Os genes de Adão Schell e a política de Passo Fundo

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Os genes de Adão Schell e a política de Passo Fundo

Em 31/12/2008, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo


Como se sabe, Johann Adam Schell, conhecido como Adão Schell, foi o primeiro imigrante alemão que aportou a estas plagas. Sua chegada aconteceu pouco depois do término da Revolução Farroupilha, por volta de 1845, antes que o povoado fosse elevado à categoria de vila e criado o município. Ele se estabeleceu com comércio de secos e molhados em local bem próximo à sede da fazenda do fundador Manoel José das Neves. Sua casa de comércio e moradia ficavam na Rua do Comércio (hoje Avenida Brasil), na quadra entre as ruas Teixeira Soares e Marcelino Ramos. No lugar, ergue-se hoje alteroso edifício, batizado com seu nome.

Schell e sua esposa, Ana Cristina Hein, alemã como ele, podem ser considerados os verdadeiros patriarcas de Passo Fundo, o casal matricial. Apesar de nunca haver saído daqui, exerceu considerável influência na comunidade. Terá sido homem culto e bem informado. Foi o fundador e dirigente da primeira loja maçônica fundada em Passo Fundo. Através de numerosa prole, deixou frondosa descendência, radicada aqui e em outros lugares, até no exterior. Depois dos Schell da linha varonil, que conservaram o sobrenome, vieram os Araújo, os Annes, os Vergueiro, os Loureiro, os Azambuja, Galves, os Salton, os Lima, os Dipp, alguns dos Langaros, e muitas outras estirpes passo-fundenses que descendem de Adão Schell. Nossa incansável genealogista, Marina Xavier e Oliveira Annes, a cuja obra tive acesso, levantou minuciosamente os dados da descendência de Schell, com nomes e números.

Há consenso entre os historiadores e sociólogos a respeito da tendência de o poder político, cujas origens se identificam com o feudalismo, ao longo da História, apresentar-se repetidamente concentrado nas mesmas famílias. Daí as sucessões monárquicas, as dinastias, a nobreza de sangue e as oligarquias, com os filhos sucedendo aos pais no poder político e isso continuando de geração para geração. Um significativo aspecto do fenômeno é a estruturação de uma modalidade de poder em que se apresenta como fator significativo a continuidade genética.

A isso não foi infensa a nossa Passo Fundo, a despeito da penetração de outras etnias, principalmente, de modo intenso, da italiana. Vem perdurando, ao longo de nossa sesquicentenária história política, a tendência de preservação e continuidade de uma elite política fixada na descendência de Adão Schell.

Com efeito, já em 1857, quando da instalação da primeira Câmara, cujo presidente detinha poderes equivalentes ao dos atuais prefeitos, é um genro de Adão Schell, o paulista Manoel José de Araújo, quem preside a legislatura. Torna-se, assim, como o vereador mais votado, um dos principais caudilhos locais, ao lado de Neves e Fagundes, ainda vivos à época. Araújo continuou a ter assento na Câmara por muitos anos, representando o clã no poder político local.

Por volta de 1870 chega ao município o cruz-altense Gervásio Lucas Annes, que em seguida se consorcia com Etelvina Schell d’Araújo, filha de Manoel Araújo e neta de Adão Schell. Como se sabe, Gervásio, tornado neto de Schell por afinidade, advogado que pertenceu inicialmente ao Partido Conservador e depois se passou para o lado republicano, como deputado provincial, deputado estadual, intendente e chefe político inconteste, foi crescendo em poderio e prestígio, a ponto de controlar com mão de ferro a política local pelo menos por 30 anos, de 1890 a 1919, quando faleceu.

