Nilo Portalupi de Quadros, dados biográficos

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Nilo Portalupi de Quadros, dados biográficos

Em 31/03/2001, por Somando


Dados Biográficos de Nilo Portalupi de Quadros[1]

SOMANDO


A Revista Somando apresenta a seus leitores a história de Nilo Portalupi de Quadros, 86 anos, bancário aposentado, filho de Lino de Quadros e Judite Portalupi de Quadros. Descendente de fundadores do município de Passo Fundo. Nilo é profundo conhecedor de inúmeros fatos ocorridos em nossa cidade até os dias de hoje. Muitos deles relatados neste depoimento.


Nasci em 27 de junho de 1914 e sempre morei em Passo Fundo. Sou tetraneto de Adão Schel e neto de Lino Pacheco de Quadros, por parte de pai, e de ítalo Portalupi e Celestina Giforni Portalupi, por parte de mãe.

Sou descendente de Lino de Quadros, que veio de Lajeado e era ourives. Chegou solteiro antes da Proclamação da República. Já estava com idade avançada e todos perguntavam se ele não iria casar. Casualmente, disse ele, hoje nasceu a moça com que eu vou casar. Ele esperou 17 anos e, quando ele já estava com 54 anos, casaram e tiveram três filhos.

O povoamento de Passo Fundo começou sua expansão a partir do Boqueirão pela rua do Comércio – hoje Avenida Brasil. Começava na estrada que levava a Carazinho, terminando na rua Teixeira Soares. A distância do atual centro da cidade era tão grande que poucos se aventuravam a pé. Era normal a utilização de cavalos, carroças, aranhas e os chamados carros de praça, com tolda e puxados por animais.

Com a chegada da Viação Férrea em 1898, foi construído o Hotel do Comércio em frente à antiga Gare, onde hoje é a Caixa Econômica Federal. Além dele, existia o Hotel Internacional na esquina das Avenidas Brasil e Sete de Setembro. Devido a isso a cidade começou sua real expansão e, em 1920, a Avenida já chegava até o Colégio Bom Conselho. Nessa época todos se conheciam e a população era de aproximadamente 20 mil habitantes. Para aquela época, o município era muito grande.

No início do século XX, existia a Igreja Matriz, que foi demolida em 1908 para a construção de uma futura Catedral. A nova Catedral só começou a ser construída em 1935, existindo até hoje. Levou muitos anos para ficar pronta, pois era mantida somente com donativos e quermesses. A Matriz da Conceição surgiu em 1891 e igualmente foi muito vagarosa a sua edificação. Quando seu alicerce estava pronto, iniciou a Revolução de 93, parando a obra. Só em 1911 recomeçaram os trabalhos. O Bispo de Santa Maria, Dom Miguel de Lima Valverde, participou do lançamento da pedra angular da igreja que só ficou pronta lá por 1920.

A iluminação era a base de lampiões a querosene. Os lampiões localizavam-se na esquina da Avenida Brasil com a rua Benjamin Constant; o outro era na esquina da Fagundes dos Reis com a Avenida Brasil, destacando-se por serem somente nos cruzamentos de ruas, em postes bem altos, curvos e com uma roldana na qual passava um cabo de aço que segurava o lampião. Assim também era com os lampiões da Praça Marechal Floriano. A luz elétrica chegou em 1912, quando construíram a primeira usina do Rio Taquari. A velha usina existe até hoje, na cascata.

Água nunca foi problema para a cidade, pois o chafariz da mãe preta nunca secou e, em épocas de seca, a população se valia daquele local para o abastecimento. No chafariz da rua Bento Gonçalves, sempre existiu um córrego d’água, transformado em bebedouro para animais.

Ainda em 1916 foi construído no centro da Praça Marechal Floriano, onde hoje está a cuia, um quiosque onde eram servidas bebidas e sorvetes. Era um ponto de encontro.

Em 1918 surgiu o Esporte Clube Gaúcho, fundado na casa da Dona Carlota Loureiro, no Boqueirão, Agostinho, Gil, e Vitor Isler que era seu sobrinho. De uma dessas reuniões, surgiu a ideia da fundação do Gaúcho. Ao lado daquela residência moravam meus bisavós: Cândida de Araújo Schel e Jorge Schel. Como não existia outro time de oposição, algum tempo mais tarde nasce o 14 de julho, fundado pela família Lângaro, de maioria maragato.

Em 1918 também surgiu o Hospital São Vicente de Paulo, que começou a funcionar na rua Paissandu onde hoje está localizado o EENAV. Desde seu começo, foi um grande polo de saúde regional.

Dos intendentes municipais de 1900 para cá, destaco dois: Pedro Lopez de Oliveira, o Coronel Lolico, político antigo, pecuarista, filho de médico e juiz da paz, que foi 16 anos intendente municipal e Artur Ferreira Filho, prefeito nomeado em 1938.

