Preservando a memória dos marcos históricos do Pulador

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Preservando a memória dos marcos históricos do Pulador

Em 2006, por Dilse Piccin Corteze e Vera Lúcia Dalbosco


Preservando a memória dos marcos históricos do Pulador[1]


DILSE PICCIN CORTEZE[2] e VERA LÚCIA DALBOSCO[3]


Por ocasião de mais um aniversário da Batalha do Pulador, ocorrida em 27 de junho de 1894, é importante resgatar outros aspectos do referido enfrentamento onde federalistas e republicanos lutaram por longas horas, do que resultou em grande número de mortos e feridos. Os marcos históricos estão no local para preservar a memória desse acontecimento, de um período onde o então Estado do Rio Grande do Sul se organizava politicamente sob o novo governo republicano. São dois marcos, construídos alguns anos após o término da batalha, um de frente para o outro e idealizados por grupo de elites dominantes na época, e representam as duas facções envolvidas no conflito, para que o fato jamais seja esquecido.

Em Pulador, local onde ocorreu uma das grandes batalhas da Revolução Federalista de 1893,encontram-se dois marcos históricos. Conforme observações, ambos estão localizados em pontos estratégicos, voltados para si e representando as duas forças revolucionárias que combateram, por mais de 6 horas, no antigo Campo dos Mellos.

Na referida batalha se chocaram as forças de Gumercindo Saraiva e as de Prestes Guimarães, pela parte do governo, contra os soldados do General Lima, Firmino de Paula e Coronel Santos Filho, representando as forças federalistas. Restaram deste combate mais de 1.000 mortos e outros tantos feridos (cf. Gehm, 1977,p.l33,3 voi.). Segundo historiadores, esta foi uma batalha sem vencidos nem vencedores.

Um dos marcos, voltado para o oeste, contém as seguintes inscrições: "Grande batalha de 27 de junho de1894 - Posição forças revolucionárias– Thomas Canfild - 22-03-98". Junto às inscrições há alguns símbolos: uma cruze esquadro sobre um compasso. No outro monumento, voltado para leste, está escrito: "Grande batalha de 27 de junho de1894 - Posição forças do governo - Thomas Canfild - 24-02-98". Na lápide encontram-se, como no marco anterior, os símbolos: cruz e esquadro sobre o compasso.

Conforme o historiador Ney DAvila, estes marcos foram inaugurados oficialmente em 1900 e em dias diferentes. Um, no dia 23/02 e o outro no dia 24.02.1900. Esta diferença de data de inauguração, segundo o historiador, é compreensível pois "os mútuos ódios e ressentimentos ainda eram muito fortes naquele momento". Abaixo da base de cada monumento teria havido, conforme DÀvila, um depósito selado por uma pedra contendo documentos e jornais da época, além de vários textos tratando do significado do evento (DÀvila, 1998). Resta saber onde este material está, com quem se encontra e se ainda existe.

Hoje, os dois marcos históricos localizam-se a mais ou menos 100 metros do local onde foram originalmente colocados. A troca do local deu-se em 15 de maio de 1988, durante o governo de Fernando Machado Carrrion, com a colaboração da Maçonaria e do Exército. O motivo da troca de local, segundo entrevista concedida pelo Pe. Moisés Mocellin, em 11/06/2004, foi por razões práticas. Estavam localizados no meio de uma lavoura e para preservá-los foram colocados num ponto mais próximo da estrada.

Os monumentos originalmente esculpidos por Thomas Canfild, em pedra de arenito, após a mudança de lugar, foram abrigados cada um em uma capelinha. Junto aos monumentos encontram-se duas placas. Na primeira está escrito: "Obra realizada na administração Eng. Fernando Machado Carrion, com a colaboração das lojas maçônicas Luz do Planalto, Concórdia do Sul, Antonino Xavier e Estrela do Planalto. Pulador, 15 de maio de 1988". A segunda placa, colocada por ocasião dos 100 anos da batalha, contém os seguintes dizeres: "Governo Municipal, a Universidade de Passo Fundo e a comunidade, registram o centenário dos dias tristes da Batalha do Pulador. 1894 - 1994, Governo Municipal: Osvaldo Gomes, Júlio Teixeira, Reitor de UPF, Pe. Elydo Alcides Guareschi. Passo Fundo,27de junho de 1994".

