O Prédio da Academia Passo-Fundense de Letras

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O Prédio da Academia Passo-Fundense de Letras

Em 2008, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


O Prédio da Academia Passo-Fundense de Letras

Paulo Domingos da Silva Monteiro[1]


O primitivo prédio da Academia Passo-Fundense de Letras, situado na Avenida Brasil 792, foi construído em 1912 pelo Clube Pinheiro Machado, entidade social que congregava os adeptos do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), liderado então por Antonio Augusto Borges de Medeiros, presidente (governador) do Estado. Do edifício original, hoje, resta muito pouco, principalmente a fachada, em estilo neoclássico, segundo os arquitetos Dávio Duro e Jeanine Starhn, que elaboraram um laudo de vistoria no dia 3 de abril de 1990.

O mesmo laudo apresenta algumas informações interessantes sobre a arquitetura original da edificação. Suas fundações eram em pedras de basalto irregular, diretas e rasas, e encontravam-se em relativo estado de conservação, considerando alguns pontos de infiltração de água das chuvas.

Quatro anos antes (2 de abril de 1986) o prédio já merecera análise de uma comissão de técnicos: arquitetos Antônio Frediani da Fonseca e Fernando Weck dos Santos e o engenheiro civil José Luiz Kröner Bicca, esclarecendo que a técnica construtiva utilizada era de alvenaria autoimportante de tijolos maciços. As paredes do subsolo tinham espessura de 60 com em tijolos maciços de ótima qualidade, a maioria sem reboco, e as paredes do pavimento principal apresentavam uma espessura de 45 cm.

Afirmavam que “É flagrante em nossa cidade, o desrespeito que a comunidade em geral e os meios empresariais em particular, têm com seu próprio patrimônio histórico-artístico-cultural. Parece até que existe vergonha de seu passado, tal é o ímpeto de destruir os testemunhos de sua própria história”. E concluíam pela viabilidade técnica de recuperar o prédio. Poucos anos depois aquele desrespeito de que falavam os técnicos, somado à omissão das autoridades constituídas, levavam a que apenas a fachada do prédio da Academia Passo-Fundense de Letras apresentasse condições de preservação.

Como vimos, o prédio foi construído em 1912, mas só quatro anos depois, a 31 de maio de 1916, Basilico Lima, então presidente do Clube Pinheiro Machado, e os proprietários do terreno, Herculano Trindade e sua mulher Lucinda de Lima Trindade, formalizaram a negociação. Pelo documento, sabemos que o imóvel onde hoje funciona o Teatro Múcio de Castro já existia, e era um teatro. Para o outro lado (“poente”), onde atualmente se localiza uma loja comercial, era um terreno baldio, dos mesmos vendedores, que ficaram autorizados a edificarem, aproveitando a parede lateral do Clube, “não podendo estabelecerem forno ou cozinha ligado à mesma parede”.

O prédio serviu para diversas atividades. De início, ali se reuniam os homens que dominavam a política passo-fundense, além de realizarem bailes e reuniões sociais. Devem ter traçado planos para enfrentar a Revolução de 23, que “estourou” em Passo Fundo, mais precisamente num local conhecido como “Capão Alto”, entre esta cidade e do distrito de Carazinho. Seu líder foi o deputado estadual Arthur Caetano da Silva, representante dos libertadores passo-fundenses, antigos federalistas, na Assembléia Estadual.

Quando, em janeiro daquele ano, os revolucionários cercaram Passo Fundo, o prédio serviu de trincheira para as forças legalistas. Acossados pelos libertadores, os antigos pica-paus e as foças do próprio Exército Brasileiro tiveram de abandonar o quartel do Exército, protegendo-se no Clube Pinheiro Machado, um dos últimos baluartes da legalidade.

