Um testemunho sobre universidade, rádio e televisão
Um testemunho sobre universidade, rádio e televisão
Em 31/05/2011, por Pedro Ari Veríssimo da Fonseca. Paulo Domingos da Silva Monteiro e Gilberto Rocca da Cunha
Um testemunho sobre universidade, rádio e televisão em Passo Fundo.[1]
Entrevista Bruno Edmundo Markus
"Havia o grupo do Nestor Buais e do Paulo Giongo, além de outros grupos pleiteando um canal de televisão para Passo Fundo. Numa conversa com meu cunhado Ernesto Geisel, então presidente da República, recomendei esse grupo e acabei trazendo em mãos, de Brasília, a concessão do canal."
Bruno Edmundo Markus é uma das figuras mais instigantes da história de Passo Fundo, no último meio século. Casado com Maria de Lurdes Lângaro Markus, pai de Margarete Arthur Augusto, que lhe deram três netos, acompanhou a criação da Universidade de Passo Fundo, o surgimento da televisão na cidade e da Rádio Uirapuru.
A exemplo de outras entrevistas da Água da Fonte, as palavras de Bruno Markus constituem um documento indispensável para o futuro entendimento de um dos períodos mais ricos da história local.
A entrevista ora publicada foi concedida, pelo Dr. Bruno Markus, aos acadêmicos Pedro Ari Veríssimo da Fonseca, Paulo Monteiro e Gilberto Cunha, gentilmente recebidos em sua residência, no dia 16 de junho de 2009, com o objetivo de ilustrar as páginas centrais da Revista Água da Fonte, edição de 2010. Lamentavelmente, com a morte do Dr. Bruno Markus, ocorrida em 6 de novembro de 2010, está sendo publicada postumamente. Fica o registro histórico.
APL - Onde o Senhor nasceu?
Bruno Markus — Nasci no dia 13 de novembro de 1921, num lugar chamado Picada Geraldo, onde meu pai exercia o comércio. Ali vivi meus primeiros tempos de vida. Posteriormente, nos mudamos para a sede do município de Estrela, pois meu pai foi eleito conselheiro municipal, cargo que hoje corresponde ao de vereador. Mais tarde, pelos idos de 1928, foi eleito intendente (prefeito), tomando posse no dia 5 de outubro daquele ano. Em 1929, passamos a morar definitivamente na cidade. Lá por 1932, meu pai foi eleito prefeito de Estrela, acredito que tenha havido disputa. Depois foi oficial do Registro de Imóveis.
APL - E os seus primeiros estudos...
Bruno Markus - Iniciei meus estudos no Colégio Luterano de Estrela. As aulas eram ministradas pela manhã. Como meu pai, que era um luterano muito disciplinado, não gostava que ficássemos com o tempo ocioso. Á tarde estudávamos no Colégio Elementar 7 de Setembro.
O Senhor é filho ou neto de alemães?
- Meus avós vieram da Alemanha. O alemão era falado em casa. No Colégio Luterano, o ensino era em alemão e no Colégio Estadual, em português. Mais tarde, no internato, optei pelo alemão.
APL - Havia divisão entre luteranos e católicos?
Bruno Markus - Existiam as duas comunidades. Hoje são mingáveis. Naquela época era diferente. Predominava a comunidade evangélica. Eu tive unia namorada católica, mas não deu certo, por questões religiosas. O casamento entre denominações diferentes era difícil.
E os seus estudos posteriores?– Em 1934, eu fiz exame de admissão ao Ginásio. Fui aprovado em Porto Alegre e fui cursar o ginásio no Instituto Porto Alegre (IPA), onde fiquei cinco anos interno. Fui fazer um curso preparatório no Colégio Júlio de Castilhos, para entrar na faculdade, oportunidade em que morei muna pensão. Eu pretendia cursar Direito, mais acabei fazendo vestibular para Odontologia, entusiasmado pelo dentista Alberto Person, de Estrela. No vestibular teórico tinha até prova de desenho.
APL - E o seu período de faculdade...
Bruno Markus - Eu passava o ano inteiro em Porto Alegre. No vestibular teórico e oral tinha até prova de desenho. Felizmente, sempre me mantive afastado da politica. Em 1941, entre meus professores, estava Raul Pilia, que lecionavaFisiologia. Era meio surdo, falava pausadamente. Três anos depois, eu fazia o Tiro de Guerra e fui convocado para o 7° Batalhão de Caçadores, mas como académico, em 1942, me matriculei no CPOR. Depois de um ano e meio, fui declarado oficial, em abril de 1944. Cheguei a morar com meu cunhado Ernesto Geisel, à época major da 2° Sessão, que cuidava da classificação dos oficiais. Fui classificado por ele para Passo Fundo, onde chegando em 12 de maio, e hospedando-me no Hotel Planeta, onde hoje existe uma agência da CaixaEconómicaFederal. Vim servir como oficial de Infantaria. Acabei trabalhando como dentista no quartel, atendendo soldados que ingressavam na Força Expedicionária Brasileira.
