Homenagem da APL ao HSV de Paulo, pela passagem dos seus 90 anos

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Homenagem da APL ao HSV de Paulo, pela passagem dos seus 90 anos

Em 27/06/2008, por Welci Nascimento


Homenagem da APL ao Hospital São Vicente de Paulo, pela passagem dos seus 90 anos[1]

Welci Nascimento[2]


Há poucos dias a Academia Passo-fundense de Letras perdeu uma de suas mais ilustres mulheres. Não só esta casa, mas também a cidade de Passo Fundo. Refiro-me à morte da professora Delma Rosendo Ghem, historiadora que, ao longo dos anos, registrou os acontecimentos mais significativos que constituem a história deste município, especialmente da cidade.

No dia 24 de junho do ano de 1918, na noite de São João, certamente muito fria, com fogueiras pelas ruas da cidade, que ruas estas ainda não eram calçadas, nasceu o Hospital São Vicente de Paulo. Nessa época, era lançado o primeiro loteamento organizado da cidade: “a Vila Rodrigues”, uma iniciativa do empresário Faustino Rodrigues da Silva que, dois anos depois, organizava também a primeira feira de animais, em nossa cidade.

No interior do Município começava o povoamento da sede Sarandi, com famílias alemãs e italianas.

A Câmara de Vereadores aprovava a emancipação política do Distrito de Boa Vista do Erechim.

Na cidade era inaugurado o Banco Pelotense e prosseguia a arborização da Avenida Brasil, assim denominada em 10 de dezembro de 1913.

Era construída uma linha telefônica ligando a cidade à localidade de Marau, uma iniciativa do Capitão Jovino da Silva Freitas, pai de um dos primeiros médicos do Hospital São Vicente de Paulo, o Dr. Jovino, conhecido por todos nós.

O Município, naquela época, ainda se refazia dos estragos ocasionados pela Revolução Federalista de 1893.

Os maragatos se organizavam na cidade, sob a liderança do Dr. Artur Caetano, e o povo sentia no ar outro conflito, que viria no ano de 1923, por motivos eminentemente políticos.

Poucos antes de ser fundado o HSVP, Passo Fundo elegeu dois deputados: Dr. Nicolau de Araújo Vergueiro, chimango, e Dr. Artur Caetano, maragato.

Fazia 29 anos que a República havia sido proclamada no Brasil.

Na cidade já havia um hospital, ainda em organização, fundado em 1914. Era o Hospital de Caridade, hoje Hospital da Cidade.

Ele atendia os doentes num velho casarão de madeira, situado na Rua General Osório, esquina com a Rua General Neto. Atendeu as primeiras pessoas infectadas pela terrível gripe chamada espanhola, que atacava o mundo inteiro.

A professora Delma registrou que, em maio de 1918, os Vicentinos de Passo Fundo, que se organizaram em 1916, promoveram um espetáculo no cinema central, em benefício do Hospital de Caridade, para auxiliar os doentes ali internados, infectados pela terrível epidemia, que o povo costumava chamar de “peste”.

Foi daí que os Vicentinos de Passo Fundo tiveram a iniciativa de criar outro hospital.

Esse hospital nasceu nas entranhas da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição Aparecida, sob a liderança do Padre João Rafael Iop, com um grupo de vicentinos e do apostolado da oração.

Dessa feliz iniciativa surgiu e foi registrada a Sociedade Hospitalar Beneficente São Vicente de Paulo. Desde a sua fundação até hoje, o Hospital São Vicente de Paulo é mantido por esta entidade. Ela, até os dias atuais, não distribui lucros aos sócios nem remunera a sua diretoria.

Ao longo do tempo, vem aplicando, integralmente, as sobras financeiras para manutenção e desenvolvimento de suas finalidades sociais e assistenciais. Daí, certamente, um dos segredos do sucesso, ao longo dos anos, das sucessivas gestões do HSVP. A gestão da coisa privada, em última análise, não deixa de ser, também, uma gestão pública, porque tudo vem de Deus.

No dia 29 de dezembro de 1918, o jornal “O Gaúcho”, órgão do Partido Republicano local, estampava nas suas poucas páginas, uma notícia:

“É inaugurado, oficialmente, na cidade de Passo Fundo, um hospital com o nome de Hospital São Vicente de Paulo.”

Informava o jornal que, desde muitos dias, o referido hospital já vinha prestando relevantes serviços, tendo já agasalhados doentes infectados pela gripe espanhola. E acrescentava: o hospital é fruto de uma associação civil.