Com relação aos símbolos existentes no marcos históricos, após entrevistas e leituras bibliográficas, pudemos concluir que o esquadro e o compasso, com certeza, representam a maçonaria, apesar de haver algumas divergências historiográficas quanto à ligação destes com os maçons. Canfild, autor do marco, tinha origem maçônica comprovada. Eliane Colussi, em sua obra A maçonaria gaúcha no século XIX, salienta que, a partir de Morivald Calvet Fagundes, a maçonaria teve relacionamento íntimo com o movimento revolucionário de 1893. Para a autora, os marcos localiza- dos no município de Pulador e inaugurados pela Loja Maçônica Concórdia do Sul, seriam um exemplo da ligação deste grupo com os símbolos. Referindo-se aos marcos, Calvet na obra: Os Maçons: vida e obra, diz que a "maçonaria local vem preservando e reverenciando devidamente os dois marcos históricos que ali foram erguidos, em memória dos nossos bravos de 1893/95, não só por essa razão fundamental, mas também porque eles foram ali plantados evidentemente por maçons, já que ambos contêm o símbolo maçônico do esquadro e do compasso" (Fagundes, 1991,p.213).

O termo "posição forças" gravado nos dois marcos históricos, significa que a posição ocupada por cada um seria de ataque ao inimigo, respectivamente - federalistas contra republicanos — frente a frente, representada por dois monumentos.

Muitos monumentos e marcos históricos são construídos no decorrer dos tempos com a finalidade de rememorar acontecimentos na história dos homens. Alguns deles, com significados e influências distintas para cada grupo social ou pessoa. Estão aí para que a humanidade, ao olhá-los, possa refletir sobre os fatos do passado e o que eles representam, tornando-os por exemplos a serem seguidos ou a serem evitados.

Segundo Wolfgang Hardtwig, um historiador alemão, os monumentos condensam um determinado significado da história através da simbolização visual, trazem à recordação uma determinada forma que é produzida e organizada pelo saber social. O discurso do monumento tematiza a pergunta pela suficiência e utilidade do saber social e, com isso, a pergunta pelas oportunidades e carências de uma determinada ordem política e social. Por serem instituídos, na maioria das vezes, pelas elites de uma determinada sociedade, eles acabam exercendo o papel simbólico muito mais de legitimação do que de crítica, no interior de uma determinada sociedade. Desde sempre a memória do monumento está ligada a personalidades e grupos, os quais representam, com o próprio monumento, suas ações ou idéias de valor. Eles se referem ao passado, mas eles dizem tanto sobre o passado como sobre a época em que o monumento é instituído. (1997, p.750-751).

Para pensar os marcos do Distrito de Pulador, temos que ter em mente não só o conflito, mas também o momento em que foram construídos para podermos entender sua significação. E de consenso entre os historiadores que a Guerra Federalista e, aqui em Passo Fundo, o Combate do Pulador, gerou, além da violência e das mortes, grandes conflitos e ressentimentos entre os representantes das duas facções. Conflitos até hoje ainda não sanados e evidentes quando se percebe pessoas visitando um, e não outro o marco (cfe. Entrevista feita ao Pe. Moisés Mocellin). Salmara Colussi, em artigo publicado por ocasião da data dos 100 anos da Revolução, cita o médico Jorge Armando Salton, autor do livro Milan Miragem. Este afirma que o momento serve para "refletir sobre as disputas humanas que devem ser sempre lembradas, para repensar o assunto e tentar criar como modelo de herói, não aquele que matou cem pessoas, mas sim, aqueles que superaram a crise(...). A geração pós- conflito é que foi a mais heróica" (O Nacional,27/06/94). Antonino Xavier, historiador, autor de várias obras sobre Passo Fundo e referência a outros historiadores, salienta que, terminada a Revolução Federalista, Passo Fundo parecia um deserto. Para o historiador, após os combates a cidade ficou deserta e, nos lugares daquelas confortáveis fazendas, viam-se apenas destroços de uma devastação enorme.

