Memória e memoricídio

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Memória e memoricídio

Em 30/11/2004, por Fernando Borgmann Severo de Miranda


Memória e "memoricídio": dois grupos políticos discutem o nome de Presidente Vargas para uma avenida em Passo Fundo[1]

FERNANDO BORGMANN DE MIRANDA[2]

O texto analisa as disputas ocorridas entre dois grupos políticos, em Passo Fundo, quanto à proposição de erguer um busto e nomear uma avenida com o nome do Presidente Getúlio Vargas, logo após a sua morte, em agosto de 1954. A partir do processo que tramitou na Câmara de Vereadores, dos jornais da época e de fontes orais, procura-se mostrar que, na impossibilidade de utilizar explicitamente argumentos políticos contra Getúlio Vargas, recém-falecido, o grupo contrário valeu-se do argumente de memoricídio - para Getúlio Vargas ser lembrado em uma avenida, alguém já colocado deveria ser esquecido -, numa tentativa de não revelar a dimensão política do processo.

Em Passo Fundo, nos últimos anos, é notável a preocupação em levantar monumentos, inaugurar placas comemorativas, nomear praças, ruas, e construir lugares que lembram o passado. Vários monumentos se somaram aos já existentes: a Caravela e a Cruz, no Boqueirão; marco na praça Tamandaré, no local onde teria o cabo Neves instalado a sede de sua fazenda Nossa Senhora da Conceição; monumento ao bispo Dom Cláudio Colling, na praça Mal. Floriano; monumento "Cavalo com Gaúcho Montado", no largo Cavaleiros do Mercosul (trevo da UPF); placa comemorativa com o fac-símile da primeira ata da Câmara de Vereadores; monumento a Teixeirinha; placa na Praça Cap. Jovino, em homenagem a Gomercindo dos Reis; a heroicização do passo-fundense Luiz Felipe Scolari; e, simbolicamente, no dia em que se comemora a emancipação do município, a inauguração de um monumento lembrando o passado jesuítico[3] ao município.

Há, enfim, uma certa preocupação em dirigir o olhar para o passado, em ligar o presente, e o futuro, ao passado. Essa ‘onda de rememorações traz junto o sentimento de pertencimento a um lugar, de reter alguma coisa do passado, num mundo moderno cada vez mais caracterizado pelo novo e pela mudança.

A edição do jornal O National, do dia 24 de agosto de 1954, já trazia como manchete a carta-testamenio do presidente Getúlio Vargas, morto algumas horas atrás. Na mesma edição, os operários gráficos da oficina do jornal iniciavam "uma campanha em prol da construção de uma herma[4], ou, se possível, um monumento ao Presidente Vargas... lágrimas sentidas verteram os nossos homens das oficinas e dos campos, diante do irremediável acontecimento... Essa herma ou monumento será erguida em uma das nossas praças.. Já se encontram listas de adesão, nesta redação, subscritas não só pelos operários gráficos deste vespertino, mas por trabalhadores inúmeros que correm a esta redação[5]".

Segundo entrevista com o Sr. Lindolfo Kurtz[6], que acompanhou os acontecimentos, vários distúrbios ocorreram na cidade, culminando com a tentativa de depredação do jornal Diário da Manhã[7], à noite, onde houve troca de tiros. O Aspirante Jenner[8], da Brigada Militar, foi ferido e morto. A edição de 28 de agosto de O Nacional publicou o convite do Comandante do 3º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar para a missa de sétimo dia, a ser realizada na segunda feira, do Aspirante Jenner Saldi de Oliveira Leite, "morto em cumprimento do dever na noite de 24 de agosto". Em 3 de dezembro, o vereador Lamaison Porto propunha, e a Câmara aprovava, a mudança de nome da "Rua Minas Gerais" para "Avenida Aspirante Jenner". Noticia O Nacional que, já pela manhã seguinte, o prefeito autorizaria a confecção das novas placas: a colocação delas na Avenida era o ato simbólico da sagração do novo herói. A mesma sociedade que, ensandecida, punha fim à vida do Aspirante Jenner, na noite de 24 de agosto, produzia o herói que perdera sua vida em defesa da ordem.

