Preferiu ser muitos em Passo Fundo

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Preferiu ser muitos em Passo Fundo

Em 30/06/2007, por Gilberto Rocca da Cunha e Paulo Domingos da Silva Monteiro


Paulo Giongo, aquele que, em vez de ser "um numa grande cidade", preferiu ser "muitos em Passo Fundo"[1]


"Em 1998, ao completar 70 anos, fui jubilado pela Universidade de Passo Fundo. Jubilado é um título muito bonito para dizer que deram um pontapé no traseiro do professor."

Paulo Giongo é uma das personalidades mais conhecidas de Passo Fundo. Reconhecido por seu bom humor e piadas que o fizeram famoso. Pertenceu aos quadros do Grêmio Passo-Fundense de Letras e participou da transformação daquela associação em Academia Passo-Fundense de Letras, em abril de 1961. Farmacêutico, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e advogado, pela Universidade de Passo Fundo. Participou do movimento pela fundação dessa Universidade, na década de 1950, e acabou sendo professor de Direito, durante 31 anos, de 1967 a 1998. Foi fundador, diretor, autor de peças e diretor do Grupo de Teatro Amador Delorges Caminha (1944 I 966), fundador da Cultura Artística (1953) e seu presidente; presidente da ACISA (1983/1985) e é presidente do Conselho Deliberativo daquela associação, há vários anos; presidente da Subsecção da OAB, entre 1975 e 1983, recebendo a Comenda Osvaldo Vergara, a mais alta condecoração dos advogados gaúchos; fundador e apresentador de programas da Rádio e TV UMBU (1983/2001); apresentador de programas de rádio e colunista de diversos jornais; ator do filme "Gaúcho de Passo Fundo", de Teixeirinha (1978) e professor de Química e Programas de Saúde, na rede estadual de ensino. Começou a trabalhar ainda criança, na farmácia de seu pai. Quinto Giongo. Fez de tudo. "Só não me prostituí", resume. Desta entrevista participaram, além da Comissão Editorial da Revista Agua da Fonte, diversos membros da Academia Passo-Fundense de Letras.

APL- O senhor, que sempre se identificou com Passo Fundo, é passo-fundense nato?

Paulo Giongo - Uma coisa da qual eu só fui me recordar oito anos atrás é que não nasci cm Passo Fundo. Nasci em Estrela, no dia 16 de janeiro de 1928. Lembrei-me disso quando, na Câmara de Vereadores, propuseram que eu recebesse o título de Cidadão Passo-Fundense, título que me foi entregue a 6 de março de 1998. Meu nascimento deve ter sido um nascimento de percurso. Meus pais devem ter ido passar algum tempo em Estrela, e eu nasci por lá. Vim para Passo Fundo aos três anos e aqui me fixei.

APL - Como era a Passo Fundo de sua juventude?

Paulo Giongo - Era como todas as cidades em projeção. Tivemos até um vereador que prometeu "apedrejar" a cidade, pois as ruas não eram calçadas...

APL - O que mais lhe vem à memória da Passo Fundo de sua juventude?

Paulo Giongo - Os postes de iluminação pública, em meio aos canteiros da Avenida Brasil, eram metálicos. E tinha um sujeito que passava à noite inteira batendo nos postes, de hora em hora, como se fosse um ponteiro de relógio. O som daquelas pancadas está bem vivo em minha memória.

 APL - O senhor é um homem de múltiplos instrumentos. Como foram seus estudos?

Paulo Giongo - Fiz os cursos primário e ginasial no Colégio Conceição, de Passo Fundo. Cursei o científico em Porto Alegre, no Julinho, o Colégio Júlio de Castilhos, ainda no antigo prédio da Sarmento Leite. Fiz vestibular para Farmácia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Capital, e na Universidade Católica de Pelotas. Passei nesta última cidade, onde cursei um ano de Farmácia e Odontologia. E passei incólume... pois andava pelas ruas com as costas voltadas para as paredes, por via das dúvidas... A partir do segundo ano continuei o curso na UFRGS. Em Pelotas, fui um dos fundadores da Casa do Estudante Universitário. Eu era bastante militante... e nada católico. Formei-me farmacêutico em 17 de dezembro de 1949, e retornei a Passo Fundo.

APL - O fato de seu pai ser proprietário de farmácia até que ponto influenciou sua opção universitária?

