O comerciante e os ambientalistas

From ProjetoPF
Jump to navigation Jump to search

O comerciante e os ambientalistas

Em 30/04/2006, por Gilberto Rocca da Cunha


O comerciante e os ambientalistas[1]

Entrevista José João Holzbach

"Eu acho que falta apoio do poder público municipal, em todos os setores. Os "fanatológicos" é que impedem a instalação de empresas em Passo Fundo."

"Incomodei-me demais, me desgostei, tive imensos prejuízos e acabei decidindo por encerrar as atividades da empresa, inclusive o setor de confecção, e junto se foram aproximadamente 500 empregos diretos."

José João Holzbach, mais conhecido com J. J. Holzbach, chegou a Passo Fundo, em dezembro de 1944. Associou-se ao tio José Pedro Kieling, proprietário da loja "jóta-pê-kilígue", a Casa Kieling, situada na Rua Bento Gonçalves, ao lado do Hotel Franz, defronte ao Banco Nacional do Comércio, num empreendimento que viria a se constituir na empresa J. P. Kieling & Cia.

J.J. Holzbach iniciou seus estudos em Getúlio Vargas, onde nasceu em 10 de março de 1926, sendo filho de Albino Holzbach e Maria Altmeier. Freqüentou a escola em Erechim e concluiu o curso de guarda-livros no Colégio Conceição, em Passo Fundo, no ano de 1945, formando-se contador aos 20 anos. No Colégio Conceição, acabaria lecionando, gratuitamente, durante sete anos, no curso noturno. Está casado com Maria Terezinha Matte, filha do madeireiro Marico Matte, com que teve os filhos Maristela (enfermeira e professora da UPF), Marco Aurélio (químico, residente em Passo Fundo), Margarete (enfermeira, em Roraima) e Maria Elisabeth (empresária, em Miami/USA).

Comerciante, industrial, exportador e importador, J. J. Holzbach transformou um pequeno curtume em duas sólidas unidades industriais da CIPLAME - Companhia Industrial Planalto Médio, que além do beneficiamento de couro de porco também produzia roupas de couro para exportação. A empresa que, segundo o entrevistado, chegou a ter 505 empregados, encerrou suas atividades em meados da década de 1990, após uma longa demanda envolvendo os órgãos responsáveis pela proteção ambiental, associações de moradores e a Defesa Comunitária (órgão especializado do Ministério Público Estadual).

Além de suas atividades empresariais, J. J. Holzbach sempre teve inserção na sociedade passo-fuendense, como membro atuante do Rotary Club de Passo Fundo e colaborador de diversas entidades assistenciais da cidade. O empresário, hoje aposentado, concedeu esta entrevista especial aos membros da comissão editorial da Revista Agua da Fonte, na sede da APL, no dia 15 de outubro de 2005, contando com a presença dos acadêmicos Pedro Ari Veríssimo da Fonseca, Santo Claudino Verzeleti, Helena Rotta de Camargo, Santina Rodrigues Dal Paz, Jurema Carpes do Valle, Getulio Vargas Zauza, Gilberto R. Cunha e Paulo Monteiro.

APL - Onde o senhor nasceu?

J.J. Holzbach - Eu nasci em Getúlio Vargas no dia 10 de março de 1926. Na época Getúlio Vargas pertencia a Erechim. E Erechim se chamava Paiol Grande. Aliás, hoje tem toda uma discussão se Erechim se escreve com "x" ou com "ch". Eu costumo dizer que para os italianos deve ser escrita com "ch", mas como é uma palavra de origem indígena deve ser escrita com "x", como todas as outras palavras tupi-guarani. Depois de Paiol Grande, teve os seguintes nomes: Boa Vista do Erexim, José Bonifácio (durante a II Guerra Mundial) e o nome atual.

APL- E a origem de sua família, no Brasil?

J J. Holzbach - Meu bisavô saiu da Alemanha para uma colonização no Paraguai. Ali meu avô nasceu. Mudou-se para o Brasil, só falando guarani. Veio aprender alemão no Brasil, onde se casou com uma alemã. Um irmão dele foi para o Mato Grosso, diretamente do Paraguai. Eu consegui localizá-lo, já velho. Meu pai, nascido no Brasil, foi um dos primeiros colonizadores de Getúlio Vargas. Tanto que minha irmã mais velha, que já tem 90 anos, nasceu ali. A povoação começou no alto do morro, depois mudou para a parte mais baixa.

APL- Seu pai foi um dos primeiros industriais de Getúlio Vargas?

