Quando sucata vira arte
Quando sucata vira arte
Em 04/08/2000, por Maria Helena Santos Scaglia
Quando a sucata vira arte[1]
Maria Helena Santos Scaglia[2]
Especial para o Anexo
Grandes amigos devem ter se reunido no dia 26 de julho, em algum lugar, para comemorar os 51 anos de Paulo de Siqueira. Estavam na roda Schwanke, Mário Avancini, Silvia Heinzelmann, Harry Laus, Hamilton Machado, Eladir Skibinski, Lindolf Bell e companhia, porém é válida a homenagem pelo quarto ano de morte - foi-se em 30 de julho de 1996 - do nosso artista irreverente, temperamental, sensível e criativo... Quem poderia ter feito uma passagem tão rápida neste nosso mundo, para deixar suas obras permanecerem mais tempo do que sua própria existência? Paulo de Siqueira o fez. Não importa o tempo que se vive, o importante é o que você deixa. Paulo deixou e deixou muito.
Talvez esta foi uma das questões que me fizeram instrumento para registrar e documentar o imenso legado desse artista que muito lutou pela valorização da arte nas ruas. Conheci Paulo em 1994 e em 1995 pesquisei uma parte de sua obra para um trabalho de conclusão de curso. A minha fascinação foi aumentando tanto que hoje meu acervo fotográfico é considerável. Estive registrando desde Serafina Corrêa, no Rio Grande do Sul, até Cascavel, no Paraná, e ainda falta muito... Siqueira deixou monumentos em locais públicos - principalmente no Sul do País - de suma importância no aspecto da estética urbana. Ele queria levar a arte ao conhecimento do povo nas ruas, como diz Milton Nascimento em "Bailes da Vida": "Todo artista tem que ir aonde o povo está".
Siqueira não se adaptava aos padrões normais da nossa sociedade e nunca teve a preocupação de explicar sua obra a ninguém; o material o inspirava, respeitava o "lixo do progresso". Podemos dizer que Paulo seguiu o Lavoisier de "nada se perde, tudo se transforma" ao se apropriar de peças de metal, engrenagens e molas jogadas no ferro velho. Siqueira quase dava vida a seres mágicos, deuses do além, índios, guerreiros; enfim, dava essência própria a cada obra. Nas horas de folga pintava, porém o espaço bidimensional era pouco para extrapolar sua imaginação. Autodidata, lia tudo o que lhe caía nas mãos, releu várias vezes o "Dom Quixote" de Cervantes e sua relação com o personagem era lendária: Quixote lutava contra os moinhos de vento, nosso artista lutou contra tudo e contra todos. Existe toda uma simbologia ligada a suas obras desde a deformação anatômica - Paulo era obeso - até as figuras que geralmente estavam apoiadas em apenas uma perna, como se estivessem em posição de salto e com um dos braços elevados para o universo - Paulo queria ir além, sempre mais alto.
Entre os monumentos que conheci, alguns me impressionaram mais; primeiro, pelo descaso dos órgãos competentes quanto à manutenção (caso de "Rita Maria em Festa" no terminal rodoviário em Florianópolis, "O Cavalariano" na Brigada Militar em Passo Fundo e "O Fundidor" em frente à Fundição Tupy, em Joinville); segundo, pelo imenso poder de expressão, movimento e pela excelente conservação (como de "Tributo às Lendas do Rio Grande do Sul", nas Lojas Grazziotin, em Porto Alegre, "La Nave Degli Imigrati" e "O Cristo" em Serafina Corrêa, "Ferreiro Giombelli" em Cascavel e o "Desbravador" em Chapecó).