Revolução Federalista ao Alcance de Todos
Revolução Federalista ao Alcance de Todos
Em 2008, por Paulo Domingos da Silva Monteiro
Revolução Federalista ao Alcance de Todos[1]
Os estudos sobre a Revolução Federalista, que logo depois do golpe republicano de 15 de novembro de 1889 ensangüentou o Rio Grande do Sul, têm apresentado grandes novidades nos últimos anos. E o Memorial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, que realiza um trabalho importante no sentido de preservar a memória gaúcha, ao editar ou reeditar obras fundamentais para o entendimento da história sul-rio-grandense, tem contribuído para esse resgate histórico.
Graças à bonomia do jornalista Flávio Antônio Damiani tive a oportunidade de receber, ler e divulgar em artigos jornalísticos, os dois volumes com os diários de Francisco da Silva Tavares e João Nunes da Silva Tavares, o General Joca Tavares, veterano da Revolução Farroupilha e da Guerra Contra o Paraguai, que foi, ao menos nominalmente, o grande comandante militar dos Exércitos Libertadores durante a Revolução Federalista, reunidos em dois tomos sob o título comum de Diários da Revolução de 1893, além de Os Crimes da Ditadura - A História Contada pelo Dragão, de Rafael Cabeda e Rodolpho Costa, e Acontecimentos Políticos do Rio Grande do Sul - Partes I e II, de Gustavo Moritz. Flávio Damiani, que foi meu companheiro de Grupo Literário "Nova Geração", que ele costuma chamar de "A sociedade dos poetas vivos de Passo Fundo" e cúmplice em letras enviadas para festivais de música nativista, naquelas décadas de 1970 e 1980, continua sendo o mesmo e generoso amigo de sempre.
Para nós, passo-fundenses, as publicações do Memorial trazem muitas surpresas, pois a Revolução Federalista aqui começou, com as escaramuças entre os liberais de Antônio Ferreira Prestes Guimarães e os conservadores, transformados em cristãos novos da República. Motivos econômicos e estratégicos transferiram o epicentro revolucionário para a Fronteira. O líder liberal passo-fundense exilou-se, mas grupos armados mantiveram viva a contestação à ditadura positivista, que se firmava, inflada pelos adesistas de sempre. Como tenho afirmado, com documentos, em palestras proferidas e em textos impressos, a violência política era uma prática generalizada em Passo Fundo. E foi nesse terreno fértil que a explosão revolucionária - como voltaria a acontecer em 1923 - teve nossa terra como o ponto de erupção.
1. Diários da Revolução de 1893
A publicação dos Diários da Revolução de 1893, pelo Memorial do Ministério Público, traz novas informações sobre a “revolução da degola” e seus líderes máximos, entre os quais Prestes Guimarães. São dois tomos. O primeiro acolhe o Diário da Revolução Rio-Grandense (1892-1895), elaborado por Francisco da Silva Tavares (1844-1901), o negociador enviado ao Rio de Janeiro para acertar a paz com o governo central. O segundo, Diário da Revolução, 1893 a 1895, é de seu irmão, João Nunes da Silva Tavares (1818-1906), Joca Tavares, comandante militar da invasão, veterano da Revolução Farroupilha e da Guerra contra o Paraguai. Foi o primeiro general federalista. Os outros, como Gomercindo Saraiva, Luiz Alves de Oliveira Salgado e Prestes Guimarães, foram aclamados ou promovidos ao generalato no decorrer do movimento armado.
A Introdução, de Coralio Bragança Cabeda e Gunter Axt (Diários..., I, págs. 15 a 71), mais do que apresentar os dois tomos, resume a história da revolução. Contribui para o entendimento dos Diários e da própria insubordinação.
Advogado formado pela “Faculdade de Direito de São Paulo, dita do Largo São Francisco”, Francisco da Silva Tavares, foi deputado provincial (1883-1888), que acumulou com as de deputado geral (federal), entre 1886 e 1889, representando o Partido Conservador. Aderiu à República a 8 de junho de 1889, seguido por seu irmão Joca Tavares, que renunciou ao título de Barão de Itaqui, a 19 daquele mês.
