Gabriel Bastos, poeta e prosador
Gabriel Bastos, poeta e prosador
Em 28/07/2008, por Paulo Domingos da Silva Monteiro
Gabriel Bastos, poeta e prosador[1]
Quando estudamos a literatura passo-fundense verificamos que existem algumas personalidades significativas a nível local, e tão desconhecidas quanto nossa própria história. Gabriel Bastos, comerciante, organizador da sociedade civil, político militante, poeta e prosador é uma dessas figuras.
Delma Rosendo Gehn, incansável pesquisadora, afastada da vida social por uma longa e pertinaz enfermidade, dedicou-lhe um longo ensaio, intitulado “Valores de Passo Fundo: Gabriel Bastos”, publicado em O NACIONAL, de 19 de junho de 1973, de onde retiro alguns dados biográficos para este artigo.
Gabriel Bastos, filho de Antonio José Pereira Bastos e de Joaquina da Costa Bastos, nasceu em Santa Maria no dia 9 de janeiro de 1859. Ali realizou estudos primários com o professor Alfredo Calazans. Mudou para Soledade e, posteriormente, em 1885, fixou residência em Passo Fundo.
Aqui manteve casa de comércio e casou com Lucinda Araújo Bastos, com quem teve os seguintes filhos: Alzira Bastos Guimarães, Manuel Araújo Bastos, Olga Bastos de Morais, Mário Araújo Bastos, Alcinda Bastos Rodriguez, Cecy Bastos Quadros, Brasileiro Araújo Bastos, Edith Bastos Miranda, Americano Araújo Bastos e Hiran Araújo Bastos.
Integrou-se, desde cedo, à vida passo-fundense, elegendo-se para o 1º Conselho Municipal Constituinte, logo após a Proclamação da República, desempenhando suas funções até 15 de novembro de 1891. Exerceu o mandado de intendente (prefeito), em 1893, por cerca de um mês, até 18 de agosto, quando solicitou ao presidente (governador) Júlio de Castilhos, sua exoneração. A exemplo de tantos outros moradores de Passo Fundo, durante a Revolução Federalista, mudou-se com a família, fixando residência em Cruz Alta.
Na terra de Erico Verissimo continuou trabalhando e envolvendo-se com a sociedade. Foi presidente do Conselho Escolar, entre 1898 e 1899, estimulando a criação de um Centro Comercial, o que só seria concretizado em 17 de junho de 1900, com a criação do Clube Comercial, do qual foi eleito primeiro vice-presidente. Manteve o jornal “A propaganda”(1900) e colaborou em “O Viajante”, “Cruz Alta”, e “Município em Revista”.
Enviuvando no ano de 1902, mais tarde, contraiu segundas núpcias com Juvência Annes Bastos, com quem não teve filhos. Nesse ano retornou a Passo Fundo, sendo um dos pioneiros da indústria madeireira. Colaborou nos jornais “Echo da Verdade”, “17 de Julho”, “O Gaúcho” e “O NACIONAL”. Continuou sua atividade política no Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), exercendo diversos cargos públicos, inclusive de vice-intendente (vice-prefeito) nos quatriênios 1908-1912 e 1920-1924.
A 7 de abril de 1938 estava entre os fundadores do Grêmio Passo-Fundense de Letras, o mais velho deles. A associação despertou a produtividade intelectual de Gabriel Bastos, culminando com a publicação de três livros.
Já sexagenário continuava estudioso incansável. Assim, quando os “gremistas” decidiram os associados deveriam responsabilizar-se pela elaboração e apresentação de trabalhos literários nas reuniões Gabriel Bastos levou a determinação como uma questão de honra. E se lançou à pesquisa sobre um tema que aguça a imaginação humana há mais de dois mil anos: o continente perdido da Atlântida.
Em 3 de novembro de 1939 encontramos o “velho” apresentando a seus consócios uma palestra sobre “A dor como expressão estética”. E não parou mais. A 12 de abril do ano seguinte já está na terceira conferência sobre “A Atlântida”. Em 16 de maio de 1941 desenvolve a quarta palestra sobre o continente lendário. Pouco mais de um ano depois, a 17 de julho de 1942, Gabriel Bastos entrega os originais de seu livro ao Grêmio Passo-Fundense de Letras. José Pedro Pinheiro, bispo da Igreja Metodista, é encarregado de emitir parecer sobre a obra. A análise, altamente elogiosa, é lida a 28 de agosto. Túlio Fontoura, outro fundador do Grêmio, se prontifica a publicar o livro a ser composto na linotipo do “DIÁRIO DA MANHÔ.
