Ozanam, o apóstolo da caridade
Ozanam, o apóstolo da caridade
Em 30/11/2004, por Welci Nascimento
Ozanam, o apóstolo da caridade
WELCI NASCIMENTO[1]
Antônio Frederico Ozanam, nascido em Milão, na Itália, em 23 de abril de 1813, desde muito pequeno vinha mostrando uma viva inteligência. De sua mãe, herdara a profunda piedade e dedicação às obras de caridade e, de seu pai, o amor aos estudos, a pertinácia no trabalho e um espírito de iniciativa, ao mesmo tempo humilde e corajoso.
Desde menino, ao ensaiar seus primeiros passos - conta seu irmão Afonso-, muitas vezes ele se assentava em cima da mesa em que nós aprendíamos as lições. Entre elas figuravam as "Fábulas de La Fontaine". Durante a sua infância, teve Ozanam a acompanhar-lhe os passos, debruçando-se sobre a sua cabeceira, a figura doce de sua mãe. A medida que ia crescendo, sentia-se envolvido por um ambiente de ternura.
Daí dizer-se sobre o jovem: "Tudo florescia facilmente e tudo florescia rapidamente, nessa alma que o tempo e a eternidade intimavam a viver".
Realmente, Ozanam estava fadado a uma maturidade têmpora, porque a vida que ele ia viver seria bem curta e o trabalho que deveria realizar seria muito grande.
Seu pai, médico do hospital do exército, transferiu residência para Lyon, na França. Aos nove anos de idade, Frederico já freqüentava, como aluno externo, o Colégio Real de Lyon. Apesar de sua pouca idade, com efeito, já fazia composições. Com apenas 14 anos, já estava matriculado na classe de Retórica e, no ano seguinte, matriculava-se no curso de Filosofia. O que mais o atormentava era a dúvida religiosa. "A incerteza do meu destino eterno não me deixava em paz. Daí procurar eu com mais afinco ligar-me aos dogmas sagrados, mesmo quando pressentia que eles podiam romper-se nas minhas mãos".
Com apenas 16 anos, terminou seu curso secundário, conquistando o diploma de bacharel em Letras. Terminados os estudos secundários, cabia-lhe escolher a carreira a seguir. O pai acalentava o desejo de vê-lo juiz em qualquer tribunal do país.
Do contato que passou a ter com a literatura surgiu para Ozanam a verdadeira vocação: "Mostrar o catolicismo como um maravilhoso farol, destinado a salvar os que se vissem perdidos no oceano da vida". A grande tarefa a que se impunha era provar, com a História, a excelência da verdade da religião católica.
Ozanam deixou Lyon e rumou a Paris, a "Cidade Luz", onde ele se sentia aterrorizado, por ser uma cidade agitada pela corrupção e pela falta de fé. Foram suas primeiras impressões. Em Paris, fez amizade com ilustres pessoas, como André Maria Ampère, considerado o patriarca da Matemática. Ampère apontava Ozanam como uma das figuras mais eminentes do tempo, tanto assim que a crítica literária dizia que "de sua boca e, sobre- tudo, de sua pena, saíam palavras de ouro". Conheceu também o escritor Chateaubriand. Ozanam costumava freqüentar em Paris as casas e rodas literárias, o romantismo liberal, às vezes ostensivamente ateu.
Sua antipatia por Paris se foi esvaindo, mesmo porque a cidade iria ser o campo de apostolado a que o jovem estudante sonhava entregar-se, de corpo e alma.
Certa feita, ele e seus companheiros regressavam de uma reunião na Sociedade de História, onde passavam o tempo, como sempre ocorria, em discussões as mais das vezes estéreis. Naquele dia, um dos adolescentes, metido a comunista, atacou os apologistas do catolicismo, perguntando: "Vocês podem vangloriar-se de sua religião, mas quanto ao passado, pois no presente ela não passa de uma árvore que já deu frutos e está morrendo. Onde estão agora os frutos da caridade que ela prega?"
