Redução de Santa Tereza, artigo
Redução de Santa Tereza, artigo
Em 31/05/2011, por Sandra Mara Barichello
Sandra Mara Barichello[1]
Redução de Santa Tereza[2]
Segundo o autor Jorge Cafruni, na obra Passo Fundo das Missões, de 1966, a redução de Santa Tereza foi fundada pelo jesuíta Francisco Ximenes, em 1633, aproximadamente no local hoje conhecido como Rincão do Pessegueiro, no atual município de Passo Fundo. Na época, a região pertencia ao cacique Guaraé, líder local dos Tapes, sendo que o próprio teria ido em busca dos jesuítas, com interesse de desenvolver uma missão na região. Segundo o autor acima citado, mencionando cartas trocadas pelos jesuítas na época, se encontra a seguinte afirmação: “É também no começo da história do município, que se inicia, no ano de 1632, quando o índio Guaraé, cacique local dos Tapes, tendo notícia das doutrinas jesuíticas, pediu a vinda dos padres para a fundação, aqui, de uma Redução que fosse igual às outras.” (p.97).
O mesmo autor continua em outra página: “A disposição desses índios, como se vê, é das mais entusiásticas, com relação aos jesuítas. Os índios domiciliados em Santa Tereza foram, entre todos, os que mais inclinação patentearam para aceitar a civilização cristã”. (p. 100).
Segundo as mesmas fontes, a boa vontade do cacique Guaraé, em buscar os jesuítas, se deu em função de que o mesmo era muito amigo do também cacique Nicolau Nheenguiru, da já existente Missão de São Nicolau do Piratini, fundada em 1626. Posteriormente, na mesma carta do padre Ximenes, se encontra a seguinte afirmação: “... logo começou a chegar gente do Mbocariroí, e matriculei 250 famílias, batizei 50 crianças e alguns enfermos que corriam perigo”. (p. 100)
Naquele período, a região onde hoje se encontra a atual cidade de Passo Fundo era conhecida como “Santa Tereza de los Piñales” (denominação espanhola) ou “Curiti” (pinhais em guarani). Já o atual rio Passo Fundo era conhecido por rio “Curitiba” ou também “Curiti”, sendo posteriormente também chamado de “Uruguai-Mirim”. Os nomes indígenas teriam sido designados pelos índios tapes cujo idioma era o guarani.
Os índios tapes que formaram a redução de Santa Tereza, quando da chegada dos jesuítas, eram de longa data inimigos dos índios guaianás (atuais kaigangs), que dominavam a região nordeste do Estado a partir do Mato Castelhano. Os guaianás eram extremamente hostis aos poucos espanhóis que passavam pela região e, por consequência, simpáticos aos portugueses, ou bandeirantes, que adentravam nesta região naquele período. Preferiam os estrangeiros vindos do leste (portugueses) e hostilizavam os vindos do oeste (espanhóis). Era comum na época, índios tapes serem capturados pelos índios guaianás e, posteriormente, vendidos como escravos aos bandeirantes. Refletindo um pouco sobre o que foi citado anteriormente, talvez esse tenha sido um dos motivos pelo qual o Cacique Guaraé tenha demonstrado interesse pelas reduções.
Por causa destas hostilidades e pelas frequentes incursões de bandeirantes vindos da região de São Paulo o Padre Francisco Ximenes, no início de 1633, teria mudado o local da redução, do “Igairi Apipe”, hoje Povinho da Entrada, para “Curiti”, atual Rincão do Pessegueiro.
