O nicho 3598
O nicho 3598
Em 26/07/2019, por Gilberto Rocca da Cunha
No nicho 3598, na quadra 6, no Cemitério São João Baptista, em Botafogo, no Rio de Janeiro, repousam os restos mortais de Delorges Alves Caminha. Localizado a cerca de 100 m do pórtico de entrada, em uma área não tão nobre do famoso Campo Santo criado em 1852 por Dom Pedro II, que se destaca pela beleza arquitetônica e pelas celebridades ali sepultadas, esse nicho, que faz parte de um grande bloco, denota certo abandono. As letras que formam o nome Delorges A. Caminha e as duas datas simbólicas, nascimento e morte, estão apagadas; ainda que ostente uma pequena floreira frontal onde uma crassulácea teimosa insiste em vingar. Sim, essa pequena planta e o fato do seu ocupante não ter ido parar no ossário do cemitério são indícios que alguém zela pela manutenção do nicho 3598.
O nome Delorges Caminha é bem conhecido em Passo Fundo. Os irmãos Heleno Alberto e Marco Antonio Damian, no monumental livro documento Páginas da Belle Époque Passo-fundense, traçaram o mais completo perfil biográfico de Delorges Caminha que se pode encontrar. Segundo os irmãos Damian (e outras fontes), Delorges Alves Caminha nasceu em Passo Fundo a 6 de outubro de 1902. Era filho do casal Antonio Manoel Caminha e de Raphaela Alves Caminha. O pai, também conhecido como Geolar Caminha, possuía uma farmácia na Rua do Comércio (atual Avenida Brasil). Delorges teria feito parte do Grupo X de Comédias e Variedades, criado em 1921. Nesse mesmo ano ou no seguinte (1922), partiu de Passo Fundo engajado como auxiliar de cenógrafo numa companhia de teatro. Iniciou a carreira de ator na Companhia de Déa Silva (Jandyra Berard Cazarré) e Darcy Cazarré. No final dos anos 1930 montou a sua própria companhia teatral.
Delorges Caminha estreou no cinema em 1936, no filme Bonequinha de Seda. Nessa película, contracenou com Gilda de Abreu, casada com o galã Vicente Celestino. A atriz não gostou de ter tido o marido preterido por Delorges, pelo diretor Oduvaldo Viana. Esse filme, um marco da cinematografia nacional, passou no Cine Teatro Coliseu, em Passo Fundo, num final de semana, 29 e 30 de maio de 1937, com sessão única no sábado (20h30) e dupla no domingo (19h e 21h). Voltaria em cartaz, no mesmo Coliseu, nos dias 7 e 8 de setembro de 1939. A participação de Delorges na película movimentou a cidade. A relação de filmes e peças que ele participou, quer seja como ator ou diretor, é imensa. Atuou em novelas, como O Homem Proibido (1967), de Gloria Magadan, e Irmãos Coragem (1970), de Janete Clair, na Rede Globo.
Em 1944, Delorges Caminha emprestou o nome para o grupo Escola de Teatro Amador Delorges Caminha, criado em 18 de agosto daquele ano. Segundo o Dr. Paulo Giongo, um dos expoentes desse grupo, Delorges vinha seguidamente a Passo Fundo prestigiar o grupo e mandava peças registradas na SBAT- Sociedade Brasileira de Autores Teatrais para serem encenadas localmente. O grupo, que funcionou entre 1944 e 1966, se reunia num salão de madeira junto à quadra de esportes da Escola Estadual de Ensino Médio Protásio Alves.
Delorges Caminha foi casado com a atriz Lúcia Delor (1934-1944) e, posteriormente, com a sua ex-enteada (teria sido o nosso Woddy Allen dos Pampas?), a também atriz Maria do Céu (1947-1952), que era filha de Lúcia Delor. O seu relacionamento mais duradouro foi com a atriz Henriette Morineau (1954-1971). Teve dois filhos adotivos, Carlos Alberto e João Alberto. Vitimado por um edema pulmonar, faleceu no Rio de Janeiro, no dia 19 de abril de 1971.
Em 2017, Delorges Caminha foi homenageado com uma exposição que reuniu fotos, textos e notícias de jornais, na sala Desdêmona Machado Aires, no Teatro Municipal Múcio de Castro, com curadoria do historiador Ney d`Ávila e do escritor Marcos de Andrade. E a municipalidade, pela Lei Nº 5353, de 25 de setembro de 2018, também rendeu o seu tributo ao ilustre passo-fundense, dando a denominação de Rua Delorges Alves Caminha à antiga Rua B do Loteamento Canaã. (O colunista agradece ao bibliófilo Wenceslau Teixeira, radicado no Rio de Janeiro, pela localização do nicho 3598, no Cemitério São João Baptista.)