O padre João Rafael, pároco da igreja matriz, respeitosamente, comunicou o funcionamento do HSVP ao Dr. Borges de Medeiros, Presidente do Estado do Rio Grande do Sul.

Este, satisfeito com a boa notícia, respondeu a missiva do Padre Rafael, congratulando-se com o fato ele disponibilizou os serviços médicos do Dr. Nicolau de Araújo Vergueiro, então chefe do Posto de Higiene local, para, por conta do Governo do Estado, prestar seus serviços ao hospital.

Os senhores, Herculano Trindade, que veio a ser o primeiro presidente da Sociedade Hospitalar, e Ludovico Dela Mea, ambos vicentinos, tomaram a iniciativa de construir um pavilhão de madeira, para servir de isolamento dos doentes infectados pela moléstia contagiosa.

O corpo de enfermagem era constituído por pessoas leigas. De formação técnica, só contavam com a boa vontade. Registra-se que quase todos foram contaminados pela epidemia.

Hoje o HSVP conta com mais de mil técnicos, altamente especializados.

Naquela época, o Padre Rafael solicitou à equipe médica do hospital, constituída por três médicos, que atestassem as condições da casa de saúde. A equipe médica atestou, a pedido do Padre Rafael, que os doentes eram bem atendidos e que havia boas condições de higiene. Hoje, a taxa de infecção hospitalar do HSVP é de 3,7%, representando a metade do que preconizava os órgãos controladores da infecção hospitalar no Brasil. Por outro lado, a taxa de satisfação dos doentes e seus familiares atingem o índice de 98% favorável, segundo pesquisas realizadas pela própria casa de saúde.

O hospital, naquela época, fazia uso de um velho casarão situado na rua Paissandu. Esse casarão levava o número 16. Eram duas enfermarias e uma sala de cirurgia. Somava 240 metros quadrados de área disponível.

Hoje são mais de 50.000 metros quadrados de área construída, com dezenas de enfermarias. Realiza quase 30.000 internações/ano, sendo que 61% pelo Sistema Único de Saúde. Realiza ainda centenas de cirurgias, muitas delas de alta complexidade, atendendo pessoas de vários níveis sociais.

Há que se destacar que somente 40% dos atendimentos são oriundos do município de Passo Fundo. O restante procedente de 460 outros municípios. A taxa de ocupação dos leitos atinge um percentual de 94%, como média/ano.

Por que São Vicente de Paulo?

Porque este santo da Igreja Católica é o padroeiro de uma sociedade de caridade fundada em Paris, na França, no ano de 1833, pelo jovem estudante da faculdade de direito, Antonio Frederico Ozanan.

São Vicente de Paulo costumava dizer que a pobreza é evangélica. A miséria, não. Esta precisa ser curada pela sociedade. Por isso São Vicente de Paulo procurava multiplicar esforços, a fim de arregimentar, sob o estandarte da caridade, o maior número de serviços aos pobres. “Quem possui um vasto domínio”, dizia São Vicente, “recebe de Deus o encargo das almas”, isto é, quem tem bens e poder tem o dever rigoroso de socorrer os necessitados. A sociedade São Vicente e Paulo está espalhada, hoje, pelo mundo inteiro. São os chamados vicentinos.

Morreu no dia 27 de setembro de 1666. São Vicente de Paulo é reconhecido no mundo inteiro como “o Embaixador da Caridade”, pelo que fez pelas pessoas miseráveis, fruto de uma sociedade injusta. Daí porque as pessoas daquela época escolheram São Vicente de Paulo como patrono do Hospital da Cidade de Passo Fundo, fundado no ano de 1918.

Que responsabilidade!

De lá para cá, o HSVP vem procurando, na medida de suas forças, elaborar projetos que beneficiem as pessoas de todos os níveis sociais. Pelo menos nos parece, e a população de Passo Fundo pode constatar, o São Vicente não é do tipo daqueles hospitais que, infelizmente, costumamos ver nos noticiários da televisão brasileira. Milhares de pessoas, todos os dias, buscam a vida no HSVP, e a encontram.

Pela sua capacidade técnica na realização de procedimentos especializados de urgência, emergência e alta complexidade, é que o hospital foi reconhecido pelo Ministério da Saúde, como um hospital referência para o sul do Brasil. Lá, para todas as pessoas, com ou sem recursos materiais, são disponibilizadas a medicina e técnicas mais modernas.