Paulo Giongo - Meu pai era farmacêutico prático, pois, naquela época, para o exercício de muitas profissões não era exigido curso superior. A maioria dos remédios eram manipulados nas próprias farmácias. A Farmácia Indiana, que era de meu pai - e continuou comigo - existiu desde 1921. Aos seis anos eu já trabalhava limpando os vidros em que eram colocados os remédios, muitos deles homeopáticos, e ganhava uns troquinhos por isso. Não cursei Farmácia por uma imposição de meu pai, mas por sua influência. O que eu queria mesmo era cursar Direito, ser advogado. E embora meu pai tenha falecido em 26 de março de 1972, a Farmácia Indiana, até o seu fechamento em 2006, era ainda conhecida por muita gente como "farmácia do Quinto Giongo". Tinha gente que atravessava a cidade para procurar remédios tradicionais, como o Bálsamo Alemão. Quando me encontram vêm me cumprimentar, pensando que sou o meu pai. E é "Seu Quinto Giongo" pra cá; "Seu Quinto Giongo pra lá"... Eu ate acho muito interessante, e divertido.

APL - E como é que o Curso de Direito entrou na sua vida?

Paulo Giongo? - Nunca fui de ficar parado. Sempre estive metido cm tudo. Quando aconteceu o movimento para que Passo Fundo tivesse o ensino superior, eu estava junto. Fui um dos fundadores da Faculdade de Direito e, depois, um dos examinadores da Faculdade de Agronomia, porque tinha autorização para lecionar Química. Havia um movimento muito forte contra a criação da Universidade de Passo Fundo, mais contra a figura de Reyssoli José dos Santos. Ele era um trabalhista convicto e um homem muito enérgico. Então o grupo que se opunha ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) fazia de tudo para que a Universidade não saísse. Passo Fundo sempre foi uma cidade dividida. Muita coisa deixou de ser feita em Passo Fundo por esse tipo de divisão.

APL - Reyssoli José dos Santos, que foi um dos integrantes do Grêmio Passo-Fundense de Letras e da Academia, era um homem enérgico mesmo?

Paulo Giongo - Era mesmo. Certa feita, durante uma audiência na Vara de Família, Abelino Alves dos Santos, pessoa conhecida na cidade, proprietário do Cine Imperial, que editava um jornalzinho chamado Cine-Suplemento, distribuído aos freqüentadores do Cinema, sacou do revólver para matar a mulher dele. Antes que conseguisse consumar o homicídio, foi abatido à bala pelo Juiz de Direito, Dr. Reissoly José dos Santos, que acabou sendo absolvido em todas as instâncias por legítima defesa de terceiro.

APL - É verdade que o primeiro prédio da Universidade de Passo Fundo foi construído por presos em troca da redução das penas?

Paulo Giongo - E verdade. Gostem ou não gostem de Reissoly José dos Santos, por suas convicções políticas, ele foi muito importante para que tivéssemos o ensino superior. Como Juiz Diretor do Foro de Passo Fundo, foi pioneiro na prática de redução de pena em troca de serviços comunitários. Ele determinou que presos fossem retirados e empregados na fabricação de tijolos, onde hoje é a Cerâmica São João, e na ampliação do prédio da Avenida Brasil. Para cada três dias trabalhados, os presos recebiam um dia de redução da pena. Isso estimulou o trabalho, tanto em termos de perfeição quando de rapidez.

APL - O professor Carlos Galves, em Os Vinte anos da Faculdade de Direito de Passo Fundo, discurso pronunciado a 23 de abril de 1976 e publicado naquele mesmo ano pela Editora Berthier, afirma que "A idéia de uma Faculdade de Direito foi, entre nós, antecedida pela idéia de uma Universidade em Passo Fundo" e que essas idéias foram preconizadas pelo professor Antônio Donin...

Paulo Giongo - O professor Antônio Donin veio de Rio Grande, onde participara dos movimentos que levaram à criação das universidades daquela cidade e de Pelotas. Trouxe a experiência dessas mobilizações para Passo Fundo. Começou a promover reuniões com o objetivo de criar uma Universidade em Passo Fundo. Participei de todos esses encontros, ora na redação de O Nacional, ora na redação do Diário da Manhã, na Rádio Passo Fundo e cm clubes sociais. Com isso, toda a comunidade se uniu e, assim, foi possível o desenvolvimento do ensino universitário.