J J. Holzbach - Sim. Meu pai começou com um curtume: o "Curtume Erê". Curtia couro de porco. No começo curtia de tudo e fazia trabalhos de selaria. Perdi meu pai muito cedo, quando eu tinha nove anos. E a empresa já contava com uns cem empregados. Todo o couro ia para o Rio de Janeiro e São Paulo, para forro de calçados.

APL - O que o senhor sabe sobre a colonização de Getúlio Vargas? Havia índios e posseiros caboclos? E a Revolução de 23?

J.J. Holzbach - Não tinha mais índios da região. Também não existiam posseiros. As terras eram devolutas e foram colonizadas por um órgão do governo chamado Comissão de Terras. Quanto à Revolução de 23... contavam muitas histórias. Falavam que degolaram muita gente no alto do morro, onde havia muito poço abandonado. Dizem que um tal de Trajano levava os presos para lá, onde eram degolados e jogados dentro dos poços.

APL - Havia outras indústrias em Getúlio Vargas?

J.J. Holzbach - Sim. Foi criada uma espécie de cooperativa para o benificiamento da banha e da carne de porco. Havia também o Curtume Padaradz. Tinha a Cervejaria do Bramati, que foi vendida para a Brhama. Quando esta fechou as portas, o prefeito Plácido Scussel liderou um movimento. As pessoas se cotizaram, compraram a existência da Brhama e fizeram a Serramalte.

APL - Como foram seus estudos?

J.J. Holzbach - Comecei meus estudos em Getúlio Vargas mesmo, onde fiquei até os 13 anos. Depois fui estudar em Erechim, onde havia uma escola de guarda-livros, no Colégio Medianeira, dos irmãos Maristas. Me formei em 11 de dezembro de 1944 e dois dias depois vim para Passo fundo.

APL- O senhor veio trabalhar aqui?

JJ. Holzhiich - Meu pai linha um cunhado, José Pedro Kieling. Juntos haviam montado uma loja de artigos de couro na Rua Bento Gonçalves, ao lado do Hotel Franz. Vim visitar meu tio c ele me convidou para trabalhar com ele, como contador da empresa. Eu não tinha um tostão no bolso, mas disse que só ficava trabalhando se ele me aceitasse como sócio. Topou. Algum tempo depois meu tio resolveu se mudar de Passo Fundo. Comprei a parte dele. Ampliei a empresa. E como sempre tive paixão pelo comércio exterior, comecei a fazer negócios com o estrangeiro.

APL-Como começou essa paixão?

JJ. Holzbach - Eu tive dois professores que eram franceses. E um deles falava muito sobre a importância do comercio exterior. Isso ficou na minha cabeça. Li muito sobre o assunto. Tornou-se quase uma idéia fixa. Logo depois da Segunda Guerra a Brahma trouxe um técnico alemão. Ele pediu que eu lhe desse aulas de português. Como eu vendia agulhas para máquina de patente elástica (uma máquina de fabricação alemã, com uma espécie de braço, usada até hoje para costurar cano de bota) e essas agulhas eram escassas devido à guerra, ele me falou que conhecia pessoas da empresa fabricante. Entrei em contato com elas. Cada agulha custava trezentos réis e eles só vendiam o mínimo de mil agulhas. Fiz os cálculos e encomendei 100 mil agulhas. Chamaram-me de louco. Em pouco tempo vendi quase todas, a novecentos réis cada uma, para outros comerciantes. Tive um bom lucro. Comecei a importar máquinas para sapateiros. E isso é uma coisa que me chamou muita atenção. A Alemanha, arrasada pela guerra, atirou-se imediatamente à produção.

APL - E o ensino era muito diferente?

J.J. Holzbach - Era. Em Erechim, no meu último ano de estudos, eu aprendia na prática, durante a semana, trabalhando no Banco do Brasil, na prefeitura e na Pagnonceli, e nos sábados, discutíamos com os professores nossas experiências. Cheguei a receber proposta do Banco do Brasil para ingressar no seu quadro funcional depois de concluir meus estudos.

APL- O senhor, como comerciante, chegou a vender em outros estados?

J J. Holzbach - Eu tinha vendedores que cobriam todo o Rio Grande do Sul e o Oeste de Santa Catarina e do Paraná. Vendíamos couros e equipamentos para sapateiros e seleiros. Cheguei a fabricar tamancos e chinelos coloniais durante uns dez anos. As cepas dos tamancos eram feitas de açoita-cavalo, que eu importava do Paraná. Depois só me dediquei à intermediação de couros.

APL- Mas aqui, em Passo Fundo, o Sr. foi professor de Contabilidade?