Sobre a construção da missão se tem como informação que, inicialmente, se tratava de um acampamento formado por casas construídas de madeira e barro, com telhado feito de capim santa-fé ou folhas de palmeiras. No centro, existia uma praça, na qual foi construída uma igreja onde também se encontravam os aposentos dos padres. Cartas de outros padres jesuítas da época, que conheceram Santa Tereza, citados por Cafruni, trazem informações interessantes sobre o período: “Os índios alimentavam-se, durante grande parte do ano, com os pinhões desses bosques.. Também se produz a erva-mate, muito estimada .. Há rebanhos de cabras e muitos javalis”. (p.169)
“No decurso de 1 ano , reuniram-se 800 famílias, tendo a escola 600 meninos. Foi um agrupamento feliz de grande fartura, dividindo suas provisões alimentares com outros núcleos necessitados, conseguindo os missionários, sem grandes esforços, que fosse abandonado o uso do tembetá, que tanto deformava o lábio inferior”. (p.170)
Destruição da redução de Santa Tereza
A bandeira que destruiu a Redução de Santa Tereza era liderada pelo bandeirante paulista, André Fernandes, que possuía cerca de 250 homens e chegaram vindos de Vacaria. Naquele período, a redução já contava com aproximadamente 4.000 índios. Estavam na redução, o padre Ximenes e o padre João de Salas, e a data era provavelmente 24 de dezembro de 1637. Diversos relatos enviados por carta, citados na obra de Cafruni, assim descrevem o acontecimento: “Entregavam-se os padres e os índios aos preparativos natalinos, quando se verificou o ataque, apanhando os cristãos de surpresa e adquirindo por isso um caráter fulminante. Sem opôr resistência, entregaram-se os habitantes”. (p.299)
“Os 4.000 índios entregaram-se pacificamente. Inutilmente, o padre Ximenes tentou o resgate... mas nada foi possível fazer em beneficio dos escravizados. Há o episódio curioso do dia de Natal, em que, em plena missa, se apresentaram diversos mamelucos (portugueses), com rosários e velas na mão, e, quando o sacerdote começou a (criticar) a ação dos invasores, portaram-se tão beneficamente como se aquilo nada fora com eles”. “... Ouviram eles com calma e no final restituíram 2 ajudantes de missa que haviam capturado” (p.301)
Diante da situação, Ximenes teria realizado uma tentativa de avisar o restante das reduções: “... conseguiu que um índio escapasse da vigilância e levasse urgentemente o recado (bilhete), com o intuito de salvar os demais povos missioneiros”. (p.301)
Sem muito que fazer diante da situ- ação, e em relação aos índios que se encontravam aprisionados, Francisco Ximenes e João de Salas abandonam a redução de Santa Tereza, sob o olhar de André Fernandes, e com o auxílio do Padre Antônio Palermo, dirigente da Redução dos Mártires do Caaró, que havia se deslocado até o local com a intenção de auxiliar no transporte de objetos e pertences. Sobre esse momento existem registros dos bens que permaneceram no local: “Declararam os padres Francisco Ximenes e João de Salas que, ao abandonarem Santa Tereza, aldeia destruída por André Fernandes, ali deixaram quantidade superior a 500 cabeças de gado vacum”. (p.301)
O destino dos índios que permaneceram nas mãos dos bandeirantes pode ser facilmente visualizado diante das descrições encontradas na mesma obra: “Segundo o costume, uma vez aprisionados, eram os índios masculinos engatados pelo pescoço, em gargalheiras, ligadas a compridas correntes de ferro”, “... tomam à força aquela gente que mais lhes contenta, que é sempre o mais lustroso mulherio e alguns mancebos e meninos dos mais vivos e espertos”. (p. 303)
André Fernandes acabou por construir um povoado sob as ruínas da redução, para servir de apoio ao restante da bandeira que caminhava pela região em busca de índios. Um de seus filhos, que era missionário, teria sido o responsável pela manutenção da mesma e pela catequização dos índios aprisionados. O povoado ainda permaneceu no local por aproximadamente 30 ou 40 anos.
Em 1634 foram trazidas as primeiras cabeças de gado para a redução de Santa Tereza, em torno de 200 cabeças, pelo irmão Antonio Bernal. Teriam sido esses animais que, num período posterior à destruição da redução de Santa Tereza, deram origem ao gado solto que atraiu os tropeiros para esta região, incluindo Vacaria.