APL - E a participação dos passo-fuudenses naFEB?
Bruno Markus - Foram muitos passo-fuudeuses para a II Guerra. Iam para Santa Maria. Lembro de um de nome Alfredo, que depois trabalhoucomo porteiro no Clube Comercial. Na época, era médico o Dr. Bernardino da Costa Santos. E decidi não mais mudar de lugar. Tinha uma vida social muito ativa, especialmente nos Clubes Caixeiral e Comercial. Também havia muito contrabando de pneu para aAigentina e de lá para a Alemanha. Prendemos em Erecliimum dos chefes do contrabando.As orquestras tocavam nas matinês dos clubes até às 11 e meia da noite e depois iam para os cabarés . Havia uma espécie de rivalidade entre a Brigada Militar e o Exército. Procurei o Dr. AunandoVasconcellos, chefe do Posto de Saúde, que me encaminhou para a Secretaria, em Porto Alegre, para trabalhar como dentista. Terminada a Gueixa, deixei o Exército e passei a me dedicar ao consultório, na Coronel Chicuta, próximo dos Correios, e ao Posto de Saúde.
APL - E o início de suas ligações com a Universidade...?
Bruno Markus - Numa das reuniões da Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo (SPU), no Clube Comercial, aventou-se a possibilidade da criação de um Curso de Odontologia. Paulo Peneira Leite (dentista) e Paulo Giongo(farmacêutico) ficaram encarregados de procurar dentistas da cidade e estudar a viabilidade do Curso. Em Passo Fundo, existia a APO - Associação Passo-Fundense de Odontoloaia. Os médicos Afonso Simões Pires. Paulo Fragomeni, César Santos e Hélio Ferreira, organizaram o Colégio Passo-Fundense de Estamatologia. Reunimo-nos algumas vezes, mas a ideia da Faculdade de Odontologia não foi adiante. Algum tempo depois acabou ressuscitando, com a presença de uma representação da Faculdade de Odontologia de Pelotas, onde se formara o dentista AlvaroJunqueira da Rocha. Ocorreu, inclusive, a ideia de que os dentistas aqui formadosfossem titulados em Pelotas. Passamos a nos reunir mais seguidamente, para organizar a documentação e conseguir local. O nosso coipo profissional era pequeno. Tínhamos de trazer o colega Paulo Colasso Saraiva de Sào Francisco de Paula, para dar aula.
APL - E a legalização da Faculdade?
Bruno Markus - Em 1960, encaminhamos o pedido para o reconhecimento da Faculdade, que foi negado porque o corpo docente não atendia as exigências. Para primeiro diretor escolhemos Mário Ascânio Frediani. Com esse parecer, a turma quase esmoreceu, mas não desistiu. Alvaro Junqueira da Rocha chamou o secretário da Universidade Federal de Pelotas para elaborar nova documentação. Em12 de maio de 1961,esse segundo processo para funcionamento foi aprovado, com a Faculdade funcionando no subsolo do Hospital Municipal. Enfrentávamos muitas dificuldades. O professor Reissoly José dos Santos, diretor da Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo, achava que o curso era deficitário, e defendia a manutenção apenas dos cursos que gastassem somente giz e saliva, e que mantinham a Sociedade. Em 1963, houve necessidade de reconhecer o curso. Aqui chegou Paulo Guimarães Júnior, presidente da Associação Brasileira do Ensino Odontológico - constatando que não tinha condições de funcionamento. Os alunos foram transferidos para Santa Maria e Pelotas, onde acabaram se salientando. Outros cursos também tiveram seus alunos transferidos.
APL - Logo depois aconteceram mudanças no governo daUnião que repercutiram em Passo Fundo...
Bruno Markus - Exatamente. Em abril de 1964, os irmãos César José dos Santos e Reissoly José dos Santos foram afastados da direção da SPU e substituídos por MuriloAnnes. Em 1967, os irmãos Santos tentaram retomar a SPU. Diante disso, fui ao delegado de polícia local, e com o prefeito Mário Menegaz a Porto Alegre, de onde veio com Ari Caldeira. Houve intervenção do Exército. Arthur Culmann Canfildorganizou um cerco da quadra em que funcionava a SPU. Houve o afastamento definitivo dos irmãos Santos.
