Serviço Social da Indústria (SESI) e Serviço Social do Comércio (SESC): o assistencialismo secular

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Serviço Social da Indústria (SESI) e Serviço Social do Comércio (SESC): o assistencialismo secular

Em 31/10/2007, por Alessandro Batistella


Alessandro Batistella


Com as primeiras fissuras do Estado Novo começaram as articulações da oposição e as manifestações de diversos segmentos da sociedade em prol da volta do regime democrático.

No transcorrer do primeiro qüinqüênio da década de 1940, suas vozes ecoavam cada vez mais alto na sociedade, sobretudo a partir do segundo semestre de 1944.

Paralelamente às manifestações democráticas, a partir de 1944, começaram a eclodir algumas greves pelo país, que se tornaram mais abundantes e freqüentes a partir do ano seguinte. Essas greves foram favorecidas pelo momento em que vivia o país: além do enfraquecimento do sistema repressivo do Estado Novo, o Brasil, no geral, vivia um período de crescimento inflacionário em virtude da guerra, enquanto os trabalhadores enfrentavam o arrocho salarial e os esforços de guerra.

Em suma, ao mesmo tempo em que a ampla frente democrática contra o Estado Novo chegava ao seu auge, no primeiro semestre de 1945, o movimento operário e sindical começou a se rearticular. Nesse contexto, novos e independentes sindicatos foram criados nos Estados mais industrializados. Além disso, surgiram algumas organizações intersindicais, dentre elas o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), organizado por lideranças comunistas, em abril de 1945, à revelia da legislação, evidenciando o ressurgimento da esquerda.

Apesar de participar diretamente na deposição de Getúlio Vargas, o General Eurico Gaspar Dutra venceu as eleições presidenciais de 2 de dezembro de 1945 e foi empossado no início de 1946. No entanto, ao assumir o governo, Dutra adotou uma política econômica liberal que somente agravaria a situação econômica do país. Soma-se a isso um outro problema a ser enfrentado: a inflação, que vinha crescendo desde o fim do Estado Novo. Sem dúvida, a carestia de vida foi responsável pela eclosão de inúmeras greves ainda nos primeiros dois anos do governo Dutra. Tomando um exemplo de Passo Fundo, houve, nessa época, uma greve geral dos bancários, uma greve geral dos ferroviários e uma efêmera greve dos trabalhadores do Moinho Passo-Fundense, além de movimentos populares contra a carestia de vida.

Segundo Astor Diehl (1990, p. 116), os empresários paulistas viam o crescimento dessa política reivindicatória por parte dos trabalhadores como perigosa. Assim, em junho de 1946, o governo foi pressionado por Roberto Simonsen e Morvan Dias de Figueiredo, líderes industriais de São Paulo, a assinar o decreto de criação do Serviço Social da Indústria (SESI), com objetivo de, em longo prazo, combater o reaparecimento de organizações autônomas entre operários e combater a influência dos comunistas nos sindicatos.

Entre os seus objetivos específicos estava estudar, planejar e orientar, direta e indiretamente, os meios que contribuem para o bem-estar social dos trabalhadores industriais.

Embora a função imediata fosse baixar o custo de vida, concedendo vários benefícios aos trabalhadores, o SESI procurou também abafar o protesto político através da estimulação do sentimento e espírito de justiça social entre as classes (ibid., p. 116). Geralmente, o SESI integrava as federações estaduais de industriais. No Rio Grande do Sul, o SESI, criado em 1946, ligava-se à Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS).

Com praticamente os mesmos objetivos do SESI, mas logrando alcançar os trabalhadores do setor terciário, em setembro de 1946 foi criado, pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Serviço Social do Comércio (SESC). Se por um lado foi criado o SESI e o SESC, por outro, o governo Dutra empreendeu uma nova onda de repressão ao sindicalismo, fechando diversas organizações de trabalhadores e intervindo nos sindicatos contrários à sua orientação. E mais, ao alinhar-se incondicionalmente aos Estados Unidos, promoveu a entrada do Brasil na Guerra Fria em 1947, o que deu início, no plano interno, à perseguição aos comunistas.

De certa forma, o SESI/SESC tinha uma política muito parecida com a empreendida pela Igreja Católica através dos Círculos Operários. Nesse sentido, tratava-se de um assistencialismo secular, visando, principalmente, semear a paz social, isto é, solucionar, de maneira harmônica, as contradições inerentes ao binômio capital-trabalho.

Na verdade, a criação do SESI/SESC deu-se também em razão do insucesso do assistencialismo temporal – via circulismo – no centro do país. Entretanto, devemos lembrar que no Rio Grande do Sul o projeto circulista obteve um enorme êxito.

