Os escritos do General Antônio Ferreira Prestes Guimarães: aspectos literários

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Os escritos do General Antônio Ferreira Prestes Guimarães: aspectos literários

Em 30/04/2006, por Ana Carolina Martins da Silva


Os escritos do General Antônio Ferreira Prestes Guimarães: aspectos literários


ANA CAROLINA MARTINS DA SILVA[1]


O presente trabalho foi apresentado em forma de comunicação, no "Seminário 111 Anos da Batalha de Passo Fundo", que ocorreu no período de 27 a 29 de junho de 2005, no centro de eventos do Bourbon Shopping, em Passo Fundo, sob a coordenação do professor M.S. Ney Eduardo Possapp d*Avila. diretor do Centro Regional m da UERGS. O Seminário teve como objetivo rememorar o fato histórico mais conhecido como "Batalha do Pulador" ou "Batalha de Passo Fundo", acontecido durante a Revolução Federalista (1893-1895) e foi promovido pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo, tendo como apoiadoras. entre outras, duas das entidades das quais faço parte: a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e a Academia Passo-Fundense de Letras. No dia 27 de junho, tivemos a presença do reitor da UERGS, Prof. Dr. Nelson Boeira, que abordou "O positivismo no contexto da Revolução Federalista". No dia 28 de junho. dois acadêmicos fizeram seus pronunciamentos: prof. Welci Nascimento, com o tema: "Causas da Batalha" e o escritor Paulo Monteiro "Batalha do Pulador e os combates que a antecederam". No dia 29 houve as falas dos professores da Universidade de Passo Fundo: Dr. Ricardo Henriques - Relato do acontecimento "Maragatos e Pica-Paus", e profa. Isléia Rossler Streit - "Repercussões da Batalha no contexto político estadual". Outro fator que para mim foi muito relevante no Seminário, além de todo o conhecimento adquirido, foi a presença da Escola em que trabalho, o NEEJA - Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos - durante todo o Seminário.

Sob o título de "Os escritos do General Antônio Ferreira Prestes Guimarães: aspectos literários", pretendi dar a conhecer aspectos da biografia de Prestes Guimarães, destacando sua importância para as questões culturais de nossa região, bem como promover a análise de textos onde ele aborda a Revolução de 93. a batalha de Passo Fundo, suas idéias e convicções. Meu objetivo foi estudá-los sob alguns aspectos literários, entre outros, contribuindo para o enriquecimento dos estudos sobre a importância do General Antônio Ferreira Prestes Guimarães para Passo Fundo, para o RS. e revelando a relevância de seu depoimento como registro de seu tempo.

O General Antônio Ferreira Prestes Guimarães nasceu em Passo Fundo, no dia 13de junho de 1837. Era filho de José Ferreira Prestes Guimarães e Maria Nascimento Neves, portanto, neto do Cabo Neves. Segundo o historiador Ney dAvila ( 1996. p. 121 ). em seu livro "Passo Fundo: Terra de Passagem", nada se encontrou registrado sobre seus estudos, depois das primeiras letras, o que indica que deve ler sido autodidata. Em Passo Fundo, exerceu várias funções burocráticas: em 1874. secretário da Câmara Municipal, eleito vereador em 1881, foi presidente da Câmara (prefeito) entre 1882 e 1886, então no posto de Major da Guarda Nacional. Foi líder municipal do Partido Liberal, a partir de 1882. deputado provincial nas legislaturas de 1885,1887 e 1889, e vice-presidente da Província, o que causou um certo deboche por parte dos intelectuais da época. DÁvila, ao comentar este episódio, diz: "Como Serrano, o primeiro a presidir a província, e "rábula" (advogado sem curso jurídico), era considerado um "grosso" pelos bacharéis republicanos, sendo vítima de versos publicados no jornal A Federação, que o censuravam e o ridicularizavam. Foi promovido a general pelo Estado Maior das forças federalistas e assumiu o comando de um dos exércitos revoltosos na Revolução de 1893. Após seu término, asilou-se na Argentina. Anos mais tarde voltou a Passo Fundo, reassumiu a liderança do Partido Federalista e sua banca de advocacia, vindo a falecer em 19 de setembro de 1911.