Entre 1929 e 1932 serviu para a formação de professoras, com a instalação da Escola Complementar, gênese da atual Escola Estadual de Ensino Médio Nicolau de Araújo Vergueiro. Após abrigar algumas repartições públicas, passou a sediar o Grêmio Passo-Fundense de Letras, fundado no dia 7 de abril de 1938, transformado em Academia Passo-Fundense de Letras, a 7 de abril de 1961. A Biblioteca Pública de Passo Fundo ali atendeu ao público até meados de 1973, quando foi transferida para o prédio onde se localiza. Como se vê a história do prédo-sede da Academia Passo-Fundense de Letras se confunde com mais da metade da história do Município de Passo Fundo. Ninguém pode discutir a importância desse patrimônio.

Os acadêmicos sempre sonharam que a propriedade do edifício passasse para o sodalício. Tanto sonharam – e lutaram – que no dia 17 de dezembro de 1971 Frederico Garaeff Fº, Apparício Lângaro, Almiro Ilha, Americano Bastos, Henrique Scarpelini Ghezzi, Ernesto Formigheri, Ruy Vergueiro, Bazilio Tassi, Altthonobre Ferreira da Luz e Túlio Fontoura, remanescentes do Clube Pinheiro Machado, doaram o terreno e o prédio à Academia. Enfim, a confraria literária dispunha de sede própria.

O sonho da sede própria, agora, era realidade, mas o pesadelo da recuperação continua até hoje. É um longo e tenebroso pesadelo, com uma característica vergonhosa: dilapidar o patrimônio da Academia e consumir recursos públicos. E já dura, comprovadamente, mais de 43 anos.

No dia 3 de janeiro de 1964 o jornalista e acadêmico Túlio Fontoura comunicava aos seus pares que convidara o deputado Antonio Bresolin “para consignar verba para a futura sede da Academia e da Biblioteca Municipal”. A 6 de novembro do mesmo ano o parlamentar já havia destinado verba à Academia sendo designado o consócio Túlio Fontoura para recebê-la. Em 28 de maio de 1965 há registro de que a verba de Cr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros) não tinha sido recebida, chegando a ser contratado o Escritório Jurídico Dr. Carlos Leite Costa, de Porto Alegre, para cobrá-la. Não se encontra registro de que a Academia tivesse recebido o valor destinado pela Câmara dos Deputados.

Como se viu, a preocupação em legalizar a posse do prédio, marchava lado a lado com a de sua recuperação.

Em princípios de 1974 Romeu Pitham, presidente da Academia, manteve entendimento verbal com o prefeito Edú Vila de Azambuja, posteriormente aprovado pelo plenário da associação, no sentido de que fosse liberado o prédio do sodalício para que, juntamente, com os outros próprios municipais limítrofes fosse alienado. Em contrapartida o Executivo Municipal permitiria o uso exclusivo e permanente de um gabinete para a Presidência e Diretoria da Academia; uma sala de reuniões com acomodações para, pelo menos, 50 pessoas; um auditório para, no mínimo 100 pessoas e instalações para biblioteca. Exigia, ainda moradia para Dorival Guedes, velho servidor municipal, que ocupava o prédio da academia há mais de 30 anos. A proposta, de 6 de maio de 1974, não saiu do papel.

Em 1978 a “empresa CASIL LTDA., ao custo de Cr$ 160.000,00”, realizou a reforma do prédio. Para conseguir esses recursos o então presidente da Academia, Benedito Hespanha, foi autorizado a vender para a prefeitura parte do terreno pelo exato preço dos consertos – cento e sessenta mil cruzeiros. A reforma provocou otimismo entre os acadêmicos, conforme se pode comprovar consultando atas e documentos da época.

A alegria, porém, não durou muito tempo. Infiltrações de águas pluviais, cupins nas madeiras, envergamento do madeirame que dava sustentação ao teto, e outros problemas começaram a aparecer. Menos de dois anos depois de concluídas essas reformas, eis o que consta em ata de 2 de agosto de 1980: “O presidente fez uma exposição informando os sócios sobre a precariedade das paredes do prédio, porquanto estão cedendo e até rachando. Disse que sobre esse assunto já falou com o senhor prefeito municipal, Dr. Firmino Duro, sendo que ele, em resposta prometeu dar a mão-de-obra, cimento e pedras e fazer o vigamento de concreto, a fim de melhorar a situação do prédio”. Essa promessa foi feita há mais de 25 anos...

