O domador de vaidades
O domador de vaidades
Em 30/11/2004, por Gilberto Rocca da Cunha
O domador de vaidades
GILBERTO R. CUNHA
Não nos cabe questionar os desígnios e as vontades de Deus. Sabe-se lá por que motivo ele resolveu chamar o Gilberto Borges para o céu, no último dia de agosto de 2002. Talvez andasse à cata de um editor para uma nova versão da bíblia, e, não se fazendo de rogado, procurou logo um bom. Ou, sob uma ótica materialista, tudo não passou de mais um coração que, entre uma sístole e uma diástole, acabou explodindo, no meio de um jogo de futebol. Eu, sinceramente, fico com a primeira opção.
Quase tudo já foi dito sobre o Gilberto Borges, desde o seu inesperado passamento. No necrológio publicado em O Nacional, na terça-feira, 3 de setembro de 2002, pode-se encontrar um minucioso perfil da sua trajetória pessoal e profissional. Desde os tempos de estudante em Passo Fundo, ator de teatro amador, militante político, escritor, engenheiro-agrônomo, até chegar à condição de empresário, inovador e criativo, na área editorial e em organização de eventos. Ou ainda, nesse mesmo jornal, em artigo assinado pelo dr. Hugo Lisboa (A agricultura e a ecologia estão de luto. Faleceu Gilberto Borges. Página 2, quarta-feira, 4 de setembro de 2002), que deu destaque para o intelectual inquieto e a figura humana ímpar do Gigi.
De qualquer forma, sempre cabe dizer algo mais sobre pessoas como Gilberto de Oliveira Borges. E ainda por cima, quando se acredita que, apesar do muito que foi dito, faltou um detalhe essencial. O algo mais que, na nossa visão e por experiência vivida, fazia dele uma pessoa singular. Talvez tenha sido essa, a par de todas as qualidades destacadas, a razão maior do seu sucesso pessoal e profissional.
Conheci o Gilberto Borges no começo dos anos noventa. Era o homem da Revista Plantio Direto, sempre atento às novidades, na área científica, para o setor agropecuário. Nunca fiz parte da sua relação de amigos, por isso tenho isenção para escrever, sem qualquer comprometimento emocional. Fui colaborador, com artigos assinados, em vários números da sua Revista Plantio Direto. Também participei como palestrante em eventos promovidos por ele. O mais recente em julho de 2002, em Erechim. Seguidamente conversávamos, pois, a cada número que saía da Revista Plantio Direto, ele fazia questão de uma visita e de entregar pessoalmente um exemplar de cortesia.
Admirava o Gilberto Borges, principalmente, pelo seu jeito de tratar as pessoas. Essa característica tornava-o querido por todos. Sabia lidar com os egos inflados da comunidade científica, e com as vaidades das personalidades ligadas ao sistema plantio direto, reunindo-os em eventos sem precedentes, que muito beneficiaram o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Ele, discretamente, semeou seminários, simpósios, reuniões, encontros, exposições etc, além de ter publicado, pela Aldeia Norte Editora, a Revista Plantio Direto e diversos livros para o setor.
Segue uma pequena história para ilustrar a sua sensibilidade no trato pessoal, Um dia, a recepcionista da Embrapa me ligou, dizendo que o Gilberto Borges estava lá e queria falar comigo. Eu: - Pede para ele subir, por favor! - Alguns minutos depois, ele bateu na porta da sala, entrou, não disse nada, e mostrou uma folha de papei com o desenho de um cartoon. Segundos depois, perguntou: - Que tal? - Comentários evasivos, de ambas as partes, e ele emendou: - Queria dizer que estou organizando um evento aqui na Embrapa e convidei um palestrante de São Paulo para falar sobre clima. Espero que você não fique chateado com isso. - De forma nenhuma-, foi a minha resposta. Com o episódio do cartoon ele havia desarmado qualquer animosidade de espírito possível, e tratou do assunto que o incomodava. Demonstrou que estava sensível ao que eu poderia pensar do fato, e que gostaria de contar no futuro com colaborações minhas. O que de fato acabou acontecendo.
Perdão pela tristeza, mas, para resumir tudo, o Gilberto Borges foi "um encantador de pessoas". Ou, se preferirem, profissionalmente: um grande domador de vaidades.