O retorno do titã

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O retorno do titã

Em 29/07/2005, por Marlise Groth


ANotícia

Joinville – Sexta-feira – 29 de julho de 2005 – SC-Brasil

O retorno do titã

Recuperada pela iniciativa privada, obra "O Fundidor", de Paulo de Siqueira, retoma espaço nobre em área pública

Marlise Groth

O retorno do titã em 2005 01


Joinville - O titã de sucata que homenageia os operários da indústria da fundição voltou a ser visto, ontem, pela comunidade que transita pelas ruas Albano Schmidt e Prefeito Helmuth Fallgatter, no bairro Boa Vista, zona Leste de Joinville. A escultura de Paulo de Siqueira (1949-1996), instalada entre o canteiro que separa as duas vias no acesso à Tupy Fundições retomou o seu posto depois de 40 dias. Inaugurada em março de 1979, a obra havia sido retirada pela Tupy, que aproveitou as mudanças no sistema viário e rotatórias para recuperar a escultura que marcou os 41 anos da empresa.

A reinstalação da escultura de sete metros de altura e 3,05 toneladas, durou duas horas e chamou a atenção de pedestres, operários e motoristas.

Embora a nova praça não esteja com o paisagismo pronto, o titã retoma seu espaço em área pública na semana do aniversário de nascimento de seu criador, Paulo de Siqueira, que amanhã completa nove anos de morte. Paulo de Siqueira nasceu em 26 de julho de 1949, em Soledade, no Rio Grande do Sul, e morreu em Chapecó, no Oeste catarinense, em 30 de julho de 1996.

O objetivo é homenagear o artista e chamar a atenção para a necessidade de respeito às obras públicas, maculadas pelo vandalismo e também pelo abandono. Enquanto "O Fundidor" recebeu tratamento de estrela nos galpões da fundição, onde uma equipe de funcionários da própria empresa se envolveu no processo de recuperação, substituindo peças danificadas por semelhantes, realizando o jateamento de granalhas para retirar a sujeira e oxidação e depois na pintura, com tinta antioxidante, outras obras monumentais de Paulo de Siqueira carecem de atenção em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, inclusive em cidades que poderiam aproveitá-las como atrativo turístico.

Conforme a pesquisadora da vida, obra e legado do artista, a arte-educadora Maria Helena Scaglia, embora a grande maioria das obras de Paulo de Siqueira estejam em áreas públicas como praças e jardins, seu legado ainda é pouco difundido e valorizado.

Envolvida com a obra do artista desde 1994, Maria Helena já catalogou 73 obras, sendo 36 monumentos com mais de 2,5 metros de altura, nos dois Estados. Apesar das esculturas aparecerem com mais força em Passo Fundo (RS) e em Chapecó, onde o artista gaúcho se estabeleceu no final dos anos 70, início dos anos 80 - construindo, inclusive, o "Monumento ao Desbravador" -, também existem obras suas em Joinville, Florianópolis, Caçador, Joaçaba, Maravilha, Coronel Freitas, Pinhalzinho, Criciúma e Balneário Camboriú.

Nesta última, Paulo de Siqueira construiu titãs na avenida Atlântica e uma sereia próximo à BR-101, ao lado do Hotel Cortesia e Auto-posto Sereia. De acordo com a gerente do hotel, Édina Wittner, a parte superior da escultura, incluindo a cabeça, caiu e não há recursos no momento para recuperação: "Mas está tudo guardado".

No Estado vizinho, esculturas monumentais podem ser vistas em Serafina Correia - onde está uma das maiores, a chamada "La Nave degli Imigranti", com 20 metros de comprimento e 15 de altura -, Cacique Doble, Encantado, Frederico Westpalen, Tenente Portela e Porto Alegre. Na capital gaúcha, um trabalho suspenso, nas lojas Grazziotin, é formado por cinco figuras que remetem ao imaginário regional e tem cerca de 15m de altura, com mais de três toneladas de peso. O último monumento do artista foi realizado em Corrientes, na Argentina, quando se oficializou o tratado do Mercado Comum do Sul, o Mercosul.

"É comum ver esculturas descartadas. mas raras são atitudes como a da Tupy, que investe pela terceira vez em recuperação", destaca Maria Helena, valorizando a iniciativa da empresa que contratou o artista em 1979 para a criação e desenvolvimento de uma obra pública. Para José Francisco Reitz, da área de comunicação da Tupy, a obra é um marco tanto para a indústria como para os funcionários, por isso a importância de sua manutenção. "Há identificação com o trabalho, com a nossa matéria-prima. E isso pôde ser visto no rosto dos funcionários que atuaram nessa recuperação, trabalharam com orgulho e habilidade para manter as características originais da criação", observa.

Segundo ele, "O Fundidor" é uma obra pública, mas como foi uma encomenda da Tupy para homenagear a cidade e seus trabalhadores, a manutenção é responsabilidade da empresa. "Assim como é compromisso de todo cidadão zelar pelos bens culturais que lhe são disponibilizados", completa. Reitz não revela o quanto a Tupy gastou na recuperação da escultura, mas afirma que a iniciativa faz parte da prática de investimento cultural da empresa e que a idéia é estimular iniciativas semelhantes no Estado e região.

Legado

De acordo com a arte-educadora Maria Helena Scaglia, o legado de Paulo de Siqueira não se resume aos monumentos. O artista que se identificava com a figura de Dom Quixote e chamava atenção pelo modo desregrado de viver - criando em troca de hospedagem e alimentação, ou trocando obra por combustível para abastecer o carro, por exemplo - também é expressivo na pintura. Nessa modalidade, ele transitava por universos distintos do seu habitual, marcado pelas figuras quixotescas e mitológicas de onde surgiam os titãs.

Mergulhava no surrealismo, no abstrato, na natureza morta, no lúdico, na paisagem, na figura humana. Chegou a pintar o retrato de uma de suas patrocinadoras gaúchas e, antes de morrer, incursionou pelas cenas sacras e bíblicas como pode ser observado no painel criado para o terminal rodoviário de Chapecó. Entre os trabalhos não acabados, deixou a imagem de Jô Soares.

Na busca pelo reconhecimento do trabalho do artista, Maria Helena não pára. Essa semana fechou contato com um antigo professor e amigo de Paulo de Siqueira que se transferiu da região Oeste para o Litoral. "Quero trocar experiência, mostrar meus arquivos e, quem sabe, conseguir um apoiador nessa jornada", explica. A arte-educadora também pede que a comunidade se manifeste, comunicando a localização de monumentos e auxiliando no encontro/catalogação de outras obras. "Sabemos que existem muitas peças que foram trocadas pelo artista aqui e ali, mas faltam endereços", enfatiza. Interessados em colaborar podem fazer contato pelo (47) 9915-7986, em horário comercial ou ou pelo e-mail ssgisa@ig.com.br .