Nos dias que se seguiram à morte de Getúlio Vargas foi grande a preocupação em homenagear e cristalizar a memória do Presidente: solenidades com discursos inflamados a mantiveram viva. Em 6 de setembro O Nacional divulgava: a "campanha pró-monumento ao Presidente Vargas está em pleno desenvolvimento, tudo indicando que, dentro em breve a comissão terá numerário bastante para abalançar-se na construção e delineamento dessa obra de arte, que perpetuará a figura de Getúlio Vargas entre nós". Era feito também um outro pedido à Câmara de Vereadores: que o nome do Presidente Vargas fosse "ostentado" em uma das principais vias públicas da cidade. "Pode ser mudado", escreviam os interessados, "o nome da

Avenida Capitão Jovino[9], prolongamento da Avenida Brasil, e isto porque, segundo os noticiários da Câmara de Vereadores, existem três ruas com o nome de Capitão Jovino. “Não prejudicará em nada, e homenagearemos, ao mesmo tempo, o nosso líder popular, dando a essa via pública o nome de AVENIDA PRESIDENTE VARGAS”.

O vereador que tomou a iniciativa foi o Sr. Wolmar Salton[10] do PTB. Em 10 de setembro, ele submeteu à Câmara um projeto de lei mudando o nome da avenida, justificando: "em todas as cidades do Brasil o nome de Getúlio Vargas está homenageado em ruas, avenidas e praças...Essas homenagens foram prestadas ainda em vida ao eminente estadista[11]... Agora, depois de morto, é justo que Passo Fundo também tribute seu preito de admiração e enalteça a memória ... Com a mudança não haverá qualquer desmerecimento à memória do atual titular da Avenida, uma vez que existem outras ruas com o nome do saudoso Capitão Jovino".

A questão gerou controvérsias. O Nacional de 11 de setembro noticiou que, "na discussão de ontem, o Dr. Mario Hoppe (PSP) sugeriu que o nome do Presidente Vargas fosse ostentado na rua Moron, uma das principais artérias". O vereador Salton sustentou o seu projeto dizendo que "o nome do grande Presidente só poderia ser ostentado numa importante avenida, ou então não se prestaria homenagem, baseando-se no exemplo das grandes capitais do país". O Sr. João Gasperin foi de opinião que se desse o nome de "Avenida Presidente Vargas" para toda a avenida, incluindo a Capitão Jovino. Propunha, desse modo, que o nome da Avenida Brasil fosse retirado, ocupando o seu lugar o de Getúlio Vargas.

Politicamente, a Câmara estava dividida: dos quinze vereadores, sete pertenciam ao PTB, sete à Frente Democrática (PSD-PL-UDN) e um era do PSP O projeto, proposto ainda no calor dos acontecimentos, apenas 17 dias depois da morte de Getúlio Vargas, não poderia ser contestado. Como se compreende, ninguém era - ou poderia ser, dado o clima de emoção daqueles dias -, abertamente contra a homenagem. Ficou então a questão girando em torno de qual avenida, ou rua, deveria ceder seu nome. Existiam, em setembro de 1954, apenas quatro avenidas em Passo Fundo: Avenida Brasil, Capitão Jovino, Mauá e General Neto. Como veremos, apenas o General Neto, proclamador da República Rio-Grandense, permaneceria intocável.

Em 17 de setembro, a Comissão Representativa da Câmara, através de seu relator, Dr. AquelinoTranslatti (PTB), era de parecer que o projeto Salton merecia "integral e irrestrito apoio". Uma avenida de Passo Fundo, como tantas outras no Brasil, seria um "bastião onde se escoraria a memória" de Getúlio Vargas.

Mas, em 28 de setembro, um filho do Capitão Jovino, Dr. Noé de Mello Freitas, diretor-presidente da Comissão Estadual de Energia Elétrica - CEEE, enviou uma carta ao vice-prefeito em exercício, Sr. Mário Menegaz. Dizia: "Tive conhecimento que esta municipalidade cogita de trocar o nome da Avenida Capitão Jovino. Tenho ainda em mãos, escrevia, “o Ato 377, baixado em 31 de agosto de 1922, da Intendência Municipal...Há, pois, que lembrar os termos do oficio que, na mesma data, a municipalidade enviou à minha mãe e pedir as razões do esquecimento ou o seu valor, para que ela, hoje com 75 anos, tenha, ainda, tempo para limitar sua gratidão, se, no passado, lhe deram apenas o motivo da mágoa de hoje”, anexando á carta a transcrição do ato que nomeou a Avenida Capitão Jovino. Finaliza a correspondência dizendo que seu propósito é apenas alcançar a retirada ou a modificação da proposição feita e não a de desrespeitar a soberania da Câmara.

