Machado de Assis um mestre da literatura

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Machado de Assis um mestre da literatura

Em 30/06/2007, por Alberto Antônio Rebonatto


Machado de Assis um mestre da literatura

ALBERTO ANTONIO REBONATTO[1]


Escrever sobre o principal vulto da nossa Literatura não é tarefa fácil. A dificuldade não está na pesquisa, que apresenta uma gama enorme de opções, mas na abordagem de qualquer fato novo, porque quase tudo já foi visto eestudado.

Para se ter uma idéia do que foi pesquisado e escrito sobre o autor, basta dizer que, além dos inúmeros textos esparsos em jornais e revistas, nada menos do que 20 autores produziram biografias e ensaios sobre sua vida e sua obra.

Alguns não se limitaram a um único trabalho. Raymundo Magalhães Júnior, por exemplo, em 1955, publicou"Machado de Assis desconhecido". Em 1958, "Ao Redor de Machado de Assis: pesquisas e interpretações" e"Machado de Assis, funcionário público: no Império e na República". Em1972,"A Juventude de Machado de Assis". E, em 1981, Vida eobra de Machado de Assis, em quatro volumes, contrariando, inclusive, biógrafos anteriores, para, segundo afirma no prefácio do volume primeiro, "evocar, com maior rigor cronológico e com mais ampla documentação, a vida e a obra de Machado de Assis e o meio em que desenvolveu sua atividade "

Também Josué Montello produziu diversos compêndios. Assim é que, em 1972, publicou "Machado de Assis"; em 1986,"O Presidente Machado de Assís”; em 1997,"Memórias Póstumas de Machado de Assis" e, em 1998, "Os inimigos de Machado de Assis". Outros autores igualmente dedicaram mais do que um trabalho à vida e à obra do grande Mestre.

Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, e encabeçada pelo Presidente da Academia Brasileira de Letras, organizou epublicou as edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes.

A Academia Brasileira de Letras é chamada a Casa de Machado de Assis e, em seu Centro Cultural foi criado, em1999, o espaço Machado de Assis, destinado à pesquisa e ao estudo do universo machadiano, com a utilização dos recursos da técnica moderna e acessível ao público interessado. São apenas alguns exemplos da importância do escritor no mundo das letras e do grande interesse que desperta entre a intelectualidade brasileira.

Dados biográficos

Neto de escravo alforriado, filho do mulato pintor de paredes, Francisco José de Assis, e da portuguesa, MariaLeopoldina Machado de Assis, de afazeres domésticos, segundo alguns, e lavadeira, segunda a maioria, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, subúrbios do Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839.

Bem cedo perdeu a mãe e a irmã. Mais tarde, perdeu o pai que havia se casado em segundas núpcias com MariaInés, irmã de Maria Leopoldina. Menino pobre, epilético, gago emal nutrido, tinha todos os predicados para se tornar um desconhecido.

Sem recursos para freqüentar bons colégios, teve pouca ou nenhuma escolaridade. Alguns referem que freqüentou escola pública. Se o fez, não foi com a regularidade necessária. O que se sabe é que, quando contava quatorze anos de idade, sua madrasta Maria Inés foi trabalhar como doceira num colégio do bairro e levou junto o enteado. Vendendo doces, contatava com alunos e professores. Não está afastada a hipótese de que tenha freqüentado algumas aulas nas horas de folga. Consta, também, que conheceu uma senhora francesa, dona de padaria, cujo forneiro o iniciou no ensino do francês. Um padre amigo, de nome Silveira Sarmento, lhe ministrou gratuitamente aulas de francês e latim.

Sua madrinha, Maria José Mendonça Barroso, proprietária da Quinta do Livramento, onde seus pais foram agregados, foi a fada boa que orientou sua meninice. Além de auxílio material, lhe propiciou a oportunidade de conhecer pessoas influentes.

Dotado de uma vontade férrea e de um desejo imenso de ser alguém, não mediu esforços para superar as enormes dificuldades que se antepuseram a seus sonhos. Se pode definí-lo como pessoa esforçada, meticulosa, autodidata emetódica. Só dessa maneira poderia amealhar o cabedal de conhecimentos que adquiriu freqüentando bibliotecas públicas.E foram essas qualidades que encantaram o incentivador de novos talentos, do Rio de Janeiro, chamado Francisco de Paula Brito, dono de livraria e tipografia, e do jornal "A Marmota Fluminense", onde costumavam se reunir representantes da intelectualidade carioca.