Existiam muitas plantações de erva-mate e, entre 1900 e 1930, foi fundada uma sociedade ervateira cujos sócios eram Orides Marques e Polidoro Albuquerque Martins que tinham um engenho de erva na esquina da General Neto com a General Osório, onde posteriormente existiu a Rodoviária e a agência Ford. Os ervateiros da região entregavam a erva de carroças. Com a chegada do trem, o número de carroças diminuiu. Os caminhões começaram somente depois de 1930. Lembro que o caminhão mais antigo era da Cervejaria Serrana. Tinha o tamanho de uma caminhonete, mas, para a época, era um caminhão grande.

Frequentei o primário no Colégio Particular da professora Ana Willig nos anos de 1923 e 1924. Em 1923 teve início a Revolução de Assis Brasil contra a quinta reeleição de Borges de Medeiros ao Governo do Estado. Apesar de tantos conflitos, aqui em Passo Fundo tudo se manteve calmo, embora o município fosse sede de inúmeros movimentos revolucionários. Em minha família, a grande maioria era maragato, nem por isso houve quaisquer problemas naquele ano.

Certo dia havia forças maragatas acampadas na vila Petrópolis e surgiu o boato de que eles iriam invadir a cidade durante a noite. Meu pai chegou em nossa casa próximo ao entardecer – na época morávamos na praça da República (hoje Praça Tocheto) – e disse que deveríamos arrumar nossas coisas porque iríamos para a casa da minha avó. Toda a família acabou se reunindo na casa localizada onde hoje é a Escola Fagundes dos Reis. Felizmente tudo foi somente um boato.

Muitos mosquetões foram utilizados em 1923, os quais acredito terem sido guardados desde 1893. Em 23, quando foram organizados os Corpos Provisórios, a Brigada Militar cedeu armamento e, certamente, algumas pessoas guardaram muitas armas.

Se compararmos, a Revolução de 1923 com a de 1893, com certeza podemos afirmar que a de 93, com certeza podemos afirmar que a de 93 foi mais violenta, inclusive com algumas barbáries, mas pouca degola. Uma aconteceu na Cruzinha do Schleder, onde a mulher degolada foi enterrada ali mesmo. Era maragata e levava informações para os contrários.

General Prestes Guimarães era maragato em 1893 e contrário ao Coronel Gervásio Lucas Annes, que era Republicano. Felizmente eles se conciliaram. Prestes Guimarães morreu em 1911, e o Gervásio Annes em 1917.

Em 1925 passei para o Colégio Elementar, onde terminei o primário em 1928.

Em 1929 iniciaram as atividades da Escola Complementar, que formava alunos candidatos ao Magistério. Em 1931 aconteceu a Coleção de Grau da primeira turma da qual eu fazia parte. Muitos de meus colegas seguiram a carreira no magistério, o que não aconteceu comigo.

Getúlio Vargas foi eleito Governador do Estado em 1927. A Presidência da República sempre era de algum paulista ou mineiro e, eventualmente, de alguma carioca. Em 1929 o Governador de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, sondou o Governador da Paraíba, Dr. João Pessoa de Albuquerque Lins, para organizarem uma chapa que quebrasse essa sucessão, sempre do mesmo lado do governo. Fundam, então, a Aliança Liberal, convidando o Governo do Rio Grande do Sul. Getúlio Vargas aderiu imediatamente, mas com a condição de que dessa Aliança Liberal deveria sair um candidato à Presidência da República, tendo Getúlio como candidato a Vice-Presidente. O acordo foi fechado e começaram a campanha contra Washigton Luis.

A eleição se realizou em primeiro de março de 1930, na qual eu trabalhei, da manhã ao meio-dia, carregando eleitores num Ford 25. Depois do almoço eu e meu pai fomos até Coxilha onde passamos a tarde arrumando eleitores para votar em Getúlio Vargas. Já era noite quando voltamos para Passo Fundo. Na apuração, durante o jantar, Dr. Nicolau de Araújo Vergueiro declarou que a eleição foi uma roubalheira, dando ganho de causa ao então Governador de São Paulo.

Começaram aí os movimentos subterrâneos. O povo do sul não se conformou e, em 16 de julho de 1930, o Presidente João Pessoa foi assassinado em Recife. Iniciaram os preparativos para a Revolução, com data marcada para o levante em 3 de outubro. Nessa data atacariam os quartéis de Porto Alegre, Santa Maria e Cruz Alta. Em Passo Fundo o 8º Regimento foi sitiado, mas o Coronel Estevão Leitão de Carvalho, então comandante, resistiu ao cerco. Poucas horas depois entregou o cargo a um Capitão e se declarou preso.