Sua influência continuou marcante e prossegue até hoje, através de seus descendentes, diretos e indiretos. Seu filho Armando Araújo Annes foi intendente antes de 1930 e consagrou-se como o primeiro prefeito eleito depois da redemocratização, em 1947. Antes fora intendente, sendo seus principais opositores nada mais que seu primo Nicolau de Araújo Vergueiro e o combativo advogado Antonio Bittencourt de Azambuja, depois deputado estadual e federal, casado com Laura Loureiro Lima, neta do Barão e bisneta de Schell. Nessas eleições de 1947, contra Armando, juntamente com Dionísio Langaro, sem vínculos diretos com a estirpe, concorreu Carlos Galves, coincidentemente bisneto do Barão (Antônio José da Silva Loureiro, adversário impenitente de Gervásio, que era casado com outra filha de Adão Schell). Galves era, portanto, trineto do patriarca. O outro filho de Gervásio, o Gervasinho, disputou a prefeitura em 1955, perdendo a eleição para quem? Nada mais nada menos do que para Wolmar Salton que, mesmo não sendo daqui, era casado com uma filha de Armando Annes, neta, portanto, do primeiro Gervásio e igualmente trineta de Adão Schell. Em 1959 foi a vez de concorrer o advogado Antônio Bittencourt de Azambuja, trineto de Schell por seu casamento com uma bisneta do Barão. Azambuja, apesar de apoiado por uma poderosa aliança de partidos, esvaziado pelos que o estimularam a concorrer, veio a perder a prefeitura para o trabalhista Benoni Rosado.

Nicolau de Araújo Vergueiro, que passou a comandar o município pouco depois da morte de Gervásio, tendo sido deputado estadual, intendente e deputado federal, articulador da Revolução de 1930 no norte do Estado – também pertencia ao clã dos Schell-Araújo. Sua mãe era filha de Manoel José de Araújo e neta de Adão Schell. Ele, que foi a figura mais destacada da política de Passo Fundo entre os anos de 1920-1955, era bisneto de Adão Schell.

Daniel Dipp, vice-prefeito em 1947, prefeito em 1951 e depois deputado federal, embora fosse de origem síria, contraiu matrimônio dentro da descendência de Adão Schell. Sua esposa era bisneta do Barão (Antônio José da Silva Loureiro), por parte da mãe e vinha a ser trineta de Adão Schell. Resulta daí que seu filho, Airton Langaro Dipp, prefeito agora pela terceira vez, vem a ser tetraneto de Adão Schell. O mesmo se pode dizer do ex-vice-prefeito, depois prefeito, Carlos Armando Annes Salton, neto de Armando Annes, bisneto do primeiro Gervásio, trineto de Manoel José de Araújo e tetraneto de Adão Schell. O vereador, depois deputado estadual, Jorge Bandarra, era casado com Rejane Azeredo, bisneta do Barão e trineta de Schell.

Afora isso, outros descendentes de Adão Schell sempre estiveram no poder ou muito próximos dele em Passo Fundo: Carlos Galves, nosso maior jurista, foi por mais de trinta anos o consultor jurídico da Prefeitura. Murilo Annes foi o primeiro reitor da Universidade. Herculano Annes e seus primos Hiram e Americano Bastos foram os fundadores do jornal O Nacional. Carlos Mäder Annes foi o primeiro presidente do MDB local, logo sucedido por Raul Lima Langaro, outro trineto de Adão Schell. Flávio Annes foi o primeiro diretor da Faculdade de Agronomia. Ney Menna Barreto (um Schell-Schleder) foi por muitos anos o todo-poderoso secretário geral do PTB local e candidato a deputado estadual. Antes disso, ao findar o século XIX, O Barão (genro de Adão Schell) foi um dos mais importantes líderes do grupo federalista, origem do futuro Partido Libertador, enfrentando arduamente os republicanos de Gervásio, pelo que pagou muito caro, a despeito do parentesco que os deveria unir.

Dos descendentes de Adão Schell, diretos ou por afinidade, nos dois séculos anteriores e neste, em cento e cinqüenta anos de autonomia do município de Passo Fundo, cerca de dez estiveram à testa da prefeitura por mais de cinqüenta anos (um terço de nossa história política); outros a ela concorreram; uns foram vereadores ou deputados pelo município; muitos exerceram chefias políticas, na situação ou na oposição; representantes do clã até hoje ocupam posições de relevo na vida local. Todas essas circunstâncias de nossa história despertam interesse e merecem atenção por parte dos estudiosos, dentro e fora da academia.