Ozanam e seus companheiros reconheciam que, em quase nada, se distinguiam dos seus camaradas incrédulos, no tocante à prática da caridade para com os deserdados da sorte. Por isso, depois de uns instantes de reflexão, concluiu:
- E verdade. Falta alguma coisa: as obras de caridade. A bênção dos pobres é a de Deus.
Alguém perguntou:
- Então, que é que se pode fazer praticamente?
Olhando para um monte de achas de lenha, num canto da parede, Ozanam ficou silencioso, enquanto perguntava:
- Por que não iremos dá-las aos pobres?
Havia no quarteirão um pobre doente, cheio de necessidades. Os jovens apanharam a lenha que haviam guardado para enfrentar o inverno, e foram levá-la ao indigente.
Foi daí que partiu a chama que, pouco depois, iria abrasar, com o fogo divino da caridade, a Sociedade de São Vicente de Paulo, que hoje estende seu manto beneficente à terra toda.
Esse fato aconteceu em Paris, no ano de 1833.
Antônio Frederico Ozanam, leigo, casado, que constituiu família, era sensível às necessidades dos pobres, e encontrou em São Vicente de Paulo um modelo para a sua vida cristã e para as Conferências de Caridade. São Vicente era o caminho para orientar sua vida e suas ações.
Por isso escreveu: "Devemos esforçar-nos por imitar São Vicente, que por sua vez imitava Jesus Cristo, modelo inigualável de caridade". "Os pobres são nossos senhores e mestres" - dizia São Vicente; "neles Jesus se fez presente."
E ainda acrescentou: "A caridade está acima de todas as regras, e é preciso que todas as coisas a ela se relacionem. Ela deve ser integral: material e espiritual. Isso supõe a prática da justiça".
Em Passo Fundo, a Sociedade São Vicente de Paulo foi criada em 1916/1917, em plena epidemia da chamada "gripe espanhola", que matou muita gente. Ali estavam os vicentinos, acudindo aos pobres injustiçados. "A verdadeira caridade não se contenta com palavras e boas intenções. Tem que ser eficaz, bem organizada. O resgate da dignidade do pobre precisa estar na nossa consciência, e necessita de ser nossa meta", diz Roque Gelatti, membro do Conselho Metropolitano da SSVP de Porto Alegre. "O pobre deve sentir-se honrado e não humilhado", conclui.
Ozanam faleceu em Marselha, em 8 de setembro de 1853, quando tinha apenas 40 anos de idade. Já bem enfermo, perguntava: "ser-me-ia permitido. Senhor, envelhecer perto de minha mulher e acabar a educação de minha filha? Em holocausto, eu vos ofereceria tudo, na minha vida, desde o meu amor próprio literário até as minhas ambições acadêmicas e meus projetos de estudo..." (Ozanam foi também político e professor na Universidade de Sorbone). Certamente, não podeis aceitar ofertas interesseiras. "Cest moi que vouz demandez, je viens, Seigneur!" (Aqui estou. Senhor!).
Além de político, afirmou-se também abertamente como católico liberal. Considerava que os princípios da Revolução Francesa - Liberdade, Igualdade e Fraternidade - eram traduções modernas do espírito evangélico. Dizia ele: "Penso que se deverá advertir, com voz corajosa e severa, o poder que explora".
Fontes de informação:
Ozanam: a juventude em ação, de Luiz Suanfira.
Reflexões de Ozanam, Edição do Conselho Central de São Paulo.
Ozanam - Informativo do Conselho Metropolitano - Porto Alegre.
Conselho Central da Sociedade São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS.
Publicado na Revista
Água da Fonte nº 2
- ↑ Welci Nascimento é titular da cadeira 23 da Academia Passo-Fundense de Letras, que tem como patrono o poeta Casimiro de Abreu; e membro da Conferência Vicentina de São Marcos, de Passo Fundo/RS