APL - Os arquivos do Grêmio Passo-Fundense de Letras guardam um telegrama passado ao presidente Getúlio Vargas, para a criação da Universidade de Passo Fundo, e a resposta de que o processo competente fora aberto... Qual a participação do Grêmio nesse movimento?

Paulo Giongo - A participação foi intensa. Quase todos aqueles que abraçaram a idéia do professor Donin faziam parte do sodalício. Os integrantes do Grêmio Passo-Fundense de Letras entenderam que o arrazoado da minuta do telegrama- elaborada pelo professor Sabino Santos, merecia alterações e incumbiram Antonino Xavier e Oliveira de fazê-las. Feitas c aprovadas, o telegrama foi enviado a Getúlio Vargas. Quando, mais tarde, decidimos abrir processo para criar a Universidade de Passo Fundo, encontramos o processo aberto pelo Grêmio, hoje Academia Passo-Fundense de Letras, já em tramitação no Ministério de Educação e Cultura.

APL - Bom... mas... e o Curso de Direito, Dr. Paulo?

Paulo Giongo - Como já disse, fui um dos fundadores da Faculdade de Direito de Passo Fundo. Alguns anos depois, prestei exames vestibulares. Passei e recebi meu certificado no dia 17 de dezembro de 1966. Antes de me formar, fui convidado pelo professor Celso da Cunha Fiori para ser professor assistente de Direito Comercial e, depois, de Prática Forense. Em 1998, ao completar 70 anos, fui jubilado pela Universidade de Passo Fundo. Jubilado é um título muito bonito para dizer que deram um pontapé no traseiro do professor.

APL - O senhor, que foi um dos pioneiros do ensino superior, na Região, como vê a proliferação de faculdades?

Paulo Giongo - Temos cinco faculdades - talvez até já sejam mais – em Passo Fundo. O que vejo é que a qualidade do ensino está caindo com a proliferação de faculdades. Faz me lembrar a história do advogado que foi repreendido por um Juiz de Direito por ter escrito "Esselentíssimo" em vez de Excelentíssimo, do que ele se defendeu dizendo que desejava dizer mesmo "Esse lentíssimo Juiz...", pois o processo estava com o magistrado há muito tempo...

APL - Muitos educadores dizem que a queda da qualidade do ensino é geral...

Paulo Giongo - O Direito é o princípio do contraditório. Sempre ouvi meus alunos. Expunha um tema e deixava que eles o discutissem. Se o aluno justificasse com uma posição contrária a minha eu lhe dava "10". Era eu contra oitenta alunos. Cetra feita, a aluna Elaine Aparecida Winkler, hoje Juíza do Trabalho, quis saber por que lhe dei "6" (nota). Outro aluno se virou para ela e disse: "Respeite a idade do homem velho. Ele não deu mais porque não pode". Quando a aula acabou fechei a porta e lhe dei uma mijada: "O senhor vai ser um grande advogado, mas considere-se advertido". Tenho 32 anos de UPF. O Mário Mateiro, um angolano que foi diretor da Faculdade de Direito, me disse que temos 143 professores. Quando saí éramos 40. Há não sei quantos por cento de mestres, doutores, Ph. Ds., e et céteras. Quando lhe perguntei se todos eles sabiam transmitir seus conhecimentos, o Mário Mateiro me disse: "O senhor já quer saber demais...".

APL - Como entrou o teatro em sua vida?

Paulo Giongo - Passo Fundo não tinha grupo de teatro, mas recebia grandes companhias teatrais do Rio e São Paulo, que aqui chegavam de trem, para se apresentarem no Cine Teatro Coliseu, depois Cine Imperial, que ficava ao lado da Catedral. Vinham atores e atrizes famosos da época, como Procópio Ferreira e Maria Delia Costa. A gare da estação ferroviária ficava cheia de gente esperando os atores, que chegavam de tem, vindo de Porto Alegre. Muitas vezes era uma decepção, pois o trem dava uma paradinha antes e os atores iam direto para a zona do meretrício, que ficava na XV de Novembro. E o local preferido deles não era o hoje famoso Cassino da Maroca, mas a Casa da Tia Carula, que começou a ficar famosa na Rua XV. Bom, com a crise, depois da II Guerra Mundial, esses grupos pararam de vir para cá. Então, decidimos criar nossa própria companhia teatral. E no dia 18 de agosto de 1944 fundamos o grupo "Escola de Teatro Amador Delorges Caminha". Era homenagem a um passo-fundense, filho de Geolar Caminha, que se tornou famoso como galã de teatro e cinema, no centro do país. Os grupos que aqui chegavam promoviam recitais durante a semana e nós começamos a fazer o mesmo. Nosso grupo chegou a ser o melhor do Estado em sua época. A primeira peça que apresentamos foi "Sinhá Moça Chorou", de Ernâni Fornari. Delorges Caminha veio nos prestigiar, acompanhado de sua companheira, uma atriz francesa belíssima, chamada Henriete Morinau. Ele começou a nos mandar peças que eram registradas junto à SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais -, que escolhíamos, ensaiávamos, e passamos a fazer recitais, de quarta-feira a sábado.