JJ. Holzbach - Eu já era formado guarda-livros e fui fazer o curso de Contador no Colégio Conceição. Na época era na frente do Hospital São Vicente, onde hoje é o Campus II da UPF. Depois de formado, faltou professor de Contabilidade, para o turno da noite. O colégio já estava onde hoje se localiza atualmente. O irmão Cipriano, que era o diretor, me convidou para lecionar. Só aceitei com uma condição: não receber salários. Trabalhei durante sete anos. E só parei quando me casei. Mesmo tendo pago meus estudos, como sempre fui bem atendido pelos irmãos maristas, e o colégio tinha muitas dívidas com a construção do novo prédio, entendi que deveria dar essa minha colaboração.

APL - E como o senhor começou a exportar?

JJ. Holzbach - Na década dc 1960, a maior empresa de Passo Fundo se chamava Lago & Iaione. Tinha moinho e atacado, comprava todo tipo de cereal e ainda possuía um curtume, perto da atual Vila Planaltina. Estava construindo até um frigorífico. A empresa entrou em crise e foi nomeada uma junta interventora. Eu nem estava em Passo Fundo e meu nome foi incluído entre os interventores, Eu não queria assumir essa responsabilidade, mas como tinha muitos amigos que eram avalistas da empresa e eles insistiram comigo, assumi. Conseguimos pagar todas as dívidas. Como a Lago & Iaione possuía um pequeno curtume que estava sucateado, terminei por adquirir esse curtume e reorganizá-lo com o nome de CIPLAME - Companhia Industrial Planalto Médio Ltda.. no começo dos anos 1970. A época só existia a unidade da Planaltina, mais tarde abri outra unidade na Vila Ricci, adquirindo um pequeno curtume que pertencia a Sinva! Bernardon. Fiquei com o curtume até nove anos atrás, quando fechei por imposição dos órgãos do meio ambiente. Cheguei a fazer investimentos, mas o então delegado regional de Saúde, Júlio Teixeira, não concordou com os equipamentos. Chegaram expedir ordem para me prender. Como eu não estava, prenderam meu filho, que era gerente. Logo ele foi solto. A CIPLAME chegou a ter até 505 empregados.

APL-A CIPLAME trabalhava com que tipo de couro?

J.J. Holzbach - Trabalhava só com couro de porco. Para modernizar a empresa importei maquinaria. Consegui esses recursos junto ao BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento, devido à credibilidade pessoal, pois a equipe que veio fazer levantamento na empresa deu parecer contrário. Fui a Porto Alegre, falei com os diretores do Banco e consegui CR$ 1.100.000,00. Depois, obtive junto ao Banco do Brasil mais CRS 100 mil para aquisição de matéria prima, o que dava para trabalhar durante uns três meses. Comecei a desenvolver a empresa e paguei tudo. Aí é que entrei efetivamente para o comércio exterior. Conheci um importador da África do Sul, em Porto Alegre, que gostou dos nossos produtos e comecei a exportar para aquele país. Logo depois participei de uma feira em Paris. Fiz contatos com diversos importadores. Realizei alguns negócios muito bons. E comecei a realizar viagens para o exterior, abrindo novos mercados. Chegamos a exportar 90% de nossa produção.

APL - E era grande a quantidade de couro negociado?

J.J. Holzbach - Eram seis toneladas por dia, o equivalente a dois mil couros de porco salgados. De cada couro se faz dois, pois é dividido ao meio. O couro é curtido em fulões (grandes tambores de madeira onde o couro gira lentamente, umedecido com água e produtos químicos). O couro para exportação era mais para vestuário.

APL - Como começou a fabricação de roupas de couro?

J.J. Holzbach - Comecei a observar como eram feitas as confecções de couro. A maior parte dos clientes me visitava aqui. Eu também os visitava no exterior. Victor Massa, um cliente italiano veio ao Brasil e decidiu fazer uma sociedade comigo para fabricar roupas no Brasil. Insistiu que a fábrica deveria funcionar em Canoas. Montamos lá. Depois de poucos meses consegui convencê-lo a transferir o negócio para Passo Fundo. Os técnicos eram um casal de italianos. A mulher não se adaptou e eles voltaram para a Itália. Aí veio um técnico solteiro, que durou mais tempo. Meu sócio teve problemas com grevistas. Perdeu muito dinheiro e me vendeu sua parte na sociedade. Fui procurar mercado no Canadá. Como não havia transporte aéreo direto para lá, fazia escala em Nova Iorque. Certa feita resolvi parar alguns dias naquela cidade norte-americana. Fiz alguns contatos com empresas. Conheci um empresário judeu que gostou dos produtos que lhe mostrei. Ficou de vir a Passo Fundo para conhecer as instalações da empresa. Veio, viu e gostou. De início me pediu dois mil casacos femininos. Mandou os moldes. Fiz um, de amostra, e enviei para ele. Gostou e comecei a fornecer entre dois mil a três mil casacos por mês. Um dia ele me passou um fax para que fosse urgente a Nova Iorque, pois tinha uma proposta muito importante para me fazer. Peguei uma pasta e viajei só com a roupa do corpo. Acabei detido no aeroporto de Nova Iorque. Como não levava roupas pessoais, desconfiaram de mil. Tive que me despir e revistaram até meus sapatos. Fiz inúmeras viagens ao Exterior e essa foi a única vez que isso me aconteceu.

