descida da Avenida General Neto fez uma observação que feriu a susceptibilidade de um passofundense: “Como é parecido isto aqui com Rio Pardo...”

Pobres das árvores, mocinhas debutantes de 15 anos, foram plantadas durante a primeira administração do Sr. Arthur Ferreira Filho, que alargou as calçadas, derrubando também as antigas árvores ali existentes, grandes cinamomos colocados em fila fora das calçadas.

Dizem que quando o ex-prefeito Arthur Ferreira Filho mandou buscar as mudas em São Paulo e começou a plantá-las, o Sr. Gomercindo dos Reis, oposicionista crônico, protestava contra isto, julgando prejudicial à cidade. Um amigo o acalmou dizendo: - Deixa Gomercindo. Este planta e depois vem outro e corta!

Pela memória dos velhos cinamomos e das jovens árvores tombadas, os nossos velhos músicos vão interpretar a valsa cheia de suavidade e encanto “Pisando corações”, que oferecem ao antigo músico amador Olegário Bexiga, que se encontra enfermo.

IV

Que foi que aconteceu?

Não foi nada. Os prejuízos foram poucos. O acadêmico Rômulo Teixeira, juiz municipal desta comarca, bateu com sua barata em uma das árvores da Praça Tamandaré.

Mas também naquele tempo não havia Código de Trânsito, nem carteira de motorista, nem sinalização. Nem existia aqui o Silvio Coelho para nos refrear aquela mania de alta velocidade, que atingia 30 quilômetros por hora.

Era interessante o problema da mão de direção. Em alguns municípios se desviava pela direita e noutros pela esquerda. Em Porto Alegre a mão de direção era a esquerda, em Passo Fundo a direita e em Erechim a esquerda.

Contam que quando chegou em Passo Fundo o primeiro automóvel, o seu proprietário, mediante o pagamento de 3 mil réis, proporcionava uma voltinha a quem quisesse conhecer o moderníssimo meio de transporte. Num sobrado, à rua Morom, onde hoje é o Hotel Carioca, morava um rico senhor chamado Aníbal Lemos. Este teve a temeridade de ir experimentar o tal veículo, mas no momento que ia entrar no carro teve de recuar porque sua esposa, do alto da janela, bradou-lhe quase em desespero: - Aníbal, vê o que vais fazer; pensa no nosso futuro!

E nós pensemos um pouco mais no passado ouvindo a valsa “Perdoa”.


Antes de encerrar, uma nota social do jornal “O Nacional” de Julho de 1927: Faz anos no dia 16 do corrente o inteligente menino Ney, filho do Sr. Antônio Mena Barreto, comerciante no Boqueirão.