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Discurso na posse de Dr. Celso Fiori
Em 07/04/1961, por Arthur Ferreira Filho
“Entre as recordações que conservo desta cidade, a que mais avulta no patrimônio afetivo de minha memória, é aquela que recebeu a lembrança dos saraus literários que realizávamos na redação do DIÁRIO DA MANHÃ, então localizado onde é, atualmente, a Casa Yankee, que foi lá pelo ano de 1936.
Mais tarde aqui chegou a figura aportada de Sante Uberto Barbieri, hoje Bispo de sua religião em Buenos Aires. Vinha em Missão da Academia Rio-Grandense de Letras.
Fundou-se, então, o Grêmio Passo-Fundense de Letras que, logo passou a funcionar nesta mesma casa.
Lembro-me de seus dias de festa.
Recepcionávamos Agripino Grieco, que nos deu encantadora palestra sobre homens de letras de Portugal, recepcionávamos Margarida Lopes de Almeida, a consagrada declamadora de fama universal, e De Paranho Antunes, Januário Coelho da Costa e Manuel Duarte, os três últimos da Academia Rio-Grandense.
Agora foi o Grêmio transformado em Academia, passando os gremistas a integrar a nova instituição.
Infelizmente já não são todos. Alguns faltam à chamada: Gabriel Bastos, Nicolau Vergueiro, Antonino Xavier, Gomide Heitor Silveira, Arlindo Luiz Osório.
Por eles responde a nossa saudade.
Presentes estão, neste momento histórico da entidade, alguns antigos companheiros da primeira fase: O professor Celso da Cunha Fiori, nosso presidente; o jornalista Túlio Fontoura, nosso vice-presidente; o professor Verdi De Césaro; o professor Mário Braga Júnior, o professor Sabino Santos, o poeta Gomercindo dos Reis; o professor Aurélio Amaral; o professor César Santos, meu colega de Academia Rio-Grandense; o sr. Píndaro Annes; o professor Rômulo Teixeira. E outros que vieram depois, trazendo ao Grêmio o vigor de sua capacidade intelectual, como o desembargador Reissoly José dos Santos, diretor da Faculdade de Direito; o jornalista Arthur Sussembach; o dr. Paulo Giongo; o dr. Mário Lopes; o jornalista Carlos De Danilo Quadros; o escritor Jorge Cafruni; o dr. Mário Hopp, o jornalista Saul Sperry César, o reverendo Bispo José Gomes e o dr. Jurandyr Algarve, a quem devo a gentileza, acima de qualquer agradecimento, de me haver escolhido para patrono da cadeira que dignamente ocupa.
Tais são os integrantes do Grêmio Passo-Fundense de Letras, todos portadores das melhores credenciais que vão constituir o quadro da nova Academia.
Nestes mais de vinte anos de existência o Grêmio tem cumprido plenamente sua missão de estimular o culto das belas letras, de congregar os homens que, possuindo talento literário, possuem, também, espírito associativo capaz de conjugar esforços em prol da cultura.
Acho oportuno referir a uma circunstância interessante: deste Grêmio já saíram três Bispos: um da Igreja Católica, Dom José Gomes, Bispo de Bagé, a quem tive a satisfação de conhecer como secretário-geral da Casa e dois da Igreja Evangélica, os Reverendos drs. Santo Uberto Barbieri e José Pinheiro.
Isso prova muito. Prova o alto nível de moralidade e de espiritualidade que vem imperando nesta instituição.
No momento em que o Grêmio se eleva à situação de Academia, um convite de nossos presidente e vice-presidente foi buscar-me para presidir esta solenidade excepcional que ora marca uma transformação no curso de nossas atividades.
Agradeço a Deus ter me permitido viver esta hora.
Compartilhando do vosso júbilo, exultando convosco, aqui me encontro ao vosso lado quando a instituição de que fui o primeiro presidente, se eleva a uma categoria mais alta.
O Grêmio Passo-Fundense de Letras não se extingue, pelo contrário, transforma-se, vitalizando-se, ganhando em importância e amplitude.
Fizestes muito bem, transformando-o na Academia Passo-Fundense de Letras.
E por que o transformastes?
Seria por vaidade, pensando em maior ressonância para vosso título literário?
Não. Foi por uma simples questão de dinamismo social. A transformação é menos obra vossa que da própria cidade de que o Grêmio sempre foi uma expressão.
Quando foi fundado o Grêmio? Quando Passo Fundo era apenas uma cidade de 15 mil habitantes, com três estabelecimentos de ensino secundário, um de ensino normal e algumas escolas primárias.
E hoje? Passo Fundo conta com 60 mil habitantes, uma Faculdade de Direito, uma Faculdade de Economia, uma Faculdade de Filosofia, e já com autorização para o funcionamento de uma Escola de Agronomia, e as medidas preliminares à fundação de uma Faculdade de Medicina, uma Faculdade de Odontologia e um Instituto de Belas Artes, isto é, a um passo da Universidade.