O poema "Ela ", primeiro trabalho conhecido do escritor, foi publicado em 12.01.1855, naquele jornal, onde Machado passaria a assinar uma crônica semanal e a integrar seu corpo redatorial. Foi no mesmo jornal que começou a relacionar-se com Manoel de Macedo, José de Alencar, Gonçalves Dias e, principalmente, Manoel Antonio de Almeida, então Diretor da Imprensa Nacional, que lhe ofereceu o emprego de aprendiz de tipògrafo. Tinha então 17 anos de idade. Incentivado por seus amigos, continuou escrevendo, eseus trabalhos passaram a ser publicados por outros jornais do Rio de Janeiro. E, produzindo poemas e crônicas, foi formatando seu estilo sutil e preciso e sua ironia amarga esarcástica, marca constante nos seus contos e romances.

Sabedor que era das dificuldades em sobreviver com a literatura, deu especial atenção à carreira burocrática. Começou como funcionário do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras, no posto de primeiro oficial da Secretaria do Estado. Mais tarde foi promovido a chefe de Seção. Ocupou, ainda, o cargo de Diretor da Diretoria do Comércio do mesmo Ministério, e Diretor Geral da Viação, além de secretário de diversos ministros. Por Decreto do Imperador, tornou-se Oficial da Ordem da Rosa, em 1888. Em 1896, ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, e, no início do ano seguinte, foi eleito seu primeiro presidente, cargo que, por méritos e por deferência de seus confrades, exerceu em caráter perpétuo até o fim de seus dias.

Velho amigo e admirador de José de Alencar, que morrera cerca de 20 anos antes da fundação da ABL, escolheu o grande romancista cearense para seu patrono. Ocupou a cadeira n.° 23.

Conheceu Carolina de Novais, portuguesa, mais velha do que ele, com quem se casou em 12 de novembro de 1869.

Contrariamente ao amor ficcional dos personagens de seus livros, viveu com ela na mais perfeita harmonia, durante35 anos. Ela faleceu em 1904. Em uma das cartas que lhe dirigiu, Machado escreveu:

"Tu não te pareces com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como os teus são prendas raras. Como te não amaria eu?"

Carolina não se limitou ao papel de esposa ecompanheira amorosa. Foi também sua incentivadora einspiradora. Quase toda a obra machadiana foi construída durante a convivência com Carolina. A ela dedicou o sempre louvado soneto "A carolina", uma de suas poesias maisconhecidas.

A grande perda e a enorme saudade que carregaria da eterna amada, se expressam na primeira estrofe daquele soneto:

"Querida, ao pé do leito derradeiro

Em que descansas dessa longa vida

venho aqui e virei, pobre querida,

Trazer-te o coração do companheiro".

Ainda sobre Carolina, escreveu:

"Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo.... Aqui me fico, por ora, na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará".

Não esperou muito. Apenas 4 anos. Faleceu em 29 de setembro de 1908. O jornal Correio da Manhã, em sua edição de 30 de setembro do mesmo ano, registrou:

"Perde a nossa língua um dos seus mais vigorosos eprofundos escritores. Com ele desaparece a mais leve e a mais encantadora de nossas prosas, a mais completa e a mais perfeita das organizações literárias que possuímos.

" Rui Barbosa, à beira do túmulo, proclamou:

" Ninguém na língua portuguesa tinha prosado à moda de Frei Luiz de Souza, e cantado à maneira de Luiz de Camões, como o poeta de Crisálidas e o novelista de Helena ede A mão e a luva."