APL - O senhor também era ator?

Paulo Giongo - De início, eu era só diretor. Depois passei a traduzir e adaptar peças. Certa feita, fomos fazer uma apresentação em Carazinho. Um dos atores era Gildo Flores, que chegou a diretor da Rádio Passo Fundo, e sofreu um acidente, não podendo encenar. Como diretor da peça eu era o único que conhecia o texto. Na impossibilidade de adiar o espetáculo, fui obrigado a entrar em cena. E, de repente, me vi ator. A peça se chamava "Massacre", de Juan Manuel Robles.

APL - O Delorges Caminha foi um marco estadual, em sua época?

Paulo Giongo - Não é para me gabar, mas nenhum grupo teatral gaúcho, até hoje, chegou ao nível em que chegamos. Exemplo disso é o que aconteceu durante o I FRAT - Festival Regional de Amadores Teatrais -, quando ganhamos todos os prêmios, mas todos mesmo, inclusive o de melhor cenário, numa peça sem cenário. Era "O Sono dos Prisioneiros", de Cristhopher Frige, que eu traduzi e adaptei. A ação se passa dentro de uma igreja. O palco sempre era o altar de uma igreja de verdade, com quatro atores fazendo quatro papéis diferentes cada um, totalizando dezesseis personagens.

APL - Como terminou o grupo Delorges Caminha?

Paulo Giongo - O grupo durou anos. Sempre foi essencialmente amador. Conseguimos, junto ao Governo do Estado, um Termo de Concessão de Uso de um salão de madeira que existia onde hoje há uma quadra de esportes, na Escola Estadual Protásio Alves. Reformamos o local e adaptamos para apresentações teatrais. Quando não era possível encenar no local, usávamos um cinema. Em 1966, o então governador lido Meneghetti prometeu que iria construir um prédio maior, para que fosse a sede definitiva do Grupo de Teatro Amador Delorges Caminha. O prédio de madeira foi demolido e nunca mais foi reconstruído. Sem local para ensaios, o grupo acabou.

APL - Qual a grande herança do Delorges Caminha?

Paulo Giongo - Revelamos pelo menos um grande ator: Valter Portela, que está em São Paulo, e fez o papel de Macunaíma, num filme exibido em todo o mundo. E criou-se uma tradição de amor ao teatro, que continuou em diversos grupos teatrais nos anos posteriores.

APL - O senhor participou do Grêmio Passo-Fundense de Letras e de sua transformação em Academia Passo-Fundense de Letras.

Paulo Giongo - Acho que eles não tinham gente suficiente para formar a Academia. Em cada sessão, um falava sobre seu patrono. Eu escolhi Ernâni Fornari. A Academia Passo-Fundense de Letras foi muito importante. Usufruí muito com a troca de informações e idéias. O Celso da Cunha Fiori era o mandão, no começo da Academia. Era mais ou menos assim: "O que vocês acham de fazer tal coisa? Pronto. Está aprovado." Não deixava discutir.

APL - Era mais ou menos como aquela de Dom Pedro I, abrindo uma reunião da Constituinte: "Egrégios representantes da Nação, está encerrada a sessão"...

Paulo Giongo - Era exatamente isso. Depois as reuniões foram esfriando até praticamente acabarem, porque discutiam de tudo. Tinha um padre, Irmão Gelásio Maria, que só queria saber de discutir política. Hoje eu vejo que tem um grupo muito bom, que trabalha bastante.

APL - E a Cultura Artística?