O hospital é uma das empresas que mais gera empregos. É um bem para a família passo-fundense e um bem para as finanças da prefeitura.

O Intendente Municipal, Pedro Lopes de Oliveira, que administrava o município no ano de 1918, sabia muito bem por que deveria auxiliar no desenvolvimento do hospital. No ano de 1918, o Bispo da Diocese de Santa Maria aprovou sua fundação, dizendo:

“Já não resta dúvida de que o HSVP tem por si a bênção de Deus...vai ser uma Santa Casa em seu melhor sentido.”, dizia o prelado. O Intendente um municipal destinou a quantia de dois contos de réis para ajudar o novo hospital. O povo da cidade acorria, generosamente, enviando auxílios. Convém salientar que, para garantir o atendimento dos doentes, em especial das famílias pobres, havia um grupo de pessoas, no mais das vezes vicentinos, que organizavam listas de “zeladores” que, mensalmente, recolhiam dinheiro para o sustento do hospital. A estrutura financeira básica tinha como ponto de partida a organização do povo. Faziam a arrecadação deste dinheiro pessoas da mais alta estima e consideração da cidade, como por exemplo: Padre Rafael, Ludovico Dela Mea, Antônio Albuquerque, João Colavin, entre outras, que residiam no Distrito de Carazinho e nas Colônias do Alto Jacuí.

As irmãs religiosas que atuam no HSVP foram e são verdadeiros anjos de caridade. E as enfermeiras sempre souberam dispensar carinho e dedicação, que consolam e aliviam os doentes.

Quem, dos que aqui estão ainda não foi atendido, ou um dos familiares, ou amigo, por estes verdadeiros anjos da caridade?

E as décadas do Século XX iam passando, passando, passando,... E o hospital ia acompanhando suas transformações sociais e os avanços tecnológicos.

A velha casa alugada na Rua Paissandu já não conseguia atender as exigências da medicina, que avançava, após o término da primeira guerra mundial.

Era necessário construir um prédio próprio, adequado, nos moldes de um verdadeiro hospital. Mas não estava fácil, não!...

O dinheiro andava escasso.

As manifestações políticas se estendiam por todos os lados da cidade, e uma nova revolução estava por acontecer.

A década de 20 não seria boa. Desde a guerra do Paraguai, a família passo-fundense não teve sossego.

Mesmo assim, a construção de um pavilhão, na Rua Teixeira Soares, foi concretizada. E a década de 20 chegou ao seu final, conduzindo Getúlio Vargas ao poder, pela revolução de 1930.

Passo Fundo foi uma terra de passagem para o movimento das tropas, e o hospital serviu de abrigo para muitos soldados.

Na década de 40, mais precisamente no ano de 1942, o hospital foi ampliado com a construção de mais um pavilhão.

Em 1945, ao término da segunda guerra mundial, o Brasil foi redemocratizado e elegeu o seu Presidente da República, sob a ótica de uma nova Constituição.

O HSVP continuo crescendo e acompanhando as transformações sociais, iniciando-se a década de 50 com esperanças redobradas. Nasceu o movimento da música Bossa Nova, instalou-se a era Jucelino, e a indústria automobilística brasileira deu sua arrancada.

Por aqui, dois fatos marcaram a trajetória do hospital, durante essa década:

A instalação da Diocese de Passo Fundo, com a conseqüente nomeação do Bispo Dom Cláudio Colling; e a criação da Universidade de Passo Fundo, com a fundação da Faculdade de Medicina, em 1969.

Dom Cláudio foi um marco para o Hospital. Com ele surgiu, entre outros benefícios, o ensino no interior do hospital. Por ocasião da inauguração do novo bloco cirúrgico, na década de 60, na gestão do Sr. Plínio Grazziotin, Dom Cláudio dizia:

“Tudo crescerá... Não haverá parada no caminho.”

De fato, hoje são mais de 20 salas compondo o bloco cirúrgico, que logo será inaugurado, marcando uma nova fase do hospital.

Dom Cláudio antevia esse desenvolvimento, claramente, há mais de 40 anos. Por coincidência, ele nasceu no dia 24 de junho.

A década de 60 marcou o tempo da revolução cultural no Brasil e também de transformações políticas. A mulher começou a ocupar o seu espaço, os estudantes foram para as ruas contestar, surgiu a pílula anticoncepcional, a música de protesto e a capital do Brasil mudou de lugar.

O Hospital São Vicente de Paulo também não parou.

Construíram-se novos pavilhões, ampliando a área física. Aparelhos de última geração foram instalados nas décadas que se sucederam.