Obra Machadiana

A obra de Machado de Assis abrange quase todos os gêneros literários. Compreende poesia, peças teatrais, romance, crônicas e contos. Escreveu sobre tudo o que ocorria na vida fluminense. Apesar do conteúdo universal de suas histórias, viveu circunscrito ao Rio de Janeiro e a algumas cidades próximas. Lúcia Miguel Pereira, ao analisar os personagens machadianos, assim escreve:

"Suas criaturas, largamente humanas, evidenciando em suas relações a irremediável solidão dos seres perdidos num mundo cognoscível, são ao mesmo tempo tipicamente brasileiras, cariocas, traindo em todos os seus gestos o ambiente em que viviam. "

Seu primeiro volume foi impresso em 1861, na tipografia de Paula Brito. E foi uma obra teatral chamada"Queda que as mulheres têm para os tolos ". É uma comédia eele figura como tradutor.

Seu primeiro livro de poesias, "Crisálidas". saiu em1864. Seu primeiro romance, "Ressurreição", foi publicado em1872.

Seu legado literário é imenso: QUATRO volumes de poesias; NOVE obras teatrais; NOVE romances e muitos contos, reunidos em SETE volumes.

É considerado por muitos o maior escritor brasileiro e,se forem levados em conta somente os gêneros conto eromance, um dos grandes do mundo.

Seus romances. Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, foram traduzidos para o alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, servo-croata e o primeiro, ainda, para o polonês, romeno, sueco, tcheco e estoniano. E o segundo, para o dinamarquês e o holandês. Outros romances também foram vertidos para vários idiomas.

Alguns dos seus trabalhos foram adaptados para a televisão, teatro e cinema.

Críticos do mundo inteiro vêm estudando ou estudaram sua obra. Entre eles, podemos citar o francês Anatole France, os italianos Giuseppe Alpi e Eduardo Bizzari e os norte-americanos John Gledson e Susan Sontag, somente paramencionar alguns. No Brasil, além de estudado e criticado pelas mentes mais brilhantes, é referência para muitos escritores.

Penso que foi no conto que Machado de Assis se sublimou, talvez encantado com o mais novo gênero da literatura mundial. Segundo ArthurVoss, o "conto, como gênero literário, data de século e meio." Ou, ironia à parte. Machado praticou a própria conceituação irônica do conto: "o conto leva sobre o romance, se ambos forem medíocres, a vantagem da brevidade."

Em toda a sua trajetória literária, sempre valorizou mais a análise do que a ação dos seus personagens. Interessou- se na avaliação psicológica e buscou, obstinadamente, compreender e transmitir as verdadeiras razões e os principais mecanismos que comandam as ações humanas.

Suas histórias são tão pródigas em reflexões quanto pobres em ações. Algumas de suas reflexões ganharam notoriedade, seja pela profundidade da filosofia, seja pela ironia, uma constante em quase tudo o que escreveu. À guisa de curiosidade, transcrevemos umas quenos chamaram a atenção:

"A primeira condição de quem escreve é não aborrecer."

"Não é a ocasião que faz o ladrão; é o furto. O ladrão já nasce feito."

"O que distingue o homem do cão é a faculdade de fazer com que uma noite não se pareça com a outra. "

"O trabalho é honesto, mas há outras ocupações pouco menos honestas e muito mais lucrativas. "

Outra característica machadiana é o seu extraordinário poder descritivo, seja no estudo psicológico dos personagens, seja na descrição das coisas simples do cotidiano. Vejamos, por exemplo, como ele descreve uma loja humildede subúrbio, que compra e vende quase tudo:

"A loja era escura, atulhada de causas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas, que se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem tampas, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas, uma bolsa de veludo, dois cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de arame para o carnaval que há de vir, tudo issoe o mais que eu não vi ou não me ficou na memória. " (Do conto; Idéias de canário.)

As situações vividas pela maioria dos personagens de Machado de Assis contrastam tanto com sua vida privada que chamam a atenção pelo seu antagonismo. Por exemplo, o amor praticado com Carolina encontra pouca ou nenhuma ressonância com o ficcional vivido pelas criaturas da sua imaginação.