Como nota Gunter Axt (Diários..., I, p. 47-48) Joca reuniu “correspondências trocadas entre o General, o Conselheiro Gaspar Silveira Martins e o Almirante Saldanha da Gama, principais líderes da Revolução Federalista. Já “O Diário de Francisco é bem mais opinativo e reflexivo”. Desejou melhorar a forma do trabalho, não concluindo o projeto.
Joca Tavares (Diários, II..., p.21), a 13 de março de 1893, oficiou ao coronel Davi Martins, comandante da 1ª Divisão do Exército Revolucionário, para que “cientificasse as forças sob seu comando e aprovando a sua indicação do Coronel Antônio Ferreira Prestes Guimarães para seu substituto no caso se agravassem os seus incômodos de saúde. E ao coronel Prestes Guimarães ordenando que lhe comunicasse logo que lhe fosse passado o comando da Divisão do Coronel David para ser retificado o ato”. Logo adiante (págs. 22-24) aparece o segundo manifesto federalista, com a assinatura dos principais comandantes, entre eles o coronel passo-fundense. A 17 de março recebia correspondência em que Prestes Guimarães comunicava ter assumido o comando da 1ª Divisão. A 11 de abril cumprimentava o coronel serrano, “louvando o seu ato de abnegação e patriotismo por ter passado o comando da 1ª Divisão ao Coronel Salgado e agradecendo em nome do Exército Libertador os serviços por ele prestados durante o tempo de seu comando". Confia que fora dele, continuaria a prestá-los, pois que eram de valor inestimável à causa.
Foi sob o comando de Prestes Guimarães, (Diários..., II, 29-30), a 27 de março de 1893, que a 1ª Divisão venceu o Combate da Jararaca, em que o tenente-coronel Joaquim Tomás de Santos Filho, caiu prisioneiro. Foi a primeira vitória de Prestes sobre o comandante pica-pau, a segunda aconteceria a 8 de junho do ano seguinte, no Combate dos Três Passos, em Passo Fundo, em que a Brigada Santos Filho e toda a Divisão do Norte, sob o comando do general Francisco Rodrigues Lima, foi derrotada pela cavalaria serrana.
Joca Tavares preserva um documento importante. É uma carta de Pedro Nunes da Silva Tavares (Diários, II..., págs. 319-322), expedida de Rivera a 29 de junho de 1895, narrando a morte do almirante Saldanha da Gama, no combate de Campo Osório, a 24 daquele mês e outra vitória de Prestes Guimarães sobre a Divisão do Norte. “Dias antes do combate de 24 a que estou me referindo – conta Pedro –, o Almirante recebeu do Coronel Prestes Guimarães a seguinte comunicação: Molina auxiliado pelas forças de Pinheiro Machado invadiram a capital de Corrientes, sitiando o palácio do governo, este escapou-se, digo, Presidente escapou-se e foi dar no acampamento de Prestes Guimarães, pedindo proteção. Reunindo-se a este e mais patriotas, voltaram a Capital e atacaram os revolucionários, derrotando-os completamente, aprisionando muitos oficiais da força de Pinheiro Machado e General Lima, tomando todo o armamento e munições, e um canhão de tiro rápido”.
A informação enriquece a biografia de Prestes Guimarães ao falar sobre a invasão da Argentina, por forças sob o comando de um senador brasileiro, e a defesa do governo de Corrientes pelos exilados gaúchos, liderados pelo comandante do Exército Libertador Serrano. É reforçada importância, como comandante militar, do “major do Passo Fundo”, como era tratado pejorativamente pelos castilhistas.
Os Diários documentam as dificuldades enfrentadas pelos revolucionários. Faltava de tudo: armas, munições, alimentos roupas. Aclaram as divisões entre os federalistas. Mostram comandantes agindo como puros caudilhos, não prestando contas a ninguém, como se cada um fizesse sua revolução pessoal.
Os Diários apresentam documentos sobre o Combate de Rio Negro (26, 27 e 28 de dezembro de 1893) e a degola dos vencidos, que mereceria a “vingança” de Boi Preto (5.4.1894). Francisco da Silva Tavares (Diários..., I, p. 146) informa que os pica-paus tiveram cerca de 700 prisioneiros e “mais de 200 mortos, e muitos que foram exalar o último suspiro nos matos próximos, muitos feridos e mais de 200 cavalos mortos”. O “exalar o último suspiro nos matos próximos” é expressão eufemística para a degola. Os revolucionários somaram cerca de 30 mortos, inclusive majores e capitães, e uns 40 feridos.