Reassumindo o cargo, o prefeito Daniel Dipp (PTB) encaminhou a carta à Câmara em 6 de outubro. Reunida a Comissão de Legislação em 24 de outubro, ampliou-se a polêmica, com a introdução de mais uma avenida no rol das discussões: diz ela que, depois de ouvir várias sugestões "opinou o vereador Lamaison Porto (PSD), que mais justa e expressiva homenagem se prestaria ao Presidente Getúlio Vargas, colocando o seu imortal nome numa avenida maior, mais importante e que está sofrendo grande e fundamental remodelação, ao ponto de, num futuro bem próximo, ser uma das principais artérias de nossa cidade, a AVENIDA MAUÁ[12]". O vereador Aquelino Translatti (PTB), que havia antes dado parecer favorável à substituição da Avenida Capitão Jovino, concorda com a exposição feita pelo vereador Lamaison Porto e apresenta uma emenda ao Projeto-de-Lei Salton, no dia seguinte, 25 de outubro, propondo que o nome da Avenida Presidente Vargas substitua a então Avenida Mauá. Na sua justificativa, diz ele que, verificando que o nome de Avenida Capitão Jovino fora dado através de decreto municipal, e, não tendo o vereador Salton (PTB), autor do projeto, oposto obstáculos, propunha que o nome de Mauá fosse substituído por Presidente Vargas.

Livre o Capitão Jovino, parecia que o local para a memória do ex-presidente tinha sido encontrado, bastando para isso que o Barão de Mauá cedesse o seu lugar.

Conforme a Ata 72 da Câmara Municipal, de 9 de novembro, o parecer favorável à mudança de nome da Avenida Mauá entrou em discussão. O vereador Pedro Pacheco (Frente Democrática) afirmou que não seria ele quem se oporia à justa homenagem, mas, lamentava divergir do parecer pela mudança do nome da Avenida Mauá: "Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá, fora um brasileiro dos mais ilustres, cujo nome transpusera a fronteira da Pátria...construíra a primeira estrada de ferro do Brasil e da Amériuca do Sul. Riscar seu nome da avenida que o ostenta seria cometer uma injustiça, a quem tanto soube honrar o Brasil... Para a mudança do nome, seria necessário que se revogasse a lei anterior (que deu o nome de Mauá à Avenida), pelo que requeria que o parecer voltasse ao seio da Comissão para ser reexaminado". Também o Sr. Ernesto Morsch (Partido Libertador) era da opinião que "a mudança de nome seria cometer injustiça ao nome aureolado de Mauá". Poder-se-ia homenagear o falecido presidente, dizia ele, "com o batismo de seu nome numa das grandes artérias que serão abertas, pelo traçado do Plano Diretor[13] da Cidade". Deslocava, dessa maneira, a homenagem a Getúlio Vargas para um futuro ainda incerto. Como sabemos, o Plano Diretor, apesar de ser o maior estudo urbanístico da cidade até então, acabou não sendo implementado conforme o projeto inicial.

A mesma ata revela que o vereador Salton, usando a palavra, argumentou que, quando apresentou seu projeto da Avenida Capitão Jovino, o vereador João Gasperin fora de opinião que se mudasse o nome da Avenida Brasil, de ponta a ponta, e o vereador Dr. Mario Hoppe opinara pela mudança de nome da rua Moron. Rejeitara a primeira por ser uma homenagem à Pátria, e a segunda porque entendia que o lugar de Getúlio Vargas deveria ser em uma avenida. Firmava sua posição original de mudar a Avenida Capitão Jovino. O vereador Pedro Pacheco discordou, dizendo que apoiava a anterior sugestão do vereador João Gasperin, que se mudasse o nome da Avenida Brasil, "pois não julgava que se ferisse o nome da nossa Pátria, dado que tudo isso era Brasil". O vereador Salton, desta vez, não deixou escapar a oferta: "esse era um dos pontos que poderia ser examinado pela Comissão", disse, e ainda apresentou a sugestão de que a estátua que se pretendia erguer ao Presidente Vargas fosse localizada na Praça Marechal Floriano, que era a principal da cidade. Mas uma outra sugestão embaralhava ainda mais o jogo político: o vereador Lamaison Porto, como autor do parecer em discussão (mudar a Avenida Mauá), propunha que se pusesse o nome de Mauá à rua Moron, passando aquela a denominar-se Getúlio Vargas.