Particularmente em Passo Fundo, o movimento operário e sindical, no pós-1945, foi marcado pela continuação da hegemonia da corrente católica, através do Círculo Operário Passofundense (COPF), embora naquele período a maioria dos líderes sindicais locais tivesse alguma vinculação ao PTB ou a Getúlio Vargas. Na verdade, havia uma grande afinidade entre circulistas, trabalhistas e getulistas. Quanto aos comunistas locais, estes não tiveram sucesso no âmbito sindical, uma vez que os sindicatos passo-fundenses estavam sob a égide do Círculo Operário Passo-Fundense6.

Além de sua incontestável influência nos sindicatos locais, o COPF, no pós-1945, intensificou a sua política assistencialista, o que garantia o seu sucesso entre os trabalhadores locais. Entre esses benefícios estavam: consultório médico gratuito aos associados e seus familiares, a Escola Doméstica Santa Izabel (destinada às esposas e filhas dos operários circulistas), um curso primário (Curso São José) para os filhos dos circulistas. Nesse sentido, convém lembrar que, em outubro de 1950, foi instalado um gabinete dentário pelo SESI7, que, embora destinado aos trabalhadores do Sindicato nas Indústrias de Alimentação, acabou favorecendo todos os trabalhadores sindicalizados circulistas.

Apesar de ter instalado um gabinete dentário, a delegacia do SESI em Passo Fundo foi criada efetivamente a 17 de janeiro de 1951, sendo nomeado como delegado da entidade João Andrade, então presidente do COPF e representante do Ministério do Trabalho na cidade.

Nessa época, segundo Astor Diehl (1990, p. 117), o SESI, no Rio Grande do Sul, assim como nos demais Estados, já prestava uma significativa gama de serviços e convênios em termos de assistência, sobretudo nas áreas da educação social e da saúde.

Instalado no mesmo prédio do Círculo Operário Passo-Fundense, a delegacia local do SESI, pelas atividades desenvolvidas no campo assistencial, logo se destacou. Em parceria com o COPF, promoveu uma série de assistências aos trabalhadores das indústrias de Passo Fundo, dentre elas:

• em colaboração com os sindicatos reunidos e o Círculo Operário, mantém um gabinete dentário no mesmo Círculo e outro na Vila Rodrigues, no Salão Paroquial da Igreja Santa Terezinha;

• no centro da cidade, em colaboração com o Círculo Operário, mantém dois cursos de corte e costura e um de bordado; um curso idêntico na Vila Rodrigues, em colaboração com a Paróquia Santa Terezinha; em Vila Coxilha possui dois cursos de corte e costura, em Tapejara um e outro em Sertão;

• promove a exibição de filmes educativos e recreativos, com três sessões semanais, nas vilas desta cidade, em locais apropriados, ao ar livre, para os operários e suas famílias;

• promove o financiamento de bicicletas aos operários, financiamento de máquinas de costura às famílias dos operários e o financiamento e assistência técnica a coope rativas de consumo (Cooperativa de Consumo dos Trabalhadores nas Indústrias de Passo Fundo);

• faz o financiamento de duas bolsas de estudo no SENAI (Escola Nilo Peçanha, em Caxias do Sul).

Dessa forma, em virtude dos benefícios proporcionados aos seus associados, a atuação conjunta do COPF e do SESI angariam a simpatia do operariado local. Essa situação dificultou muito os objetivos dos comunistas locais, que obtiveram magros resultados nas suas militâncias junto aos trabalhadores passo-fundenses.

Por sua vez, o SESC em Passo Fundo, durante os anos 1950, teve uma participação menos intensa do que o SESI no que tange à política assistencialista.

Em outubro de 1956, inaugurou um gabinete dentário destinado aos comerciários sindicalizados locais. Posteriormente, a delegacia local do SESC seria efetivamente inaugurada no dia 18 de maio de 1957.

No âmbito nacional, a partir da década de 1960, além das áreas da educação e saúde, o SESI/SESC passou a enfatizar também o esporte, que serviria como elemento de inclusão social. Posteriormente, também seriam enfatizados a cultura e o lazer.

Portanto, a criação do SESI/SESC revela as interfaces de uma mesma moeda. De um lado, integrado ao sistema corporativista consagrado pela CLT, fora criado com o intuito de promover o assistencialismo para combater a influência de algumas correntes político-ideológicas nos sindicatos – sobretudo a comunista –, tentar conter a onda de greves e semear o espírito da “paz social”. Por outro lado, é inegável o seu sucesso. Atuando em vários âmbitos – educação, saúde, lazer, cultura, etc. –, o SESI/SESC supriu algumas carências estatais e proporcionou aos trabalhadores gozarem de muitas benesses.

Ademais, convém lembrar que, sobretudo a partir dos anos 1970/1980, com a crise mais aguda do circulismo, o assistencialismo secular do SESI/SESC viria a ocupar os espaços dos Círculos Operários.