A maior documentação sobre Rio Negro, porém, que apresenta é Joca Tavares (Diários..., II, págs. 73 a 93). O general David Martins, que comandou a ação fala em mais de 900 prisioneiros, aproximadamente 400 mortos, 140 feridos, “na sua maioria gente do governo”, estes seriam “de 90 a 100, mais ou menos”. (Id., págs. 73 a 76). O número de mortos é muito próximo do de prisioneiros degolados, que se atribui a um único degolador, "o negro Adão Latorre".
Em nota, ao iniciar a narração do Combate do Rio Negro, Joca Tavares (Ib., p. 72) faz a defesa de suas forças. As baixas do inimigo – segundo ele – atingiram de 280 a 300 homens. Os vencedores encontraram, em um banhado, 15 companheiros degolados pelo “famigerado assassino Cândido Garcia, das forças governistas”. Defende-se da afirmativa, lembrando a “hecatombe do Boi Preto, onde sem haver guerra, degolaram impunemente duzentos e muitos federalistas em um só dia. No Rio Negro, foram passados pelas armas somente os ladrões e assassinos de maior nomeada, já denunciados em documento público e oficial, pelo General João B. da Silva Telles, e em número de 23”. Estes, cumprindo ordens de Júlio de Castilhos, “matavam a todos os adversários que encontravam, e quando a vítima era de posição social, ou influência política, trucidavam o cadáver, mandando as orelhas de presente ao seu Chefe”.
Pela riqueza de informações que apresentam e a proeminência de seus autores tiveram na direção da “revolução da degola” os Diários da Revolução de 1893, de Joca Tavares e Francisco da Silva Tavares entraram para o rol das obras indispensáveis ao entendimento da História do Rio Grande do Sul. Ninguém, sem ler esses documentos, pode falar sobre o passado gaúcho, em especial a Revolução Federalista e o castilhismo.
2. Os Crimes da Ditadura
Os Crimes da Ditadura - A História Contada Pelo Dragão, de Rafael Cabeda e Rodolpho Costa, teve a primeira edição em 1902, na cidade de Rivera, Uruguai, onde Rafael Cabeda, um dos comandantes da Revolução Federalista na Fronteira Oeste, mantinha O Maragato. Surgiu a partir de respostas a questionário distribuído com o jornal, que seria destruído no ano seguinte. Para calar o periódico oposicionista, o coronel João Francisco Pereira de Souza, mais conhecido como "Hiena do Caty", com a conivência de autoridades uruguaias, invadiria aquele país.
O livro de Rafael Cabeda e Rodolpho Costa, ainda mais do Acontecimentos Políticos do Rio Grande do Sul, de Gustavo Moritz, é uma verdadeira raridade bibliográfica. Do livro não se conhece um exemplar inteiro, tal a perseguição que mereceu dos governantes da época em que foi publicado, e apresenta muitas informações sobre as violências praticadas contra os opositores à ditadura castilhista em Passo Fundo. Agora, graças ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, e a uma equipe liderada pelos incansáveis pesquisadores Gunter Axt e Coralio Bragança Pardo Cabeda e Ricardo Vaz Seelig, estão ao alcance daqueles que se preocupam com a história gaúcha.
Lembro, a seguir, alguns exemplos de violências ocorridas em Passo Fundo, documentadas em Os Crimes da Ditadura - A História Contada pelo Dragão.
A 4 de junho de 1896, após a pacificação do Estado, "o estimado cidadão Palmeira" (José Antônio de Souza), um dos comandantes revolucionários em Passo Fundo, que cuidava de uma roça no local conhecido como Varzinha, foi atacado por um grupo do governo, tendo sido mortos dois companheiros seus. Apresentou-se ao vice-intendente de Alfredo Chaves (atual Veranópolis), pedindo garantias de vida. Poucos dias depois acabou morto e seu "cadáver foi, em seguida, charqueado" (p. 95). Palmeira era odiado pelos pica-paus. A história oral conservou dele a imagem de homem feroz. Conta-se que chegou a matar crianças de colo, filhas de adversários. Aliás, narra-se que uma das formas mais terríveis, empregadas por carrascos de ambos os lados, para humilhar seus adversários era atirar recém nascidos para o alto e apará-los na ponta da lança.