Os dois "obeliscos" do Pulador, idealizados, segundo Calvet, pelos maçons, "revelam o impacto que a revolução exerceu sobre a maçonaria gaúcha, uma verdadeira guerra civil entre irmãos" (Colussi,2003, p.246). Ao mesmo tempo que carregam consigo o objetivo de louvor aos heróis que lutaram por uma causa, encerram em si a idéia de minimizar os conflitos e apaziguar os ânimos entre as duas forças que, embora de facção política diferente, comungavam de ideais maçons comuns.

Delma Rosedo Gehm, ao se referir ao cinqüentenário do movimento de 1893, transcreve o convite para os festejos. O mesmo chama a atenção para os ideais de heroísmo dos chefes das facções, quando descreve que se faz para homenagear, "a memória destes heróis, que souberam honrar e dignificar a virtude de um povo" (Gehm, 1977, p.134). Aqui está presente o ideal de heroísmo daquele que lutou em defesa do seu país ou estado.

É preciso se perguntar, no entanto, quem foram os heróis, nesse terrível e combate. Quem são os sujeitos que no geral são lembrados? Seriam apenas os chefes que defenderam determinadas facções políticas? Onde ficam aqueles anônimos que tiveram papel importante durante e depois da revolução?

Ao se referir aos federalistas, o médico Ângelo Dourado, nas suas narrativas sobre a guerra, afirma que os mesmos dispunham de poucos recursos e as mulheres tiveram papel importante. Eram elas que davam os socorros, fazendo ataduras e tratando os soldados necessitados. Assim descreve o médico: "(.-) nada tínhamos para curá-los, recorri às mulheres e elas deram-me não só fazendas brancas que tinham, como alguma roupa branca, (sic) e eu encarreguei-as de fazerem ataduras" (Dourado, 1992, p. 250).

Além disso, as mulheres tiveram outros papéis ativos durante e no pós-guerra. Foram assumindo as incumbências antes desempenhadas exclusivamente por homens. Tiveram que assumir a proteção dos filhos, a produção e a administração geral da propriedade, enquanto seus maridos e filhos estavam na guerra. No pós-guerra, viúvas foram obrigadas e recolher e enterrar seus familiares e prosseguir as lidas do dia-a-dia, sozinhas, com filhos menores para criar. Segundo Sallon. terminada a guerra, "as mulheres da cidade, vítimas dos combatentes, reuniam-se para cumprir um ritual macabro": enterrar seus mortos quase em estado de putrefação. "Muitas delas passaram a viver em grupos para poder criar e sustentar seus filhos" (O Nacional, 27/06/94).

Para a frente da batalha marchavam peões, ex-escravos e imigrantes aliciados à força pelas duas facções, tanto federalista como republicana, conduzidos para a batalha sob pena de terem suas propriedades destruídas e incendiadas e seus familiares mortos. Era morrer ou morrer. Em relato. Padre Mocellin afirma ter ouvido pessoas ligadas à batalha do Pulador dizerem que foram trazidos, por Gumercindo Saraiva, para lutarem no referido confronto, imigrantes de origem polonesa, recém chegados ao Brasil. Esses imigrantes eram colonos em Santa Catarina, na localidade de Mafrae não sabiam falar a língua portuguesa.