Antes que se concretizasse a divulgação em volume das conferências do Grêmio Passo-Fundense de Letras, Gabriel Bastos deu ao público um livro reunindo poemas de sua lavra e alguns de seu pai. “Da Mocidade à Velhice” (Tipografia Independência. Passo Fundo, 1944) enfeixa poemas tradicionais, como já tive a oportunidade de comentar em “Alguns poetas passo-fundenses” (Revista Água da Fonte, da Academia Passo-Fundense de Letras, Ano 1, nº, pp. 7 e 8), o que mostra a pluralidade de interesses culturais do Autor.
Não sabemos qual o motivo que retardou a edição de “A Atlântida”, só dada a lume no ano de 1948, pelas “Of. Gráficas da CITA Editora Ltda.”, de Porto Alegre. O livro, com 182 páginas, tem uma apresentação do historiador Walter Spalding (pp. 6 e 7), algumas ilustrações de Geolar Caminha e o parecer de José Pedro Pinheiro, secretário geral do Grêmio Passo-Fundense de Letras (pp. 11 a 13). Também deixou um pequeno folheto contendo conferência que pronunciou na Liga de Defesa Nacional de Passo Fundo, da qual foi presidente.
Gabriel Bastos cita autores antigos e modernos para discutir a localização desse continente que teria desaparecido sob águas oceânicas, após ter visto florescer uma vigorosa civilização. Divergindo daqueles que localizavam a Atlântida no oceano que se ao nome, nosso escritor a coloca “ao sul da Ásia, mais ou menos próxima à China, na direção de norte para sueste” (p. 23). Avança, ainda em considerações sobre outros “continentes desaparecidos”, como a Lemúria, a Gonduana e avança em discussões quanto a datações geológicas e considerações astronômicas.
Como é sabido os debates sobre os “continentes desaparecidos” são infindáveis, emergindo das sociedades secretas. Nessa mistura entre o histórico, o mítico e o religioso, é muito difícil separar o falso do verdadeiro.
Gabriel Bastos não ficaria nesse livro. Em 1950 saia dos prelos das “Of. Gráficas da Liv. Nacional – Av. Brasil, 533 – P. Fundo –”, um pequeno volume de 36 páginas, intitulado “Aborígenes Pan-Americanos”, com uma nota introdutória do historiador Francisco Antonino Xavier e Oliveira. É, na verdade, uma continuação de “A Atlântida”. Em linhas gerais defende a tese de que, as terras que constituem a Austrália, arquipélagos e ilhas do Pacífico procedam, como a América do mesmo continente disperso, a Atlântida, enxergando nas diferentes tribos nativas da América restos dispersos dos primitivos moradores daquele território lendário.
Bem escritos, embora questionáveis como todos os livros polêmicos, “A Atlântida” e “Aborígenes Pan-Americanos” ficaram como registros da ação cultural de um homem que as atividades práticas, “imediatistas”, da vida revelaram-se incapazes de afastá-lo das preocupações culturais. A idade avançada em nada arrefeceu produtividade do escritor. Antes, pelo contrário, parece que o estimulou a escrever. Ultrapassou os noventa anos de idade estudando e escrevendo.
Gabriel Bastos faleceu a 25 de julho de 1950, no mesmo ano da publicação de “Aborígenes Pan-Americanos”. Independente de qualquer juízo de valor sobre a obra literária de Gabriel Bastos, o seu exemplo de ativista cultural já o recomenda à consideração dos passo-fundenses.
Gabriel Bastos é um desmentido histórico que pode – e deve – ser lançado à face de tantos quantos usem a falta de tempo e a idade para fugirem aos compromissos com a coletividade.
A Atlântida
José Pedro Pinheiro, in memoriam (*)
O confrade Sr. Gabriel Bastos houve por bem honrar-me com a escolha de meu nome para fazer a apreciação de seu trabalho denominado “A Atlântida”, escolha essa que os demais confrades secundaram.
Cumprindo a tarefa que me foi cometida, desincumbo-me com alegria, traçando as linhas que seguem, depois de palmilhar numa leitura rápida, quase de um só fôlego às 318 tiras manuscritas do próprio punho do autor.