Outro traço marcante em suas criações é o ingrediente fúnebre, presente em boa parte de seus contos. Na série relíquias da casa velha, podemos destacar, por exemplo. "Marcha Fúnebre ". em que o deputado Cordovil se deleita numa espécie de alegria mórbida ao fazer um jogo com a morte, chegando até a desejá-la; e em"Conto de escola", em que um menino, pela primeira vez, toma contato com a morte. No compêndio Várias histórias, a característica assoma em diversos personagens, como quando relata a vida de Quintilia, moça formosa e rica de "A Desejada das Gentes", que sempre adia o casamento e, quando o aceita, morre nos braços do noivo; na vida de Maria Luiza, de "A causa Secreta", que morre de tuberculose, vítima do sadismo do marido; e na história de Valongo, de "O Enfermeiro", que asfixia o doente para tornar-se seu herdeiro.

Nada, no entanto, se compara à dedicatória do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas:

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança, estas Memórias Póstumas. "

O pessimismo radical também foi uma constante, tanto em sua obra como em sua vida. Para justificá-lo, houve uma infância e uma adolescência difíceis, e um perpétuo preconceito por sua ascendência negra. O que, convenhamos, não é pouco. Penso, no entanto, que poderia ser amenizado pela sua trajetória vitoriosa, tanto na vida privada como na atividade profissional. E, contrariamente a muitos que só obtiveram reconhecimento pós-morte, Machado contou com a admiração de seus contemporâneos, que não lhe pouparam merecidos elogios. O grande Ruy Barbosa, por exemplo, sempre o tratava como MESTRE.

Daí a razão porque muitos críticos estranham o seu radicalismo pessimista, como Afrânio Coutinho, que considera o pessimismo machadiano mais radical que o de Pascal,porquanto, a despeito de apontar a contradição essencial da natureza humana, concepção barroca para a qual o homem é atraído pelos dois infinitos do nada e do absoluto, Pascal ainda alimentava uma grande esperança otimista na vida futura. Pascal não acreditava no homem e odiava a vida, porém tinha confiança em Deus. Ao passo que Machado não confia no homem, não ama a vida e nem espera nenhuma bem-aventurança futura". Tanto é que, lúcido, recusa o conforto da religião no leito da morte.

Outra acusação que lhe é imputada é a de ignorar a escravatura e a questão racial, apesar de ser neto de escravo. Mas, se bem observado, e de acordo com críticos mais modernos. Machado a repudia à sua maneira. Não faz dela um cavalo de batalha, mas a encara como um triste acontecimento decorrente da condição humana. À sua moda, denunciou a escravidão ao torpedear a idéia muito em voga na época da "bondade dos brancos", como acentuou em crônica publicada em 19 de maio de 1.888, logo após a proclamação da Lei Áurea, ironizando justamente "a bondade dos brancos".

Arnaldo Nogueira Júnior, no projeto "Releituras" faz a seguinte análise:

"Dizem os críticos que Machado era urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico, ignorou questões sociais como a Independência do Brasil e a abolição da escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo ambientado suas histórias sempre no Rio, como se não houvesse outro lugar.... A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como um mestre da observação psicológica.....Sua obra divide-se em duas fases, uma romântica e outra parnasiano-realista, quando desenvolveu inconfundível estilo desiludido, sarcástico e amargo. O domínio da linguagem é sutil e o estilo é preciso, reticente. "

Por maior que seja a verbosidade dos críticos e por mais contundentes que possam parecer as observações dos estudiosos, é inegável que Machado foi um expoente da literatura. E, como outros gênios, sofreu contestações ecríticas, quase sempre comuns a quem se destaca. Os motivos são os mais diversos. Algumas vezes nem existem motivos. No caso de Machado foi pela dubiedade e pela ironia. Nada, no entanto, suficiente para macular o brilho e o valor da sua obra. Para aquilatar sua importância no mundo das letras, o site da Internet Wikipédia, que se autodenomina "uma enciclopédia livre e gratuita", editada em diversos idiomas, informa que o crítico norte-americano Harold Bloom considera Machado de Assis um dos cem maiores gênios da literatura de todos os tempos, ao lado de nomes como Dante, Cervantes e Shakespeare.

Para encerrar, não tenho qualquer dúvida em afirmar que Machado foi e continua sendo uma das maiores expressões literárias do nosso país, senão a maior, e um dos grandes nomes da literatura mundial.

Referências

  1. Alberto Antonio Rebonatto pertence à Academia Passo-Fundense de Letras