A grande maioria dos soldados envolvidos na batalha eram caboclos sem nenhuma instrução ou ideologia. Lutavam fielmente ao lado do chefe sem conhecer os ideais por que lutavam. Diante deste quadro, a Revolução Federalista de 1893 pode ser caracterizada como um movimento de elite para elite. A elite federalista lutava com a elite governista por mais poder político. O exército de Júlio de Castilhos contra as tropas de Gaspar Silveira Martins lutavam por ideais políticos e interesses econômicos dos grandes latifundiários, dos quais a maioria dos soldados não tinha conhecimento.

A história não pode esquecer os muitos que sofreram nos embates da guerra. Os feridos transportados para outros locais de combate, "amontoados nas carretas, sem coberturas, sem poderem se mover. Gemidos e lamentos, e um frio intenso que cobria o campo de geada, os caminhos maus, a noite (sic) escura, as carretas dando saltos e em cada salto os gritos dolorosos dos infelizes companheiros" (Dourado, 1992,p.254).

Ao final da Batalha do Pulador  restaram, segundo Mocellin, muitos mortos para serem sepultados. Esta tarefa coube a "um caboclo, morador próximo ao rio da Várzea, pois os soldados não tinham tempo para perder" com a tarefa (cfe. Entrevista feita ao Pe. Moisés Mocellin).

Segundo o técnico agrícola Carlos Leandro Lacourt, proprietário da Fazenda Tropeiro Camponêse idealiza- dor de um projeto turístico no Pulador, em entrevista concedida em 13/06/2004, o local antes esquecido, hoje congrega pessoas vindas de todo o Brasil. Os visitantes querem ver onde seus antepassados perderam a vida, e pedem graças a esses heróis; são rezadas missas, velas são acesas e são feitos pedidos às almas de tantos que morreram em batalha.


Bibliografia

           COLUSSI, Eliane Lúcia. A Maçonaria gaúcha no século XIX. 3* ed. Passo Fundo: UPF, 2003.

            COLUSSI, Salmara. Cem Anos do combate sangrento. O Nacional. Passo Fundo, junho de 2004.

            DÁVILA, Ney Eduardo Possap. Os Marcos da Batalha do Pulador. O Nacional, Passo Fundo, Fev. 1998.

            DOURADO, Ângelo. Voluntários do Martírio: narrativa da revolução de 1893. Ed. Fac. Similada de 1896. Porto Alegre, Martins Livreiro, 1992.

            FAGUNDES, Morival de Calvet. Os Maçons: vida e obra. Rio de Janeiro: Aurora,1998.

            CEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo na revolução de 1893. Passo Fundo: João B.M. Freitas,1977._. Passo Fundo Através do tempo (3° voi.). Diário da Manhã, Passo Fundo: 1982.

            GUIMARÃES, Antonio Ferreira Prestes. A Revolução Federalista em cima da Serra. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987.

            HARDTWIG, Wolfgang. Denkmal. In: Bergmann, et. Alli. Handbuch Ceschichitsdidaktik.Hannover: Kallmeyersche, 1997.

            MACEDO, Vera Lúcia Silveira. A violência na Revolução Federalista de 1893 e a Batalha do Pulador. 1994.Monografia (Especialização em História) - Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo,1994.

            OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier. Annaes do Município de Passo Fundo (Corel. Marília Mattos). Passo Fundo: Gráfica Ed. UPF, 1990.


Entrevistas

Pe. Moisés Mocellin, 11/06/2004. Técnico Agrícola Carlos Leandro Lacourt, 13/06/2004.

Referências

  1. Publicado na Revista: Água da Fonte n° 4
  2. Dilse Piccin Corteze é mestra em história regional pela UPF. Professora da rede particular de ensino. Autora do livro Ulisses va in América: história, historiografia e mitos da imigração italiana no RS. - (1875 - 1914).
  3. Vera Lúcia Dalbosco é especialista em história regional pela UPF. Professora de rede municipal de ensino. Co-autora do livro Visões da historiografia do Planalto Rio-grandense (1981-1995).)