São quarenta e cinco capítulos as três partes e mais um de Preliminares e um Epílogo, dispondo a matéria tratada, com ordem e coordenação, que muito contribuem para a boa compreensão dos assuntos ali explanados.
Muito embora o autor de “A Atlântida” diga, de início que o seu trabalho é uma imaginária digressão pelos campos da Lenda, verifica-se que os seus argumentos, imaginações e suposições estão baseados em teorias mais ou menos comuns a todos os amantes da pré-história, da etnologia e da paleontologia, sendo os elementos próprios do autor uma contribuição de valor apreciável para o esclarecimento desse assunto, lendário pela distância dos tempos, mas ressurgindo das cinzas de priscas eras como explicações de fenômenos cósmicos e etnológicos de outra forma indecifráveis.
Já Sócrates ouvia de Critias a narração do mito da Atlântida, passando para a História, pela primeira vez, a versão da existência de um continente situado muito além das colunas de Hércules, onde um povo florescente fora, há nove mil anos, governado pela dinastia de Atlas. Inundações e terremotos o teriam feito desaparecer, deixando como herança uma lenda fertilíssima para assunto atraente da literatura de todos os povos. E a literatura de nossa língua, particularmente de nossa cidade, se enriquece com a contribuição do venerando confrade Gabriel Bastos, cujo espírito se empolgou e peregrinou em meio à vastidão oceânica da mitologia associada aos esforços da ciência em achar um pouco de verdade dentro do próprio erro, segundo a divisa de S. Agostinho.
Platão, Macróbio, Strabão, Plutarco, Plínio e outros escritores de vulto do passado, todos ocuparam-se com carinho da Atlântida como um fato pré-histórico positivo, guardado pela tradição, solo fértil em que proliferam os devaneios do espírito humano.
E a ciência moderna, parece, em suas conclusões, justificar a existência da suposta e ao mesmo tempo inegável terra de Atlas.
Sejam os sacerdotes egípcios do tempo de Sais (sic) os portadores dessa lendária história da Atlântida ou sejam as trucidas os narradores desse tradicional continente, parira ainda a bruxulear no distante horizonte da imaginação insaciável, o enigma indecifrável da submersa Atlante.
É esse o assunto, assim tão cheio de possibilidades para a imaginação como para o estudo, que o confrade Gabriel Bastos nos brindou em palestras neste Grêmio, e agora nos oferece para o repositório de nossos ensaios e esforços literários.
Em sua linguagem, na qual vaza os seus pensamentos e empreende a sua jornada literária e dissertativa, o autor de “A Atlântida” se assemelha a si próprio. É sóbria adjetivando com prudência, mas dando sempre ao pensamento a cor viva das cousas e dos fatos, que se tornam atrativos, em tudo primando pela clareza do pensamento. É muitas vezes reiterado, repetindo frases e afirmações já feitas, por amor, da seqüência dos pensamentos e da relação dos tópicos entre si, sem que com isso se torne enfadonho, de vez que facilita ao leitor a memória, assim como aos ouvintes da leitura que, como plano, foi feita por partes.
A bibliografia citada não é pequena, Jorge Bahlis, Domingos Jaguaribe, Van Loon. J. L. Campos, Spalding, Dante, Braghine, entre outros, são o contingente de tributários para o conjunto harmônico e concatenado de idéias e reflexões sobre o tema.
Além, pois, dos vôos de imaginação e do recuo introspectivo, prova também o estudo que demandou, consultando tantos autores que do assunto também se ocuparam.
Terminando minha rápida, modesta, mas sincera apreciação, proponho que “A Atlântida” do confrade Gabriel Bastos, passe a ornamentar as estante do Grêmio e da biblioteca, sem que com isso se prive o autor do original ou de uma cópia, para uso próprio e adorno de seus sonhos de ancião em cujo peito ainda pulsa um coração jovem e um espírito vigilante.
E felicito o venerando confrade Sr. Gabriel Bastos, pelo seu trabalho, e o “Grêmio Passo-Fundense de Letras” pela contribuição valiosa que recebeu.
(a) José Pedro Pinheiro
Nota dos Editores: José Pedro Pinheiro, já falecido, foi membro atuante do Grêmio Passo-Fundense de Letras (hoje Academia Passo-Fundense de Letras), bispo da Igreja Metodista e líder maçônico em Passo Fundo. Os Editores da Revista Água da Fonte atualizara a grafia do texto acima, que é o parecer apresentado por José Pedro Pinheiro em sessão do Grêmio Passo-Fundense de Letras, realizada no dia........ Trata-se do parecer sobre as conferências pronunciadas por Gabriel Bastos durante reuniões do sodalício e foi publicado no livro “Atlântica”.