No dia 15 de novembro de 1898, no centro de Passo Fundo (ed. cit., p. 136), o capitão federalista Sylvio Alves de Rezende, e seu primo José Alves de Rezende foram assaltados e mortos, "traiçoeiramente", por cinco "bandidos", bem armados. "Os bandidos não foram presos, apesar de conhecidos; dias depois passeavam pelas ruas da cidade, alardeando ainda seu crime". Os "bandidos" saquearam o cadáver do capitão maragato, levando 600$, relógio e objetos de valor.
Sylvio Alves de Rezende, deu proteção às forças do coronel Verissimo Ignácio da Veiga, e os Combates do Passo do Cruz (dois confrontos contra forças diferentes) travados a 20 de dezembro de 1893, com vitórias dos maragatos foram próximos de sua casa, onde a própria Brigada Militar foi derrotada.
A 20 de novembro de 1899, quando reingressava no solo pátrio, em Santa do Livramento, o general passo-fundense Antônio Ferreira Prestes Guimarães foi atacado e ferido a arma de fogo e arma branca pelos legalistas Juvêncio Torres e Pedro Castanho. Prestes Guimarães resistiu, sendo socorrido por Rafael Cabeda, que se achava perto do local. Outros atentados em Passo Fundo são narrados da página 163 a 165, entre os quais os praticados por corrientinos que, contratados pelos líderes republicanos locais, assolaram o município, em 1892, e as perseguições contra o "capitalista" Antônio José da Silva Loureiro, o Barão.
3. Acontecimentos Políticos do Rio Grande do Sul
Já Acontecimentos Políticos do Rio Grande do Sul - Partes I e II, de Gustavo Moritz, em sua primeira parte, é a reedição de um livro impresso em 1939, que trazia a indicação de "1º volume", agora enriquecida com textos inéditos. Reúne dezenas daquele veterano jornalista divulgados, em sua origem, pelo Correio do Povo.
Gustavo Moritz, catarinense, contemporâneo da Revolução de 1893, é também um escritor identificado com o federalismo. Seus artigos guardam o estilo jornalístico, mesmo o autor valendo-se de ampla bibliografia, jornais e documentos contemporâneos dos fatos. As declarações que transcreve, muitas de raridade extrema, com a difusão proporcionada por esta reedição, contribuirão bastante para que certas "verdades" espalhadas por pesquisadores apressados sejam revistas.
Uma dessas "verdades" é, com certeza, a influência exacerbada que tem sido conferida ao positivismo, nos primeiros anos da República. Ao comprovar o engrossamento das hostes republicanas com os velhos conservadores do Império Gustavo Moritz desmancha castelos de areia ideológica.
Ao longo da obra (439 páginas de texto) os instrumentos probantes da época, sempre ilustrados pelos pertinentes comentários do jornalista, ocupam espaço privilegiado. Esclarecem pontos obscuros sobre os primeiros governos gaúchos do período republicano, mostrando acontecimentos intra-muros. Trata-se de um verdadeiro trabalho de investigação. Jornalista, que desempenhou quase todas as funções na redação do Correio do Povo, seus artigos são o modelo do que pode significar o jornalismo cultural bem feito.
Exemplo desses testemunhos oficiais é a ordem do dia de Gomercindo Saraiva sobre a Batalha do Pulador (págs. 387-389), contando 88 federalistas mortos e 382 legalistas, segundo "parte do coronel Verissimo da Veiga", e lembrando o Combate dos Três Passos (6 de junho de 1894). Trata-se de uma notícia escrita logo depois da batalha, ainda com dados incompletos. Verissimo, em informação posterior, registrada por Angelo Dourado, em Voluntários do Martírio, acresceria o número de mortos para 1.014, encontrados no campo de batalha.
Gustavo Moritz, com Acontecimentos Políticos do Rio Grande do Sul, dá uma demonstração do quanto é valioso o jornalismo cultural, quando praticado por pessoas esclarecidas. A divulgação, em volume, dos artigos escritos entre meados da década de 1930 e 1945, com toda a certeza, merecerá a atenção de historiadores, de jornalistas e de todos aqueles que se preocupam com a história do Rio Grande do Sul, sem a carnavalização patrocinada por certas "escolas de samba de bombachas" como costumava repetir o "payador" Noel Guarani.
Referências
- ↑ Revista Água da Fonte n°5