Alguns de seus escritos, resgatados pelo historiador Sérgio da Costa Franco e imortalizados por Martins Livreiro Editor, em 1987, com o título de "A Revolução Federalista em Cima da Serra", refletem um homem de preocupações humanistas, um historiador que, talvez sem a noção exata da grande significação de seu trabalho, vai registrando, em diferentes vozes, os acontecimentos mais importantes daquele período, entre 1892 e 1895.

Com uma redação muito próxima às características gerais do Romantismo, estilo literário de época, que começava a ser superado, ressalta nos combates aspectos de heroísmo e valorização da natureza, que é apresentada como um refúgio, quase como um personagem da batalha; expressa as paixões e as emoções a partir do uso farto de adjetivos; e faz uma exaltação à liberdade humana, contrapondo-a aos horrores da guerra. Tudo é calcado numa profunda observação da influência da sociedade no espaço restrito do indivíduo, o que se pode notar quando cita os mortos, detalhando suas características pessoais, como profissão, número de filhos, condição matrimonial, entre outros. Werneck Sodré (2002. p. 230), em seu livro "História da Literatura Brasileira", diz que "A luta romântica não é mais do que o conflito entre o mundo novo que surge e o velho que declina depressa." Em suas falas. Prestes lastima a exposição da família à violência, o roubo de gado, a fraude nas eleições e a banalização dos assassinatos sem uma aparente razão de justiça.

Ampliando as reflexões, o livro do General de Passo Fundo apresenta também características naturalistas, ora realistas, ora impressionistas, quando expõe os corpos em detalhes, aludindo às causas das mortes (cortes, estacas, tiros, ferimentos). Faz isso com palavras duras, coloridas de muito sangue, entre outros aspectos, escancarados pela barbárie humana na Revolução de 93.

Como exemplo, podemos citar a passagem em que o General se refere a algumas mulheres "processadas" pelos maragatos:

Da cadeia do Passo Fundo arrancaram-se míseros presos, inclusive algumas infelizes mulheres, processadas, para serem vítimas do punhal homicida - com prévio cortejo de cruéis torturas -em um sítio lugubre nas proximidades do "Vallinho", a 6 quilômetros da cidade. (Prestes Guimarães, 1987, p. 24-25)

Ainda, em nota de rodapé, Prestes complementa esta informação, com uma pequena história:

Uma das vítimas, ainda mocinha, pediu ao principal algoz que não a matasse, pois estava grávida, e a mísera criança era seu neto. Desatendida! O avô desnaturado abriu com a espada o ventre da mísera, arrancou o feto, e reconheceu que era seu neto - pelos cabelos cor de fogo. Então, humanizando-se, o sepultou decentemente!

Estas características de Contador de histórias e Contador da História se confundem na obra do autor. Burke (1992.p. 326 - 348), no livro "A escrita da história: novas perspectivas", comenta uma discussão surgida na França, no início do século vinte, sobre as diferentes formas de se registrar fatos acontecidos na história da humanidade. Segundo ele, esta discussão se colocava em duas pontas diferentes: a narrativa, que seria considerada como superfície dos acontecimentos, a chamada "história dos acontecimentos"; e a estrutura, onde, ao invés de narrar, o historiador deveria analisar as estruturas em correntes mais profundas.

Ao verificar as características de um historiador tradicional, percebia-se a tendência a exprimir suas explicações de caráter e intenções individuais, passando por cima de aspectos importantes da estrutura econômico-social e até da experiência e do modo de pensar das pessoas comuns, em linha geral. Já os historiadores estruturais procuravam analisar o contexto para fazer suas narrativas, método que atualmente inclui duas partes: conjuntura e estrutura. Diante do exposto, podemos perceber, nos manuscritos do General Prestes, aspectos tanto de historiador tradicional, quanto de estruturalista, o que o coloca numa posição à frente de seu tempo. Embora não contemple a totalidade das características de ambos. Prestes, sem dúvida, analisado sob a ótica de Burke, perde sua característica de cronista local, para atingir um status universalista. A saber:

Embora o General passe por cima da grande estrutura internacional, não fazendo referência alguma ao contexto mundial da época e faça uma pequeníssima referência à conjuntura nacional, que contempla com apenas um fragmento de frase: "depois da queda do império" (1987.p. 14), no que tange ao Rio Grande do Sul, abre seu trabalho com o que ele chama de "Prodomos" da revolução civil em Cima da Serra", fazendo uma descrição do momento político no Rio Grande do Sul, e restringindo, a meio texto, aos municípios de Passo Fundo, Soledade e Palmeira, na seqüência cronológica de junho a dezembro de 1892.