Aborígenes Pan-americanos
Gabriel Bastos, in memoriam (*)
Desde velhos tempos, sábios e escritores vêm fazendo largas dissertações sobre a existência dessa multimilenária lenda que, desde remotas Eras traz a denominação de Atlântida.
Para nós, a lenda desapareceu concretizando-se na Oceania e nesta grande parcela que é a América, única Terra que tem o privilégio de procurar o abraço fraterno, estendendo-se do extremo norte ao extremo sul, como enviando seus sentimentos de concórdia ao hemisfério oposto.
A Atlântida, embora no Pacífico, teria sido assim denominada, porque prevaleceria o nome que lhe teriam dado, em velhos tempos, os adeptos de sua existência no ocidente próximo às Colunas de Hércules, então e antes, conhecidas pela denominação – Atlas. Daí – Atlantes e logo – Atlântida. Entretanto o seu nascedouro, estamos convencidos, teria sido ao oriente da África e sul da Ásia, onde se acha o oceano Índico, ao sul da Índia; e naturalmente por isso, já em época histórica certamente, a esse oceano deram a denominação de Índico.
Conquanto as Terras que constituem a Austrália, arquipélagos e ilhas do Pacífico procedam, como a América do mesmo continente disperso – Atlântida -, neste livro preocupar-nos-emos dos aborígenes pan-americanos e de assuntos correlatos. Destes, pois, procuraremos pôr à luz as relações de parentesco entre si, sua procedência e desenvolvimento em terras ameríndias que são as suas próprias terras, onde os seus ancestrais vieram em catástrofe do sul da Ásia, trazidos no próprio solo nativo, sacudidos por ondas revoltas.
Este livro a que damos o título de “Aborígenes Pan-americanos”, elaboraremos em duas partes sob os títulos: “Generalidades Etnológicas” e “Particularidades Etnológicas”. – Na Primeira Parte, trataremos de assuntos relacionados com o Continente em geral, e na Segunda Parte, restringir-nos-emos aos casos especiais de cada País irmão, isto é, do mesmo Continente.
Conquanto estejamos convencidos de que dota a Oceania procede da mesma fonte – a Atlântida, neste livro trataremos exclusivamente da América cuja atual mentalidade irmana seus Povos nos mesmos sentimentos de recíproca fraternidade. Embora isso, visto que o plano deste livro é concorrer para a confraternização continental, é de nossa ideologia – a Paz Universal – a solidariedade humana que deve ser o excelso ideal de toda a criatura que escreva e o propague, até ser esse predicado parte integrante dos sentimentos de todo o homem que pensa.
A Confraternização Universal deve ser concretizada em seguida ao estabelecimento da concórdia integral dos grupos humanos (nações) que vão fazendo desaparecer as ligeiras divergências que ainda embaraçam a completa harmonia entre os povos.
A humanidade convencer-se-á de que a Concórdia absoluta, a Paz Universal são o Bem que sobre-excele a quaisquer outros interesses. É isto ideal velhíssimo, ao qual já me referi em meu livro “A Atlântida”.
Em os “Mistérios do Povo” velho livro de Eugene Sue, uma personagem – Vitória Soldado – que combatia contra Júlio César, na conquista da Gália, proclamava, já naquele tempo a República Universal, que é fac-símile da Paz absoluta.
Informados os leitores, de que consideramos os aborígenes pan-americanos procedentes da Atlântida, salientamos que as populações primitivas da América ou seus sucessores, serão o principal assunto deste livro.
Nota dos Editores: O texto acima é a Introdução do próprio Gabriel Bastos a seu livro “Aborígenes Pan-americanos” ( 1950 – Of. Gráficas Liv. Nacional – Av. Brasil, 533 – Passo Fundo), onde consta às páginas 7, 8 e 9.
Agradecemos ao pesquisador e bibliófilo Heleno Damian pela generosidade com que nos tem permitido usar, “por tempo indeterminado”, o exemplar de sua biblioteca particular. Essa generosidade é extensiva a outras obras raras.
Referências
- ↑ Publicado na Revista Água da Fonte n° 4