Poesia na Feira do Livro

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Poesia na Feira do Livro

Em 2006, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Poesia na Feira do Livro

A XX Feira do Livro de Passo Fundo serviu para salientar a importância que está assumindo a literatura passo-fundense. Foram muitos os lançamentos de autores locais. Todos os gêneros estiveram representados, desde as obras literárias, artísticas, propriamente ditas, até livros técnicos.

Em termos de arte literária, neste artigo, lembrarei o poeta estreante Júlio César Perez e a já consagrada Helena Rotta de Camargo. O primeiro lançou Expresso Instante e a poetisa compareceu com Monólogos de uma Peregrina, ambos editados pela Méritos Editora.

Júlio César Perez, apesar de estrear em livro aos 38 anos, já é um poeta experiente. Há alguns anos, participou do grupo Momento Poético, ao lado de Anderson Gassol Dozza, Lygia Casado Brasil, Carlos Javel do Vale (precoce e tragicamente falecido) e outros poetas. Essa confraria realizava exposição de poemas, repercutindo, na província, uma prática adotada em centros maiores.

O autor de Expresso Instante é o tipo de autor conhecido como "poeta culto" porque estuda outros poetas, discernindo o cânone poético da língua e os movimentos seus contemporâneos. Os "poetas cultos", via de regra, vivem sob a tortura do fazer poético. Críticos em extremo para com eles mesmos, acabam sendo vítimas dessa preocupação, que os torna bastante contidos no divulgarem sua produção literária. Isso, e somente isso, explica o porquê de Júlio César Perez somente publicar seu primeiro livro quase quarentão.

O próprio poeta o confessou que foi compelido a dar seus poemas a lume após participar do programa Literatura Local, parceria da TV Câmara e da Academia Passo-Fundense de Letras. Compareceu ao programa exibindo livros de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto e alguns poemas seus escritos em retalhos de papel. Constrangido, diante da cobrança de pessoas que lhe exigiam um livro, viu-se forçado a publicar Expresso Instante.

Torturado do poema, o poeta culto é um torturado ou da forma ou do fundo. Júlio César Perez sofre com os grilhões do tema. Comprime-lhe a minúcia do ser ou o ser minúsculo, imperceptível. Assim, como todo o verdadeiro poeta, está mais próximo do parecer do que do ser em si. Sirva de exemplo o poema Sur (Sul), onde joga esse vento (Minuano) com a semelhança gráfica e sonora com Ser.

       Sur

Um ar glacial

que sopra

não sei de onde

e não desiste

de soprar

o dia inteiro

regelando

até o mais

íntimo

dos ossos.

Uma sombra

que congela.

Um sol tênue

fraco para

desinrijecer

os músculos

já compactados

por tantos dias

desse ar glacial.

Esse é o universo

do Sul

ao sul do Brasil

e que já se tornou

até uma categoria do Ser:

o Sur!

com todas as peculiaridades

que só

quem viveu no sul

e sentiu o Minuano

a lhe varar o corpo e o espírito

pode dizer

o que significa.

O Sur é uma categoria do Ser

que engendra os fortes!

Helena Rotta de Camargo, que integra os quadros da Academia Passo-Fundense de Letras, em Monólogos de uma Peregrina - reflexões poéticas, rompe com sua prática anterior, de poemas versificados. Difícil enquadrar as mil - e exatamente mil - "reflexões poéticas" do volume como poemas em prosa, seguindo uma tradição surgida na França, em meados dos Século XIX e continuada até hoje.

"Não apenas a ofensa, mas também o remorso, mata"., "O sortilégio do livro nos desvenda surpresas agradáveis / que afloram das palavras como bolas de cristal." e "O amor primeiro nos fratura, para depois recompor-nos.", estão muito longe do que tradicionalmente se convencionou chamar de poema em prosa. Aproximam-se dos fragmentos pré-socráticos ou dos provérbios bíblicos, poemas milenares, que nos ainda nos encantam nestes tempos de pós-modernidade.

É claro que diversas passagens do livro mais recente de Helena Rotta de Camargo, fixam-se dentro dos limites, sempre discutíveis, da arte poética. E é dessa dicotomia, desse encontro com o inclassificável, que vive a verdadeira arte poética.

Os verdadeiros poetas - e a poesia independe do sexo de quem a escreve - são eternos subversivos. Os grandes lavradores do pensamento humano sempre escreveram poemas. Moisés, Jesus, Mohamad, que o digam. E, por isso, são os que mais sofrem com os regimes repressivos, os mais perseguidos pelos donos do poder. Moisés, Jesus, Mohamad, o comprovam, como poetas. E seus seguidores, no poder, sacrificaram tantos outros poetas.

A verdadeira poesia é classificável, enquadrada, por mera formalidade. Noutras palavras para simples esquema didático. E é ao subverter a tradição do poema em prosa que vamos encontrar o viço das "reflexões poéticas" de Helena Rotta de Camargo, uma das figuras mais representativas entre os criadores literários passo-fundenses da atualidade.