Esses Prodomos são enriquecidos por notas de rodapé, onde ele vai reiterando suas informações com dados comprováveis por documentos e com a ilustração através de histórias pessoais dos envolvidos nos grandes acontecimentos. Esta atitude é extremamente tradicional, no que diz respeito à forma de narrar, e moderna, no sentido de valorizar as posições de pessoas comuns.

Apesar destas notas, o autor não consegue evitar enfatizar atos e decisões de líderes, o que obscurece as distinções entre os líderes e os seguidores, quando comenta aspectos da batalha. Cito como exemplo ( 1987.p.55): "No dia17 de agosto, a Coluna Serrana de Prestes Guimarães e a Missioneira de Dinarte Dornelles. baldas de recursos para continuarem na santa cruzada, dividiram-se (...)". Burke salienta que este tipo de postura "encoraja os leitores sem grande imaginação a suporem o consenso de grupos, freqüentemente em conflito". Na Revolução de 93. deveria ter havido grandes conflitos, realmente, visto que as classes mais baixas da população entraram em combate, acompanhando os seus patrões e não por razões suas.

Contrapondo estes elementos tradicionais, há na obra do Rábula, algumas experiências que vão entrar em discussão apenas na década de 60, nos Estados Unidos da América. Como por exemplo, o problema de tornar as guerras civis e outros conflitos mais inteligíveis, seguindo-se o modelo dos romancistas - partindo de mais de um ponto de vista, ou seja, permitindo a exibição de "vozes variadas e opostas", praticando a heteroglossia. Em todo o texto, o bom leitor pode encontrar cm sua descrição a fala diferenciada das mulheres, dos soldados, dos índios, das crianças, da família, do próprio inimigo, excetuando a dos negros. Ele não faz referência à cor da pele dos contingentes revolucionários, embora algumas fotos dos soldados, na ocasião, revelem suas etnias. Talvez isso se deva ao fato de Prestes Guimarães ter sido, em 1884, quando Major e líder do Partido Liberal, um dos importantes abolicionistas da época, iniciando uma campanha pela libertação dos escravos, proclamada em 28 de setembro daquele ano. Segundo DAvila (1996. p.l 14-115), "em 1884 havia no Município de Passo Fundo 546 escravos, mais um número não sabido, que as leis do Império só permitiram que fossem libertados em 1888".

Cito um dos fragmentos que aludem às mulheres na cena da Revolução, não como indivíduos passivos e sim, ativos:

O aviso fora dado por minha incansável mulher que fora prevenida disso por uma afetuosa sobrinha. D. Emilia, esposa de Francisco Miller, que ouvira em sua própria casa a combinação do atentado. D. Emilia prestou muitos serviços dessa natureza, salvando outras cabeças, condenadas a caírem pelo punhal da Masorca. O marido pica-pau; ela maragata. (Guimarães, 1987. p. 19. Nota 6).

As atitudes louváveis dos inimigos também são citadas, dando margem às suas falas: "Em abono da verdade, é mister declarar que Santos Filho, durante sua estada em Passo Fundo, fez manter o devido respeito para com as famílias. Honra lhe seja... ao menos como atenuante de faltas que gravitam sobre sua cabeça". (Guimarães, 1987.p. 41. Nota 16). Também a presença indígena é referida, tomada de personalidade e opinião: (...)tudo desde logo arrecadado c salvo por Veríssimo, com o auxílio em parte de carregadores indígenas - mísera gente - pobres silvícolas, perseguidos pelos legalistas, sem dúvida por se mostrarem simpáticos para com os revolucionários. (Guimarães, 1987, p. 51).

Segundo o historiador passo-fundense. Prof. Ney DÁvila, esta conduta dos habitantes do mato, ou Kaingangs, já havia sido percebida na Revolução Farroupilha, e depois, na Revolução de 23.