Eu acompanhei tudo isso de longe. Lembro muito bem que houve um tiroteio naquele dia e, ainda hoje, existem marcas de balas nos portões de ferro do Quartel.

Logo após, Getúlio Vargas assumiu o cargo de Presidente provisório através de uma junta governativa em 3 de novembro de 1930. Rebelato Tarso Fragoso, Lima Barreto e o Almirante Isaias de Noronha entregaram as rédeas do governo a Getúlio que constituiu o governo provisório com a nomeação dos ministros. Getúlio ficou no cargo por 15 anos. Em 1945 renunciou “forçosamente”.

No dia nove de julho de 32, começou um novo movimento em São Paulo, pois queria a realização de nova eleição a Presidente da República e a Constituinte. Getúlio protelou tanto que eles se levantaram. Muitas das forças aqui do sul passaram de trem por Passo Fundo e se acantonaram na divisa do Paraná com São Paulo. No amanhecer do dia 24 de outubro, chegou a notícia, na linha de frente, de que o Presidente da República tenha renunciado e entregue o governo para essa juntas, cessando a revolução e começando a marcha de Itararé até o Rio para Getúlio assumir o governo.

No Pulador havia uma charqueada de Julio Magalhães & Cia, que durou de 1930 até 1940. Quando passávamos próximos, podíamos sentir o cheiro forte do charque e do couro estendido. Acabou por fechar.

Existia o matadouro municipal na rua Angelo Preto, no fundo dos pinheirinhos, com campo aberto onde se carneavam as reses. Cada açougueiro tinha sua carreta com a qual levava a carne para o seu açougue.

A primeira padaria da qual ouvi falar era de propriedade de Batista Rota, localizada onde hoje é o pátio do Bella Cittá. Era o ponto chique da época. Lá existia um ótimo confeiteiro, Dom Espanha. Certa tarde encontraram ele morto na porta do cemitério. Ele havia se enforcado.

Em 1936, ingressei no Instituto Ginasial (IE), onde completei o ginásio. Pouco tempo depois ingressei no antigo Banco da Província, onde permaneci por vinte anos. Em 1958 me transferiram para a Matriz em Porto Alegre, onde completei mais quinze anos de trabalho e acabei me aposentando.

Quando a Segunda Guerra Mundial começou, em 3 de setembro de 1939, o país ficou neutro, mas os simpatizantes dos aliados eram maiores do que os simpatizantes dos eixos. Quando começaram os afundamentos dos navios brasileiros, houve protestos em todo o Estado. Houve a invasão do diretório do Partido Libertador aqui em Passo Fundo. O Sr. Wechenfelder, alemão dono de uma barbearia, não se pronunciava sobre os acontecimentos, mas durante a madrugada invadiram seu estabelecimento, colocaram todos os móveis na rua e atearam fogo. Depois o governo indenizou.

Os italianos que vieram pra cá começaram a se estabelecer todos onde hoje é o Bairro São Cristóvão, naquela época, conhecida como a “estrada para a Serra”. Com o desenvolvimento, aquela estrada teve como primeiro nome “Avenida Progresso”. Começava na esquina da Grazziotin e estendia-se até a fábrica de vassouras da família Bonoto. Depois o crescimento foi inevitável.

Nos anos 50 faziam carreira lá pros lados da Universidade de Passo Fundo e sempre existiu a vontade de se construir um hipódromo, o que nunca aconteceu. Carazinho encampou a ideia e construiu um bonito hipódromo, aonde as pessoas iam para acompanhar as “carreiras”. Entre os famosos carreiristas da época, destacavam-se o Dr. Antonio Bitencourt Azambuja e o Sr. Aristóteles Lima.

Nos anos passados, não havia bairro perigoso em Passo Fundo, uma vez que a cidade era bem limitada, indo somente até a rua Lava-pés. No campo do Vergueiro existia o Armazém do seu Maneco – Manoel Alves Leite, onde ao lado existia um galpão grande. Seu Maneco buscava as vacas no início da noite lá embaixo para ordenha-las naquele local.

Hoje Passo Fundo está muito mudado. Acredito que esse crescimento se deve a madeira dos anos 40, seguida das plantações de trigo e depois pela Universidade, que foi a real responsável pelo aumento populacional existente hoje. O número interminável de prédios existentes hoje surgiu para atender a essa demanda sempre crescente.

Moro com duas irmãs, uma solteira e outra viúva, Lenita e Onorina. Participei algumas vezes do Grupo Pró-Memória. Tenho todo um trabalho de resgate histórico sobre as origens de Passo Fundo e as pessoas que governaram o município de 1857 até 1996. Antoninho Xavier, falecido, é uma pessoa para qual a cidade deve muito, pois foi um historiador e escreveu vários compêndios sobre a história do município”.

Referências

  1. Publicado na revista Somando, Março de 2001