Os problemas no prédio foram se agravando, apesar das insistentes gestões junto às autoridades constituídas, até que a Academia precisou abandonar sua sede, passando a reunir-se aqui e acolá. Chegou ao ponto de ser “despejada”, juntamente com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Passo Fundo, de uma sala alugada pela Prefeitura à Universidade de Passo Fundo.

Cansados de recorrer ao poder público municipal os acadêmicos procuraram outras soluções. Uma delas foi alienar o terreno restante para empresa de construção civil que erguesse um edifício de vários andares no local deixando parte do imóvel para a Academia. Era época de explosão imobiliária em Passo Fundo, o que favorecia a idéia. Foi feita uma convocação pública a empresas interessadas. Chegou até ser elaborado, com data de 7 de janeiro de 1985, um termo de compromisso prévio entre comissão de acadêmicos, tendo à testa o então presidente Paulo Renato Ceratti, e diretores da Tecnicon, Engenharia Técnica e Construções Ltda. A proposta definia que numa área de 193,83 m2 a Academia disporia de auditório, local especial para 30 cadeiras, secretaria, biblioteca, sala para alugar, subsolo e cozinha. Dependia de posterior aceitação pela assembléia geral dos acadêmicos, não existindo registro se essa assembléia se reuniu.

O certo é que a idéia não prosperou e inexistem assentamentos sobre os reais motivos pelos quais a parceria com a iniciativa privada foi por águas abaixo.

Em outubro de 1988 o prefeito Fernando Machado Carrion oficiava sobre a inclusão de Cz$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzados), no orçamento municipal, para a reforma do prédio.

A década de 1990 foi marcada por intensas polêmicas envolvendo o prédio da Academia Passo-Fundense de Letras. No dia 10 de março daquele ano, reunidos em assembléia geral, após ouvirem arquitetos e engenheiros, os acadêmicos tomaram uma atitude extrema: aprovaram, por unanimidade, a demolição do prédio, cujas paredes começavam a ruir sobre pessoas que transitavam na calçada fronteira. Arquitetos consultados pelo sodalício e engenheiros da construção civil foram de parecer no sentido de que nem mesmo a fachada do prédio poderia ser preservada. Decidiram, ainda, conferir plenos poderes à Diretoria para decidir sobre a forma de demolição, a destinação do material, o ajuste de preços, a contratação de empreiteiras, e demais atos necessários para a demolição. Quanto à construção do novo prédio ficou para ser decidida pela assembléia geral em ocasião oportuna.

No dia 26 de março o então presidente Irineu Ghelen entregou ao jornalista e advogado Celestino Meneghini, chefe do Gabinete do Prefeito, requerimento solicitando “licença para construir um tapume de madeira sobre a calçada, isolando com isto as pessoas dos riscos permanentes que o prédio oferece e, evitando que os responsáveis sejam processados criminalmente por crime culposo”, bem como, “licença para reforma provisória no telhado, uma vez que existem diversas infiltrações d’água, capazes de agravar cada vez mais a situação da coisa”. Aquela autoridade municipal apôs o seguinte despacho ao documento: “Recebido. Encaminhado p/ Alvará mediante autorização precária para providências urgentes”.

A licença acabou sendo concedida em 25 de maio, mas a confusão até aí foi enorme.

Foi uma gritaria geral na Cidade. Apareceu gente e instituição de todo lado querendo salvar o prédio. Alguns acadêmicos acabaram envolvidos num verdadeiro escândalo, acusados, agora sim, de cometerem crime contra o patrimônio histórico-cultural-arquitetônico do Município.

O então prefeito, Airton Lângaro Dipp, filho de um dos fundadores do Grêmio Passo-Fundense de Letras, e a Câmara de Vereadores movimentaram-se. O prédio foi tombado pelo Patrimônio Histórico.

