Quando o cinema emudeceu

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Quando o cinema emudeceu

Em 08/07/2011, por Álisson Cardozo Farias


Quando o cinema emudeceu

Álisson Cardozo Farias[1]


No imponente saguão vazio, confortáveis e belas poltronas empilhadas, um assoalho já gasto e desmontado. Junto às paredes destruídas uma parte importante da história de Passo Fundo prestes a se extinguir em meio aos escombros do que um dia fora “a mais luxuosa casa de espetáculos do interior do estado”. Assim foi.

Aquele mês de março de 2006, quando anunciada a demolição do Cine Teatro Pampa para dar lugar a um novo empreendimento, em nada lembrava o dia 1º de Maio de 1962, quando às 16h30min era realizada a inauguração do Cine-Hotel Consórcio de Passo Fundo S.A., constituído das “belíssimas” e “moderníssimas” instalações do Turis Hotel, Cine Teatro Pampa e Restaurante Turis. Tal evento foi tido como “o acontecimento mais assinalado de todos os tempos”, segundo a imprensa da época. As obras de construção tiveram início em 1954 por iniciativa do Consórcio Riograndense de Investimentos, obedecendo a um plano elaborado para todo o estado, o qual previa a formação de uma cadeia de cinemas e hotéis, o que significaria a exploração de uma nova indústria: o turismo.

Diversas autoridades assistiram à inauguração, dentre as quais estavam os diretores do empreendimento, Dr. Thadeu Annoni Nedeff e Celso Fiori, o bispo diocesano Dom Claudio Colling, que realizou a bênção inaugural, o então prefeito de Passo Fundo Benoni Rosado, representantes do governo do estado, além de banqueiros, professores, comerciantes, produtores, imprensa e populares em geral, os quais tomaram a Praça Marechal Floriano, localizada em frente ao Turis Hotel, e as ruas ao redor. O magno empreendimento ainda motivou, naquela tarde, a chegada de caravanas vindas da capital e de diversas localidades, em um vôo especial disponibilizado pelo consórcio, no qual estavam personalidades ilustres como Paulo Norling, gerente da França Films, Jacob Naulausky, gerente da Columbia Pictures e Paládio Soares de Azambuja, gerente da Art Films.

Dos cerca de dois mil lugares que a sala comportava, muitos espectadores viram passar pelas telas do Pampa de James Dean em seu último filme, Assim caminha a humanidade de 1956, a Teixeirinha, em O gaúcho de Passo Fundo, de 1978. No majestoso palco, passaram Nelson Gonçalves e Ângela Maria, além da realização de diversas palestras e suntuosos eventos. No dia 14 de dezembro de 1968 um grande incêndio quase pôs fim ao prédio, sendo este restaurado e reativado em grande estilo dois anos mais tarde, em dezembro de 1970, com o filme O Planeta dos Macacos.

Em 30 de Julho de 1995 a despedida das películas. Os projetores não seriam mais ligados. Foi exibida a última seção com o filme As Diabólicas, estrelado por Sharon Stone. A partir desta data, apenas alguns shows e formaturas foram realizados no local já visivelmente abandonado. Um dos fatores que estancaram o charme e o glamour dos “cinemas de rua” levando ao seu desprestígio e, por conseguinte sua extinção, foi a incorporação de novas salas de cinema aos shopping centers, que oferecem mais segurança ao mesmo tempo em que mantém o público em uma relação mais próxima com o consumismo.

Nos 44 anos em que esteve em funcionamento, o Cine Teatro Pampa enfrentou diversas dificuldades de caráter administrativo, mas nenhuma foi sentida de forma tão dolorosa quanto o descaso dos próprios passo-fundenses, que sequer esboçaram reação diante da notícia de que mais um projeto exitoso, que um dia fora promessa de herança para a posteridade, não teria mais continuidade. Era o apagar das luzes, as cortinas haviam baixado definitivamente e o cinema por um instante voltava a ser mudo. A glória de outrora agora se esconde nas brumas do passado.

Referências

  1. Acadêmico do Curso de História da UPF - Fonte: Acervo AHR