UM BOCAGE DE BOMBACHAS
UM BOCAGE DE BOMBACHAS
Em 23/12/1998, por Paulo Domingos da Silva Monteiro
UM BOCAGE DE BOMBACHAS[1]
Na tarde quente de 21 de dezembro de 1958 era sepultado no Cemitério da Vera Cruz, em Passo Fundo, o poeta André Pitthan. Tinha ao pescoço o lenço vermelho dos maragatos e libertadores. Deixava inédito, ainda em organização, um livro de poemas intitulado LANDAS, que seria impresso pela Gráfica e Papelaria Andradas, de Porto Alegre, s/d (1963).
Neto do imigrante alemão Cristian Adolf Pitthan, que chegou ao Brasil em 1824 e, após passar por São Leopoldo, fixaria residência em Cruz Alta, André Pitlhan nasceu em Santa Báibara no dia 9 de julho de 1894. Em 1922, abandonou o cargo de escrivão distrital de sua terra, aderindo à Revolução de 23, no posto de capitão, sob o comando do Gal, Menna Barreto. No desenrolar daquele movimento armado ligou-se às forças do Gal. Felipe Portinho, comandando o policiamento de Erexim, tendo exercido as funções de tesoureiro (secretário da fazenda) durante o governo revolucionário naquele município.
Mais tarde seria sub-prefeito de Santa Bárbara e trabalharia árdua, mas honestamente para sustentar a família, constituída em 1928, ao casàr-se com Elvira Salles Pitthan, após um noivado de nove anos. Desse consórcio nasceram duas filhas e três filhos. Dois destes, Romeu e Ruy, são poetas. Aliás dois primos seus, Atolício Theodoro Pitthan (1898-1966) e Nelson Pittan (1913-1937) deixaram livros de versos publicados.
Sem ter cursado escolas regulares, mas leitor ávido, conseguiu formação cultural acima da média de seu tempo. Seus poemas denotam influências de poetas como Castro Alves e Gonçalves Dias. Seguramente, conhecia Bocage, célebre satírico português (1766-1805). Deste herdou o uso característico das palavras ferinas, como veremos nos poemas abaixo. Influência inegável é de ANTÔNIO CHIMANGO, o poema publicado por Ramiro Barcellos em 1915, sob o pseudônimo de Amaro Juvenal. O maior poema gauchesco de língua portuguesa transformar-se-ia em verdadeiro hino de contestação ao borgismo, declamado nos acampamentos libertadores de 23, e, com certeza, bem conhecido de nosso capitão libertador.
Seus poemas, muitos divulgados sob os pseudônimos de Andrewacha e Zé... Ferino, satirizavam seus tradicionais adversários políticos: os borgistas e os trabalhistas.
A seguir transcreve dois exemplos. O primeiro é dedicado a um famoso chefe municipal dos chimangos. Tal era a raiva que tinha do parente maragato que se deu um presente de aniversário: a prisão do poeta. Por isso este sempre lembrava a data. No título está subentendido o apelido do caudilho. E um libelo viperino. Começa pela comparação com outros quatro seres, três deles guampudos: capricórnio (covarde), boi (corno), belzebu (mau) e nanica (pederasta passivo). E a filiação bocageana de que falei acima. Eis o poema:
TU... TU... CHO-ÉGUA:// Ao 10 de abril// No zodíaco, serias capricórnio./ Na fazenda, o mais manso boi carreiro./No inferno, o próprio belzebu./ Mas serias a nanica no terreiro./ Sempre dócil a todos os caprichos./ De mil galos que subam ao poleiro.//Viscoso e rastejante como a lesma./Teu habitat é o cisco do monturo./Vives do imediato e do presente./ Sem vislumbrar um raio do futuro./ A luz te cega como cega o vampiro./ Por isso é que só vives no escuro.// Frio e repelente como o sapo./ Cuja baba malsina e causa nojo./ Com os fracos - és bárbaro e insolente./ Aos potentados vais beijar de rojo./ Ninguém pode, siquer, imaginar./Toda a maldade que te enche o bojo.// Mas o remorso – o caçador de feras./ Na expressão lapidar de um grande vate./ Com uma constância que jamais se abate./ Como um Deus implacável, vingador./ Para pulgar de tua alma essa sujeira./ Há de levar-te a um galho de figueira./ Como outrora levara o traidor.// E já antevejo a hórrida careta./ Que fará a tua cara suja e preta./ Como cuia curtida pelo mate./ Mostrando dos esgares no intervalo./ Essa horrenda dentuça de cavalo./ Virgem de escova e virgem de colgate...
O segundo exemplo é o poema AVENTURAS DE UM "DOM JUAN". O fato é real. O "doutor", que seria um rábula trabalhista, foi alvejado nas nádegas, quando escalava a janela do quarto em que dormia a empregada de um conhecido comerciante de nome Carlan:
Vou narrar uma comédia.// Que quase virou tragédia./ Em que foi parte um D. Juan./ E começo: - “Era uma vez.../ Os atores foram três:/ Ele, a criada e o Carlan.// O nativo Lovellace./ Revelando a sua classe./ De arrojado "conquerant"./ Sentindo o seu peito em brasa./ Como um galo arrasta a asa./ A criada do Carlan.// E tanto chorou por ela.// Que um dia abriu-se a janela.// Por onde iria o "doutor"./ Estreitar, enfim, nos braços./ Entre beijos e abraços./ A dama do seu amor.// Mas foi caipora o galã./ Por que o percebe o Carlan./ No momento da esclada./ E, aperrando uma garrucha./ Desfechou-lhe à queima-bucha. Na parte já mencionada/ (Ou seja, a parte rotunda.../ Onde a carne mais abunda)./ Por boca de outro se minto./ Mas dizem que (oi ao Quinto./ Para fazer curativo./ Prometendo pagar bem.// Se não contasse a ninguém./ E lhe desse um lenitivo./ Ficou dez dias de bruço./ E, entre um gemido e um soluço./ Balbuciava o nome dela.// Maldizendo a desventura./ Da malfadada aventura./ Quando pulava a janela.// depois de um breve intervalo:/ - Me chamaste de cavalo./ (Pois só cavalo é lunanco)./ E vais me parar agora./ Porque a mangaço e à espora./ Te faço acertar o tranco.// Já jurei que não descanso./ Enquanto não verte manso./ De qualquer guro montar./ E hei de te baixar a ripa./ Até puchardes a pipa./ Sem ninguém te cabrestear./ / Eu, que em mais duros de lombo./ Já montei sem levar tombo./ Esporiando na paleta./ Nem por mandinga ou feitiço./ Irei cair de um petiço./ Náfega, troncho e macete.// Te ficaria a preceito./ Um cogotilho bem feito./ E uma franjinha de china./ Porém, não posso fazê-lo./ Por que te falta o cabelo./ Tens mais cola do que crina...// Fiques como Deus te fez!/ Dos cascos e ferraduras./ Falaremos outra vez...
Referências
- ↑ Do Jornal Rotta 23/12/1998.