As propostas tocavam fundo em nomes tradicionais, contestando a memória que a cidade tinha preservado até então. A questão, pela sua amplitude, acabou envolvendo outras instituições; o vereador Pedro Pacheco sugeriu que se trouxesse um membro do Instituto Histórico de Passo Fundo e mais o Sr. Antonino Xavier e Oliveira, para apresentarem sugestões. O vereador Salton sugeriu que, além desses, também se convocasse o Grêmio de Letras[14]. As entidades culturais, representadas no conjunto por treze pessoas, se reuniram no dia 11 de novembro, na Biblioteca Pública, às 20 h. Iniciada a reunião, a matéria foi amplamente discutida, com os debates se concentrando sobre a mudança ou não do nome da Avenida Brasil. Os contrários à mudança argumentavam que "se tratava de uma denominação já tradicional e que ostentava o nome da Pátria". Essa opinião ampliou-se, no sentido de que não fosse muda do nenhuma via pública já tradicional na cidade. Outro grupo, favorável à mu- dança do nome da Avenida Brasil, argumentava: "é inexpressivo homenagearmos o Brasil dentro do território pátrio, com uma simples denominação de rua". Quanto ao argumento de que se deveria respeitar a tradição, "havia o conceito de História de que um fato só é tradicional depois de decorridos cem anos (um século), pelo que não se pode considerar tradicional nenhuma rua da cidade...". Uma questão que começou com a simples denominação de uma rua envolvia agora os conceitos de história e de tradição. Subjacente a tudo isso estava a memória de Getúlio Vargas, e o uso político dessa memória. Colocada a questão em votação, obteve-se o seguinte resultado: seis votos foram contra a mudança de qualquer rua tradicional da cidade[15], seis votos foram favoráveis à mudança do nome da Avenida Brasil [16] e um voto foi a favor da mudança do nome da Avenida Capitão Jovino[17]. O resultado: empate. Diante de tal resultado, o Dr. Celso Fiori, advogado, julgou que "assim, via-se rejeitada a idéia da mudança do nome da Avenida Brasil, pois havia somente seis votos favoráveis à mesma e sete votos foram discrepantes". O Dr. Mauro Machado, também advogado, e que tinha votado a favor da mudança de nome da Avenida Capitão Jovino, não concordou, "estabelecendo-se acalorados debates". O Dr. Mauro Machado, para decidir a questão, mudou o seu voto, fazendo a balança pender favoravelmente à mudança do nome da Avenida Brasil. Então, por sete votos contra seis, foi aprovada, pelas entidades culturais da cidade, a mudança do nome da Avenida Brasil para Avenida Presidente Vargas. Foi designado o Reverendo Sady Machado para redigir a resposta à Câmara, "resposta que será submetida à aprovação na próxima terça, 16 de novembro". No entanto, a Câmara não recebeu a resposta, conforme O Nacional de quase cinco meses depois, 18 de abril de 1955 na coluna Tiro ao Alvo.

A questão da mudança dos nomes das ruas era então apontado como "o assunto que está mais apaixonando o público"[18]. No dia 12 de novembro, a Câmara recebeu vários abaixo-assinados e telegramas. A Faculdade de Direito enviou um ofício onde se posicionava contra a mudança de qualquer nome, mas sugeria que "essa homenagem seja com relação à nossa Faculdade, que passaria a denominar-se Faculdade de Direito Presidente Vargas". Um abaixo assinado dirigido à Câmara solicitava "que votem para a aprovação do nome do grande brasileiro, Dr. Getúlio Dorneles Vargas, para a Avenida Brasil.... defensor dos fracos, dos humildes e de todos os brasileiros". Nas últimas linhas estava escrito: "Pedimos desculpas a Vossa Excelência Digníssima por nossa ousa- dia, que somos operários e trabalhadores". Outro abaixo-assinado, com 425 assinaturas, "sugeria e apelava no sentido de que VV. SS. aprovem a mudança da denominação da principal via pública de Passo Fundo-Avenida Brasil, para Avenida Presidente Vargas.... com a finalidade cívica de tributar uma homenagem imperecível à memória do saudoso estadista patrício..". Vários telegramas demonstraram-se contrários à mudança do nome da Avenida Brasil, como o do futuro vereador Sr. Osvaldo Pacheco Gayer: "Sem querer desmerecer a memória do Presidente Vargas, apresento o meu veemente protesto pela infeliz iniciativa de substituir o nome da Pátria pelo de um cidadão".

