Quando a arte é um ato vital

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Quando a arte é um ato vital

Em 30/04/2004, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Maria Lucina Busato Bueno, descendente de imigrantes italianos, aos 66 anos, esbanja jovialidade, e se define como uma arte-educadora e pintora, pela participação em dezenas de exposições, no Brasil e no exterior, e pelas diversas premiações, inclusive na Itália.

Num destes domingos de verão, recebeu-nos em sua casa e, coisa rara, abriu-nos seu atelier. Conversamos durante duas horas. Recordou a infância passada em Casca, RS. "Desenho e pinto desde criança e sempre fui uma apaixonada pelas cores. Admirava, especialmente, as folhas e suas tonalidades", contou. Seus olhos se umedeceram ao mostrar a fotografia de um quadro onde aparecem pessoas da família, inclusive o "bis-nono" e a "bis-nona" italianos, cujo rosto recuperou observando as feições das tias, pois não havia imagens dos mesmos.

Foi em Casca, ainda menina, que viu, pela primeira vez, um pintor em ação. Era Emílio Zanon, pintando os painéis da igreja. Passava horas e horas admirando a habilidade do artista. E esse contato com a arte sacra ficou gravado em sua memória.

Dos seis aos oito anos, foi aluna interna em escola das irmãs carlistas, em Guaporé e voltou a Casca para cursar o primário. Também como aluna interna, concluiu o ginásio em Guaporé, transferindo-se para Passo Fundo, onde cursaria e Escola Normal Oswaldo Cruz, hoje curso de magistério da Escola Estadual Nicolau de Araújo Vergueiro, e o Contador (que não concluiria), no Colégio Conceição.

Terminado o Normal foi morar com os pais, agora em Francisco Beltrão, Paraná, deixando o noivo em Passo Fundo. Dois anos depois, casada, voltaria para a Capital do Planalto.

Fazemos um balanço de sua história familiar e concluímos que os imigrantes se dedicaram à agricultura, e a primeira geração de ítalo-brasileiros à indústria e ao comércio, investindo na educação dos filhos que se destacam nas profissões liberais e no magistério. Lembra que os italianos eram respeitados artesãos. "As mulheres italianas, além de fortes e incansáveis, tinham habilidades especiais para o artesanato doméstico. E nunca descuidavam da família", sentencia Maria Lucina.

Professora estadual, hoje aposentada, lecionou nas escolas Fagundes dos Reis, Nicolau de Araújo Vergueiro e CIM João De Césaro. Na EENAV,já formada em Artes Plásticas pela Universidade de Passo Fundo, como professora de Desenho, Geometria Descritiva e História da Arte, seus desenhos e pinturas começaram a despertar atenção. "Em 1976, tive coragem de mostrar meu trabalho, no I Salão de Artes Visuais do Magistério, em Porto Alegre. É uma tela chamada Busca, sobre o êxodo de gaúchos para outros estados", revela a artista. Sai por instante e retoma com o quadro. É um colono com a mochila na mão direita, levando o filho pela outra mão, vistos de costas.

Maria Lucina reconhece quatro fases em seu trabalho: famílias de colo-nos, recriação, figuras do imaginário com pessoas na natureza. Aliás, pessoas em contato com a natureza, especialmente paisagens e animais, são uma freqüente nos seus quadros. Dedica-se, ainda, à pesquisa com tintas da natureza.

"Destaco - assegura-nos - a natureza viva. Cada quadro é um quadro diferente, apresenta elos de ligação com os demais, mas é independente; também não me preocupo com escolas ou correntes. Hoje transito por dois caminhos: a minha arte em si e pesquisas pictóricas com materiais da natureza".

Essas pesquisas, iniciadas em 1982, no atelier da artista, continuam até hoje, agora institucionalizadas na UPF, o que gerou a produção do livro TINTAS-NATURAIS - UMA ALTERNATIVA À PINTURA ARTÍSTICA, já em segunda edição. O objetivo das pesquisas era proporcionar materiais alternativos para as escolas de periferia, zona rural e de difícil acesso, minimizando os custos. A receptividade da obra levou à elaboração, com esses materiais, de trabalhos de pequenas e médias dimensões, expostos em salões de arte.

Maria Lucina salienta o papel desempenhado pela Universidade de Passo Fundo, como centro irradiador de cultura, através do ensino, da pesquisa e extensão. Lembra ainda a importância do Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, que favorece a troca de experiências entre os artistas, oferecendo acesso à arte ao público em geral.

"O trabalho do atelier e em sala de aula é muito significativo, pelo fato de unir a teoria e a prática da sala de aula, com a aplicação prática da teoria no atelier. O arte-educador tem de conhecer todas as implicações do processo artístico, desde os conhecimentos até os fazeres e saberes em arte", explica Maria Lucina.

"Pessoalmente - continua -, sinto que a arte é um ato contínuo de pensar com idéias e reflexões, vivências e fatos que acontecem a nossa volta. É preciso ter idéias, mas é fundamental saber concretizá-las. A arte é uma coisa vital, para mim, tanto quanto comer ou respirar, não me preocupando em agradar ou deixar de agradar. Além disso, precisamos acreditar no que fazemos, persistir e estar atualizados", concluiu.

(PAULO MONTEIRO).