Ora, não devendo a cultura literária retardar-se em relação à cultura universitária, porque uma é complemento da outra, natural é que o Grêmio evoluísse na mesma proporção.
O que dá importância a uma cidade é sua situação de capital não no sentido de sede de Governo, mas no sentido geral de cabeça de uma região, de centro de um território vasto e povoado.
Passo Fundo é a capital de uma vasta região, extensa como o Estado de Sergipe. Todo o norte rio-grandense e quase todo o oeste catarinense lhe são tributários.
Capital econômica por suas indústrias, pelo seu comércio, pelo seu sistema de transporte; capital da cultura pelos seus estabelecimentos de ensino, por suas escolas superiores, pelo seu corpo jurídico, pelo seio corpo médico, pelos seus escritores.
Capital da cultura por esta Academia.
E eu disse, há pouco, que a cultura literária deve ser inseparável da cultura universitária. Direi mais. Deve ser inseparável de qualquer atividade intelectual.
Em todas as profissões destacam-se aqueles que, ao valor profissional, ajustam a cultura literária.
Entre os peritos brasileiros podemos citar Rui Barbosa, João Luis Alves, Clóvis Beviláqua, Alfredo Pujol, João Neves da Fontoura, Afonso Arinos, membros da Academia Brasileira, entre os médicos que pertenceram à mesma instituição máxima de nossas letras Francisco e Aloísio de Castro, Miguel Couto, Osvaldo Cruz, Afrânio Peixoto. Entre engenheiros foram Euclides da Cunha, Carlos de Laert, Otávio Mangabeira. Militares, o Visconde de Taunay, Lauro Müller, Dantas Barreto, para só citar os que pertenciam à Academia.
E entre nós, quem não ouviu falar no ilustre professor Olinto de Oliveira, primeiro presidente da Academia Rio-Grandense, Mário Totta, Sebastião de Leão, Raul de Bitencourt?
E ninguém dirá que a cultura literária, e a prática da literatura, estorvasse as atividades profissionais, de qualquer deles. Ao invés disso, deu-lhes, realce, deu-lhes brilho.
Porque, - sejamos francos -, a cultura literária constitui o polimento, o verniz que distingue o homem em qualquer meio em que atue.
Um grande médico, um grande jurista, um grande engenheiro, será muito maior se possuir um mínimo de cultura literária para atenuar-lhe as arestas.
Houve um herói da primeira grande guerra, o marechal Hindemburgo, que se orgulhava de nunca ter lido um único livro de literatura.
Não nos convenceu semelhantes razões de orgulho.
Preferimos César que escreveu os comentários; preferimos Napoleão que na Campanha do Egito, assinava suas proclamações, Bonaparte, general em chefe e membro do Instituto; preferimos Jofre e Foch, membros da Academia Francesa; e o nosso Osório, poeta espontâneo, e o nosso Conde de Porto Alegre, membro do Partenon Literário e fundador do Instituto Histórico.
Nem todo mundo pode ser escritor, nem é preciso ser escritor para possuir cultura literária. Esta não se adquire escrevendo, mas lendo.
Há pessoas que nunca escreveram uma crônica, nem um verso, e conhecem mais literatura do que muitos, cujos nomes se ostentam em lombadas de livros.
O essencial, para o homem culto, para o homem civilizado, é que conheça literatura, é que leia, porque a literatura é arte, e a arte embeleza a vida.
É pelo embelezamento da vida que se distingue o homem civilizado daquele que, afundado no puro utilitarismo, revela-se um estagiário entre a civilização e a barbárie.
Visitando, ontem, pela segunda vez, a chácara do nosso ilustre presidente e meu bondoso hospedeiro, tive ocasião de dizer-lhe que encontrava naquela amável paragem um toque de beleza clássica.
Virgílio não desdenharia habitá-la.
Os dois pinheiros magníficos que servem de colunas ao pórtico, com as frondes altaneiras voltadas para os céus, valem bem o formoso carvalho de Torquato Tasso e as formosas faias, a cuja sombra o poeta latino escrevia seus versos imortais. SUB TEGMINE FAGI...
Não seria possível, sem grave culpa vossa, que esta cidade se tornasse uma capital de cultura e conhecimento científicos, e o Grêmio Passo-Fundense de Letras permanecesse apático, estaqueado, indiferente ao surto prodigioso que se processou e processa em torno de si.
Fizestes muito bem em promovê-lo à situação de Academia.
Prestigiai-a e engrandecei-a.
O encanto da vida está na coexistência humanista do útil e do belo. Dentro desse quadro há lugar para todos. Para os que semeiam o trigo e para os que cultivam as rosas. Para os que preparam o cimento, e os que lapidam as esmeraldas.
Colocai bem longe o vosso objetivo e esforçai-vos por alcançá-lo.
Estareis, assim, trilhando o caminho da perfeição.”