Prestes Guimarães ainda faz uso de suas notas de rodapé para corrigir distorções que cometeu quando redigiu o texto original, como no seguinte caso: (...) nem Gervázio amanheceu a 21 de dezembro na cidade. (...) Engano. Melhor informado retifico. Pessoa competente, que se achava em Passo Fundo na ocasião, afirma que Gervázio estava por esse tempo ausente, não podendo assim ter disparado adiante, nem mesmo com os companheiros. Só a luz da verdade me guia nesses apontamentos. (Guimarães, 1987, p. 34. Nota 12).

Esta atitude faz parte de uma das soluções encontradas pelos historiadores atuais para resolver o problema da percepção dos limites de seu trabalho, dando ciência dos acontecimentos, mas percebendo que talvez não esteja contando a totalidade do que exatamente aconteceu. Em suas notas de rodapé, Prestes Guimarães, em 1895, faz o que Peter Burke cita, em 1992, como uma grande novidade, em termos de escrita de História. Com sua narrativa densa, o escritor consegue lidar não apenas com a seqüência dos acontecimentos, mas também com as estruturas, ou seja, com as instituições, modos de pensar, espaço geográfico, explicando se elas atuam como um freio ou um acelerador para aqueles.

Podemos detectar alguns tipos de freio, a julgar pelos critérios já citados. O tempo ( 1987- pág. 30): " O inverno tombara no abismo do passado. Voltavam os oprimidos às lides cruentas da guerra." ; a igreja ( 1987 - pg. 21 - nota 8): "(...) Dizem que o vigário fizera preces para moderar aqueles horrores, e que dali em diante já não tiravam em grupos da cadeia, mas nem por isso a matança deixou de ser contínua e progressiva."; a natureza, em especial a mata, é muito referenciada por Prestes, vê-se que realmente ela torna-se mais um, na batalha, à semelhança da citação que faço agora (1987, p.39): "Santos Filho, estratégico e tático, simulou ferir combate nesse ponto, do "Umbu", porém, oculto por colinas quebradas e capões de mato, conseguiu avançar(...)" ou " ao inimigo que, a esse tempo, já se aproximava do Vallinho", protegido por farto banhado, que nasce junto à estrada geral do Passo Fundo a Nonoai. Ou ainda ( 1987,p.40): "O corpo ao mando do denodado Veríssimo, tenazmente perseguido, mas sempre tiroteando a vanguarda inimiga, entranhou-se na Serrado "Capo-Erê", ocupando com seus piquetes as bocas das diversas pica- das, e resguardando assim, nas sombras da vasta floresta, o depósito sagrado de tantas famílias honestas (...)"

Portanto, Antônio Ferreira Prestes Guimarães pode vir a comprovar, 111 anos depois, o que seus inimigos desafiavam nos tais versos satíricos: Não é pra qualquer do mundo/ ser delegado do paço/Precisa ter algum fundo/ Quem toma régua e compasso/. Prestes Guimarães, independente de sua fama como General, tinha fundo, régua, compasso, dom, e poderia muito bem estar sendo conhecido como um grande escritor, historiador e até poeta. Segundo nota que me foi fornecida pelo Prof. DAvila, Angelo Dourado, médico baiano e cronista da coluna revolucionária de Gomercindo, teria declarado, que depois da Batalha, nos arredores do Carovi, poucas horas antes do principal chefe revolucionário, Gomercindo, ser atingido mortalmente, havia encontrado Prestes Guimarães:

"Pouco adiante estava Prestes Guimarães à espera da coluna dele, e eu tinha que esperar a minha gente para mudar o meu cavalo. Deitamo-nos na grama e nossa conversa remontou às tristezas do exílio. Prestes Guimarães mostrou-me uns versos que escrevera no exílio, em Comentes. Eu os lia quando chegou um ajudante de Gomercindo que mandava apressar a marcha, [...]". Do livro "A Revolução Federalista em Cima da Serra" ainda faz parte o Diário de Campanha que, pela qualidade já exposta, de seu autor, merece uma análise profunda, em separado. Como isso não me é possível agora, em função do tempo, agradeço a todos e a todas, a atenção.

Obrigada!

Referências

  1. Ana Carolina Martins da Silva é professora de Língua Portuguesa e Literatura no NEEJA/ Passo Fundo, UERCS/Erechim/Vacaria / Veranópolis. Membro da Academia Passo- Fundense de Letras, cadeira nQ 17, de Emani Cuaragna Fornari