O Ministério Público Estadual, em 24 de abril de 1992, instaurou inquérito sobre o assunto, movendo o processo nº 021194011751 da 5ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo. A Academia conseguiu ser retirada do processo. Mais de 15 anos depois de aberto o inquérito o caso não teve solução. As últimas administrações municipais assinaram acordos na Justiça, que não foram cumpridos.

Sobre esse processo, há tempos, foi encaminhado ao vereador Juliano Roso resposta a um pedido de informações, onde consta a seguinte informação assinada por um dos procuradores jurídicos do Município: “PÁGINAS – 709 – Juiz – 45 dias para que todos os itens constantes no plano de prevenção contra incêndio sejam adotados. Sob pena de imediata interdição. (13/05/2004).

Ao final, foram cuminadas multas a fls. 440 50 (cinqüenta) salários-mínimos por dia; fls. 560 10 (dez) salários-mínimos por dia fls. 613 10 (dez) salários-mínimos por dia”.

O Município que tinha de concluir as obras até 30 de dezembro de 1997, ainda não o fez. Apenas a fachada foi reconstruída. E, parcialmente, o andar destinado à Academia. Para marcar a posse do prédio, os acadêmicos promoveram em 7 de abril de 2002, um ato simbólico.

No início de 2005 várias reuniões foram realizadas entre integrantes da atual administração municipal e os acadêmicos. No dia 15 de janeiro a Academia recebeu uma visita da secretária Tânia Cogo, então responsável pela Cultura. No dia 4 de março os secretários Giovani Corrallo, do Planejamento, Alberi Grando, da Saúde, o advogado Ari Reinheimer, assessor técnico do Planejamento, e Vanessa Palauro, arquiteta. No dia 12 de março, nova visita ao prédio da Academia. Desta vez Giovani Corrallo, Alberto Poltronieri, da Administração, e Euclides Serápio Ferreira, procurador geral do Município. Propuseram que os andares inferiores do prédio fossem liberados para uso da secretaria Municipal da Saúde, que estaria sendo obrigada a deixar o prédio do Hemopasso. Acenou-se com a idéia de que a Academia se transferisse para o prédio do antigo Quartel do Exército onde seria construído um centro cultural. Os acadêmicos não aceitaram a idéia. Nova reunião, desta vez na Prefeitura, três dias depois. Presentes os secretários municipais Giovani Corrallo, Alberto Poltronieri, Euclides Serápio Ferreira, César Bilibio, da Fazenda, e Adirbal Corrallo, vice-prefeito, além dos acadêmicos Welci Nascimento, Meirelles Duarte, Paulo Monteiro, Helena Rotta de Camargo, Santo Verzelletti, Santina Rodrigues Dal Paz e Jurema Carpes do Valle. Decidiu-se pelo início imediato das obras de conclusão do prédio e com a elaboração de uma pré-projeto para a ampliação da área legada à Academia. Tudo foi cumprido, menos o início das obras.

O que se nota é que os mesmos vícios de reformas anteriores logo apareceram: infiltrações de águas pluviais, rachaduras nas paredes. Ainda em maio de 2008, ocorrem problemas de infiltração de águas pluviais e goteiras, indicando que precisam ser feitos reparos urgentes, antes mesmo da conclusão da obra. Caso contrário, o prédio vai ruir de novo.

No dia 7 de abril de 2008 a Academia Passo-Fundense de Letras comemorou solenenemente os seus 70 anos de existência. Estiveram presentes as mais importantes literanças políticas e culturais do município, como o prefeito Airton Lângaro Dipp, o presidente da Câmara de Vereadores, Luiz Miguel Scheis, e a professora Lourdes Canelles, representando a comissão organizadora das Jonradas Nacionais de Literatura.

E o prédio que, há mais de quatro décadas, consome recursos públicos e há mais de 15 anos é objeto de uma ação judicial patrocinada pelo Ministério Público Estadual, não estava ainda concluído.

Referências

  1. Historiador, membro da Academia Passo Fundense de Letras