Quando o novo milênio chegou, o Hospital São Vicente de Paulo já estava preparado para recebê-lo.

Ele exigia mais qualidade e mais competitividade nas ações.

Os tempos mudaram... E o hospital mudou também.

Houve mais respeito à vida, ao meio ambiente; mais valorização dos recursos humanos, e a exigência de um corpo clínico altamente especializado.

O tempo não pegou o Hospital São Vicente de Paulo de “calças curtas”, como diz a sabedoria popular. E sua vocação,ao longo dos anos, tem sido resolutiva.

Há, no interior do Hospital São Vicente de Paulo um pedacinho do céu, mesmo em meio a toda a tecnologia dos novos tempos. A psicologia e a ciência médica, nestes últimos anos, têm valorizado muito um novo serviço que ajuda na recuperação dos doentes.

Refiro-me ao serviço da Pastoral Hospitalar, com a presença de Jesus Eucarístico junto ao leito dos doentes, e a Palavra de Deus, animando-os, continuamente.

Senhoras e Senhores!

A Academia de Letras sente-se sumamente honrada em homenagear o Hospital São Vicente de Paulo, quando ele atinge 90 anos de vida. Essa vida é dos seus diretores, dos seus médicos, dos seus enfermeiros, dos seus funcionários, sejam eles técnicos ou burocratas, serviços de limpeza, vigilância e segurança. Todos merecem ser lembrados e homenageados.

Esta casa, fundada 20 anos depois do Hospital São Vicente de Paulo, já abrigou homens e mulheres ilustres que, certamente, ajudaram no desenvolvimento do hospital. Só para lembrar, citamos os nomes: Dr. César Santos, médico; Dom José Gomes, prelado da Igreja Católica; Sadi Machado, da Igreja Metodista; Daniel Dipp, ex-prefeito e deputado federal; Nicolau de Araújo Vergueiro; Delma Rosendo Ghem, entre tantas outras personalidades.

Parece que houve uma interação de propósitos entre as duas instituições: a instituição cultural e a de saúde.

Senhores, Décio Ramos de Lima e Ronaldo Marson, que representam a família vicentina junto ao hospital; Senhores, Ilário De David e Rudah Jorge, que representam respectivamente, a gestão administrativas e médica do HSVP; Queiram receber, da Academia Passo-Fundense de Letras, a saudação carinho dos acadêmicos e acadêmicas deste sodalício, e em especial, do seu presidente, Paulo Monteiro.

“A caridade não pode ser confundida com filantropia”, dizia São Vicente de Paulo.

O Hospital procura fazer filantropia, caridade e, acima de tudo, procura ter compaixão com os doentes, porque esta vem de Deus, nosso Senhor.

O Hospital São Vicente de Paulo vem procurando seguir o caminho de seu patrono, São Vicente de Paulo:

“Direitos iguais para quem pode ou não pode pagar”.

Hospital São Vicente de Paulo ! “Escolhe, pois, a vida”, porque 75% das crianças nascidas na cidade de Passo Fundo abrem seus olhinhos no interior do centro obstétrico do HSVP.

Saudamos todos os vicentinos, na pessoa do confrade José Bertoglio, hoje com 96 anos de idade. Ele que passou quase a metade da sua existência nas atividades da Sociedade São Vicente de Paulo.

Lembramos Félix Sana, Bernardino Guimarães e tantos outros que já se foram.

Lembramos o nome de todos os vicentinos, na pessoa de Olírio Graziottin, Plínio Graziottin, Dionísio Tedesco e Carlos Rigo que, felizmente estão junto a nós; as novas gerações:  Marco Mattos, Deonir De Marco.

É o passado brilhando no presente.

E, para finalizar, queremos, neste momento, lembrar as palavras proferidas por Dom Miguel Lima Valverde, Bispo da Diocese de Santa Maria, no ano de 1918, quando aqui esteve.

Dizia o Prelado:

“Foi a caridade de Cristo que forçou, impeliu e constrangeu as pessoas de Passo Fundo a descerrar as portas deste abrigo para os pobres, os quais, muitas vezes, menos pela graveza da moléstia que pela falta de socorros adequados, vêm confortando o fio da existência.”

Referências

  1. Discurso proferido na sede da APLetras em alusão aos 90 anos do Hospital São Vicente de Paulo. Publicado na revista Água da Fonte n° 06
  2. Acadêmico, membro da Academia Passo Fundense de Letras