Paulo Giongo - A Cultura Artística foi fundada em 3 de julho de 1957. Estamos pleiteando que seja incluída no Livro dos Recordes, pois em seus 53 anos de existência só teve dois presidentes: Diogo Morsch e eu. Realizamos centenas de recitais. Agora estamos fazendo um convênio com o SESI e a FAPLAM, e vamos reiniciar a realização de recitais mensais. Já tínhamos um convênio com o Fórum para usar o salão nobre. Aquele piano que lá está é meu, e faz parte do convênio.

APL - Como jornalista e apresentador de programas de rádio e televisão, o senhor sofreu com a censura, durante o regime militar?

 Paulo Giongo - Sofri. Eu tinha um programa intitulado Tiro ao Alvo, na Rádio Planalto. E de lá fui levado várias vezes preso para o Quartel do Exército. Existiam pessoas do SNI - Serviço Nacional de Informações - e muitos dedos-duros, como um velho integralista conhecido como Pandolfo. Naqueles tempos, bastava que qualquer um que não gostasse da gente nos acusasse de comunista, para que a gente acabasse preso.

APL-Além de pioneiro no ensino superior, o senhor foi pioneiro na instalação de um canal de rádio e televisão em Passo Fundo...

Paulo Giongo - Quando o Governo Federal publicou edital de concorrência para um canal de Rádio e Televisão em Passo Fundo, reuni mais cinco amigos, formamos uma sociedade e decidimos participar da concorrência. Participaram diversos grupos, inclusive de um deles faziam parte o jornalista Túlio Fontoura, do Diário da Manhã, e Maurício Sirotski Sobrinho, da RBS. Ganhamos a concorrência em Palmeira das Missões, quando o doutor Bruno Edmundo Markus, primo do presidente Ernesto Geisel, então presidente da República, depositou um bilhetinho no bolso dele. O general leu o bilhete e fez um sinal de positivo para o Bruno. Ganhamos um elefante branco, contra cinco grupos. Meu sonho era fazer uma televisão que projetasse Passo Fundo e a região. Para colocá-la no ar, precisamos nos associar à RBS, que nos ofereceu as melhores condições. Nunca me deram chance de realizar meu sonho. Tinha quase que me prostituir, usando terno e gravata, para dispor de dois ou três minutinhos. Era impossível projetar os valores locais. Fui ao ar entre 1° de março de 1983 e 15 de maio de 2001, totalizando 18 anos. Hoje vejo que o Meirelles Duarte consegue fazer o programa que eu sempre sonhei, no canal 20, na NET.

APL - Passo Fundo sempre teve fama de cidade dividida. E história a divisão entre os grupos de Túlio Fontoura e Múcio de Castro?

Paulo Giongo - Túlio Fontoura, que criou o Diário da Manhã, e Múcio de Castro, que adquiriu O Nacional, tiraram muito proveito comercial dessa divisão. Eles continuaram uma divisão que vem de longe, do tempo em que a política passo-fundense, no Império, era dividida entre conservadores e liberais, e continuou depois, com republicanos, federalistas e libertadores, e, mais, tarde entre, o PSD (Partido Soeial Democrático) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Túlio ficou do lado do PSD e Múcio do PTB. Chegaram a ser eleitos para a Assembléia Legislativa por aqueles partidos. A divisão era tão grande que o busto do coronel Gervásio Lucas Annes, na Praça Tamandaré, chegou a ser colocado de costas para a Igreja Matriz, e de frente para a Loja Maçônica que ali existia. A Maçonaria, naquela época, era coisa muito séria. Para entrar, investigavam toda a vida do cara...

APL - O senhor já exerceu diversas atividades: auxiliar de farmácia, farmacêutico, advogado, professor, jornalista, radialista, apresentador de televisão... O que o senhor ainda não fez?

Paulo Giongo - Só não me prostituí. Exerci todas essas atividades e mais outras. No interior nós somos uma pessoa. Nos grandes centros nós somos mais um. Concluí as faculdades de Farmácia e Direito. Foram as atividades que exerci - e continuo exercendo há mais tempo. Certa vez me perguntaram como consegui conciliar os trabalhos de farmacêutico e advogado. Simples: tudo é droga.

APL - Como o senhor explica o fato de ultrapassar os 78 anos em plena atividade?

Paulo Giongo - O que me sustenta é a seriedade do trabalho. Saul Sperry César, veterano jornalista falecido há pouco tempo, costumava repetir que a gente passa a metade da vida cuidando dos filhos, e a outra metade se cuidando deles. Estou na segunda metade.

Referências

  1. Da Revista Água da Fonte n°5