APL - Isso facilitou a união com o Consórcio Universitário Católico?
Bruno Markus - A Fundação Pró-Universidade de Passo Fundo precisava ter um patrimônio para ser reconhecida como Universidade. A união das duas instituições era fundamental para o reconhecimento. Quando essa união foi conseguida, as coisas avançaram. O Hospital São Vicente de Paulo se consolidou como um centro médico. O ministro Tarso Dutra conseguiu os equipamentos para a faculdade de Medicina. Com a intervenção, fui indicado diretor da Odontologia e, através do prefeito Mário Menegaz, conseguimelhorar as condições do curso. Em 1965, o professor Ottondos Santos Silva inspecionou a Faculdade de Odontologia e outros cursos, que culminou com o reconhecimento oficial da Faculdade no ano seguinte, reconhecimento esse que já estava pronto desde 12 de dezembro de 1964, mas não sabíamos que precisávamos encaminhar a publicação no Diário Oficial da União.
APL - E a sua ascensão a Reitor da Universidade de Passo Fundo?
Bruno Markus - Continuei na Odonto até 1972. Em 1974, mesmo estando em Porto Alegre, na fiscalização do exercício da profissão, fui eleito Reitor administrativo, o que me obrigou a retomar para Passo Fundo. Cedido ã UPF, passei a exercer atividade em tempo integral até 1982. Murilo Annesexerceu dois mandatos de três anos e eu dois de quatro anos.
Houve movimentos para federalizar a UPF, sendo que o prefeito Edu Azambuja elaborou documento nesse sentido. Entreguei o processo em Brasília, mas desapareceu.
Assumi a Universidade com obras em andamento. Lembrei-me de que Daniel Monteiro, meu contemporâneo de IPA, era diretor do Banco Sul-Brasileiro. Procurei-o e ele autorizou empréstimo para concluir os primeiros prédios doCampus, que foi inaugurado em 1975.
Na época, a Av. Lima Figueiredo (atual Av. Brasil Leste) estava sendo aberta pelo Batalhão Ferroviário sediado em Lages. Como nem sempre tinham serviço, fui até àquela cidade, e me autorizaram o trabalho do pessoal, desde que pagássemos o combustível para as máquinas. Quando o presidente Ernesto Geisel esteve m Cruz Alta, para uma Festa Nacional do Trigo, veio a Passo Fiuido, acompanhado pelo então governador Sinval Guazelli. E solicitou que o governador mandasse asfaltar aquela avenida, no que foi atendido, graças à presteza do então diretor geral do DAER.Firmino Girardelo.
APL - Como surgiu a Teve Umbu?
Bruno Markus - Havia o grupo do Nestor Buaes e do Paulo Gionao, além de outros grupos pleiteando um canal de televisão para Passo Fundo. Numa conversa com meu cunhado Ernesto Geisel, então presidente da República, recomendei esse grupo e acabei trazendo em mãos, de Brasília, a concessão do canal.
APL - E a Rádio Uirapuru?
Bruno Markus - Lecionei até 1993. No meu mandato, estabeleci o limite de 70 anos para o exercício do magistério na UPF. Como reitor, instalei o Centro de Processamento de Dados. Depois de deixar a Reitoria, exerci diversos cargos. Com a cassação da Rádio Municipal, recebi ofício para que a Universidade assumisse o canal, mas nos desinteressamos por falta de recursos. Luiz Fragomeni e Carlos Alberto Leal me procuraram, na Reitoria, para conseguir um canal de rádio. Luiz movimentou uma turma grande, entre os quais Luthero Dutra Martins e FirminoDuro, e foi solicitada a concessão do canal. Como a coisa demorava, muitos caíram fora. Sobramos eu, Leal e Fragomeni. Leal acabou vendendo sua pane para Tadeu Nedeff, que entrou com a área onde está a antena. Com a morte de Tadeu Nedeff, as ações dele ficaram com os herdeiros. Depois do falecimento de Luiz Fragomeni. JerónimoFragomeni e eu adquirimos a parte dos herdeiros de Tadeu.
APL - Para concluir: Como é que o senhor vê a proliferação de cursos superiores?
Bruno Markus - Não vejo com bons olhos essa proliferação. Ela está provocando guerras econômicas entre as instituições. Há cursos que funcionam alguns meses e param de funcionar. Essa proliferação acaba prejudicando a qualidade do ensino, como vemos na própria Universidade de Passo Fundo, que não conseguiu segurar o coipodocente, devido às grandes diferenças salariais entre doutores e mestres.
Da Revista
Água da Fonte
31/05/2011
Referências
- ↑ Publicação da Revista Água da Fonte 31/05/2011