APL - Mas o negócio acabou dando certo...?

J.J. Holzbach - Quase não deu certo por meio dólar por peça. Acabei negociando 60 mil casacos de um modelo em quatro cores, para entregar em cinco meses. Tive de aumentar o número de funcionários da confecção, para 140 empregados, mas cumpri o contrato. Na época a CIPLAME era a maior produtora de roupas de couro do Brasil. Hoje tem muita empresa no ramo, a maioria delas pequenas. Eu nunca usei intermediário. Negociava direto com os importadores. Quando a empresa fechou, eu vendia quase só para a América do Norte.

APL - Por que a CIPLAME teve de importar couro de porco?

J. J. Holzbach - Nos anos 1980, o governo federal proibiu que o couro de porco fosse retirado. Uns diziam que era anti-higiênico. Para mim anti-higiênico é comer couro de porco, com a raiz dos pelos. Aí tive de importar couro da Alemanha, Itália, Estados Unidos e até da Rússia. Só que o couro russo entrava através da Itália. Fui ao Japão e comprava entre 160 a 170 toneladas por mês de couro de porco. Era o couro de melhor qualidade. Lá eles abatem o porco com seis meses de idade. O couro acaba saindo com uma fibra mais homogênea. Nos outros países, devido às diferenças de idade entre os porcos, os couros não são homogêneos. O Japão cria mais porcos do que o Brasil. E consome mais também. Conheci um dono de frigorífico que criava porcos num edifício com vários andares. Ele beneficiava o couro, conseguindo películas muito finas que eram usadas nos hospitais. Os médicos colavam essas películas sobre os locais de cirurgia, melhorando na recuperação da pele humana e até em casos de pessoas que sofriam queimaduras graves. Os japoneses não apenas criam mais porcos, mas consomem mais carne suína do que os brasileiros. Nessas minhas viagens cheguei até a União Soviética. Encomendei 500 toneladas de couro, que nunca recebi. Segundo o agente alemão que me acompanhou é porque não paguei propina. Na União Soviética até os motoristas de táxi cobravam propina. E eu não dava propina. Aprendi que, no estrangeiro, a gente não deve ferir nenhuma lei do país. E também não estava a fim de ter problemas com a polícia secreta soviética... a temida KGB. Na época eu tinha a idéia de montar uma fábrica de gelatina, aproveitando os refugos dos frigoríficos.

APL - Em Passo Fundo os empresários são apoiados?

JJ. Holzbach - Aqui, cm Passo Fundo, eu acho que falta apoio do poder público municipal, em todos os setores. Acho que os "fanatológicos" é que impedem a instalação de empresas em Passo Fundo. São um ou dois que fazem uma encrenca desgraçada. E isso reflete em todo o mundo. Carazinho já está muito mais industrializado do que Passo Fundo. Os jornais daqui dão cobertura a tudo isso. Nunca vi os poderes públicos de Passo Fundo, nestes 60 anos, dar qualquer apoio.

APL - O senhor idealizou o primeiro edifício de apartamentos de Passo Fundo?

J. J. Holzbach - Minha mulher queria morar num prédio de apartamentos, mas não existia esse tipo de construção na cidade. Comentei o caso com um grupo de amigos. E surgiu a idéia de construção. Conseguimos negociar o terreno com o Dr. Frederico Dauth, desde que a prefeitura retirasse uma ação de desapropriação. Procurei o prefeito Mário Menegás. E ele me propôs isenção de impostos municipais de um ano para cada andar do edifício. Foi em 1964. Construímos o Edifício Planalto, com 12 andares, e ganhamos 12 anos de isenção. Dos construtores do edifício sou o único que ali mora até hoje.

Referências

  1. Da Revista Água da Fonte n° 4