A partir de novembro de 1954, o foco da atenção tomou outros rumos. O prefeito Daniel Dipp, eleito deputado federal, o vereador Lamaison Porto, eleito deputado estadual, e o jornalista Múcio de Castro, proprietário do jornal O Nacional e eleito deputado estadual pelo PTB, eram diplomados em 19 de novembro. A Câmara de Vereadores entrou em recesso. Foi nomeada a Comissão do Centenário de Passo Fundo, que ocorreria em 1957. As eleições para presidente e prefeito começaram a ganhar os espaços políticos em fevereiro de 1955, e a campanha para a extinção da então zona do meretrício (Rua 15 de Novembro, proximidades da General Osório, onde existia o famoso Cassino da Maroca) ganhou espaço no jornal O Nacional.

A coluna "Tiro ao Alvo", no jornal O Nacional de 18 dc abril de 1955, retratava a situação sob o título "Um monumento ao Presidente Vargas": "Esta campanha só contou com a colaboração e o apoio dos operários, que doaram cerca de três mil cruzeiros, depositados no Banco da Província. Ninguém mais se pronunciou. O grande brasileiro ficou esquecido. A campanha morreu, pelo menos é o que parece. Da mesma forma, pereceu a iniciativa em prol da denominação de uma Avenida Presidente Vargas, mas, isso é lá, com a Câmara de Vereadores e com o Instituto Histórico e Grêmio de Letras, que, aliás, não se pronunciaram até agora. A campanha popular em prol de um monumento ao presidente ... não deve perecer", e pergunta: "Não é isso lamentável? Não é um sinal de que os ódios políticos estão sobrepondo-se aos sentimentos de solidariedade e civismo?... Que esta campanha possa reiniciar-se amanhã, dia 19 de abril, quando se comemora o nascimento do grande vulto da história brasileira...".

Em julho de 1955, a Câmara apresentava a proposição, depois de fazer um resumo da questão até aquela data, para que "seja adotado o nome de Avenida Presidente Vargas, na atual Avenida Mauá, passando a rua Moron a denominar-se Rua Visconde de Mauá". Apesar de não ter sido localizado o documento com a votação dessa proposição, sabemos que ela foi adotada, em parte: na relação dos nomes das ruas, do ano de 1955, já consta a Avenida Presidente Vargas no lugar da Avenida Mauá, mas a rua Moron permanecia com o mesmo nome. Assim, diferente de outros lugares, onde Getúlio Vargas foi homenageado com nomes de avenidas e até o nome de uma cidade, enquanto era ainda vivo, em Passo Fundo, o processo foi polêmico e levou dez meses para ser aprovado.

Considerações finais

Dos nomes citados no texto, vários hoje aparecem nas ruas de Passo Fundo: a Avenida Múcio de Castro (o proprietário do jornal O Nacional) faz esquina com a rua Túlio Fontoura (fundador do Diário da Manhã), no Bairro César Santos, uma ironia da À história, se considerarmos que os dois eram ferrenhos adversários. Cada um dos dois tem também um busto em sua homenagem na principal praça da cidade, a Praça Marechal Floriano, mas em lados diferentes da mesma.

Wolmar Salton é hoje o nome de uma rua e do estádio do Esporte Clube Gaúcho. Antonino Xavier é o nome da praça em frente ao Hospital da Cidade e também de um conhecido colégio. Ernesto Morsch, Arthur Canfieldt, Pedro Pacheco também são nomes de ruas. Há um ponto na cidade onde as avenidas Aspirante Jenner e Presidente Vargas se cruzam, formando uma ampla esquina-testemunha, a relembrar o trágico dia 24 de agosto, em que os dois morreram. As placas da Avenida Capitão Jovino foram retiradas em 1965, dando espaço ao prolongamento da Avenida Brasil, mas foram recolocadas na antiga Praça Santa Terezinha. E o nome do Barão de Mauá, que cedeu espaço a Getúlio Vargas, foi mais tarde deslocado para o loteamento Parque Turístico (Roselândia), além de permanecer como nome de um posto de gasolina (Posto Mauá), na antiga avenida que levava o seu nome.

O argumento defendido pelos que desejavam colocar o nome de Getúlio Vargas, em uma avenida de Passo Fundo, era o da memória: perenizar o nome do grande líder O grupo contrário, na impossibilidade de abrir seu voto contra Getúlio, utilizava-se do mesmo argumento, mas em sentido inverso: ninguém dentre os que já haviam conquistado um lugar na avenida, poderia ser "deslembrado". De um lado, perenizar a memória, de outro, impedir um "memoricídio".

Bibliografia consultada

AMADO, Janaína. História e região. Reconhecendo e construindo espaços. In:

SILVA, Marcos A. (org.). República em migalhas. História Regional e Local. São Paulo: Marco Zero, 1990,

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001,

DIEHL, Astor A. Do método histórico. Passo Fundo: Editora Universitária, 1997.

LEVI, Ciovanni. Sobre a micro-história. In:

BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992.

O NACIONAL. Agosto de 1954 a dezembro de 1956.

RECKZIECEL, Ana Luiza Setti. Historia Regional. Abordagens teórico-conceituais. História: debates e tendências, v.1. n.1. Passo Fundo, jun/99.

SILVA, Marcos A. (org.). República em migalhas. História Regional e Local. São Paulo: Marco Zero, 1990.

Referências

  1. Publicado na Revista Água da Fonte nº 2
  2. Fernando Borgmann Severo de Miranda é empresário - Bolsa Construções e Incorporações Ltda. e mestrando do Programa de Pós-graduação em Historiada Universidade de Passo Fundo
  3. Refere-se à fundação, no município de Passo Fundo, da Redução de Santa Thereza de Los Piñales, pertencente às Missiones Del Tape, ou Missiones Del Uruguai, que passou a funcionar como núcleo de catequese cristã, em 1632.
  4. Do grego "Hermes", mensageiros dos deuses.
  5. O Nacional, Passo Fundo, 24 ago. 1 954
  6. Realizada em julho de 2002.
  7. O jornal, fundado e dirigido por Túlio Fontoura, importante membro do PSD local, fazia oposição cerrada à Getúlio Vargas
  8. A sociedade passo-fundense iniciava a construção de um herói: Na relação de ruas, publicada em dezembro de 1955, já constava o nome de "Avenida Aspirante Jenner". Essa importante avenida da cidade, inicia na rua lateral ao Quartel da Brigada Militar na Vila Santa Maria, atravessa a hoje Avenida Presidente Vargas, se estendendo por 16 quadras
  9. O Cap Jovino teve atuação destacada no comércio e na política de Passo Fundo. Faleceu em 1918, aos 41 anos de idade, vitimado pela epidemia da gripe espanhola.
  10. Por coincidência, o então vereador Wolmar Salton residia na avenida Capitão Jovino, que iniciava na Praça Tochetto e se estendia até a ponte sobre o Rio Passo Fundo.
  11. Em Porto Alegre, a Avenida Getúlio Vargas Vargas foi nomeada quando ele ainda estava vivo. O mesmo se deu com o nome do município de Getúlio Vargas, no norte do Rio Grande do Sul.
  12. antigamente Av. Progresso, em 1913
  13. Estava sendo elaborado o Plano Diretor, que previa profundas mudanças na urbanização da cidade, com a abertura de várias avenidas e construção de prédios públicos.
  14. Hoje Academia Passo- Fundense de Letras
  15. Votaram contra a mudança do nome de qualquer rua da cidade: Francisco Antonino Xavier e Oliveira, Dr. Celso Fiori, Dr. Rômulo Teixeira, Dr. Mario Braga, Gomercindo dos Reis e outro membro.
  16. Votaram a favor da mudança do nome da Avenida Brasil: Dr. Reissoly José dos Santos, Reverendo Sady Machado, Dr. César Santos, Arthur Süssembach, Paulo Giongo e Jorge Edet Cafruni.
  17. Voto do Dr. Mauro Machado
  18. O Nacional, Passo Fundo, 13 nov. 1954.