Futebol, estradas e hotéis
Futebol, estradas e hotéis
Em 1952 por, Celso da Cunha Fiori
RECORDAR É VIVER
Programa em data desconhecida
Presumível em 1952
Tema: Futebol, estradas e hotéis
Introdução
Os programas de radio têm corpo e têm alma como os seres humanos.
Eles nascem, crescem no conceito popular, vivem e morrem.
Mas, este programa, “Recordar é Viver”, pela sua própria natureza, tem a faculdade de reviver, de ressurgir a cada passo.
Assim, como que despertando de um sono reparador, eis que a ZYF-5, consegue hoje, comemorando o aniversario desta emissora, apresentar aos seus ouvintes, mais algumas crônicas sobre as coisas do passado de Passo Fundo e algumas musicas de antigamente.
Tudo como dantes. Falta apenas a presença material de Wordel, o estimado passofundense que a morte impiedosa afastou do nosso convívio. A ele a nossa sentida homenagem. E como este programa é todo feito de saudade, ouçamos o primeiro número da orquestra de Wordel, numa recordação deste velho e querido amigo: a valsa Ave Maria.
I
Aqui estou, mais uma vez, para recordar o Passo Fundo do passado, nesta domingueira.
Uma coisa em que nossa cidade não progrediu suficientemente foi em matéria de hotéis. Os atuais são todos já bastante antigos. O Hotel Avenida, data de 1928. Passo Fundo bem merecia já um hotel moderno e devo acentuar que existe legislação municipal no sentido de incrementar e incentivar este ramo. Se fizermos um exame do conforto oferecido 25 anos atrás pelos hotéis de Passo Fundo, veremos que o progresso foi pouco nesse sentido.
Em 1927, pela imprensa local, o Hotel Central anunciava em sua propaganda o conforto oferecido a seus hospedes – “luz elétrica nos quartos”.
Contam que neste hotel, logo que foi instalada a luz, um hospede que vindo do Campo do Meio, não sabendo apagar a luz, deu um tiro de 38 na lâmpada.
Mas um fazendeiro, homem indiscutivelmente inteligente, já falecido e que deixou conceituada família nesta cidade, não sabendo como apagar a luz de cabeceira, depois de muito assoprá-la, enfiou a lâmpada no cano da bota e dormiu sossegadamente.
Mas agora Passo Fundo tem luzes fluorescentes por toda parte e os letreiros luminosos já enfeitam as quadras centrais.
II
Quando hoje nós viajamos pelas faixas macadamisadas (observação: são estradas com camadas de pedras em que é passado um rolo compressor e valetas para drenagem da água), pela Rodovia Federal de Lagoa Vermelha e Vacaria, pela faixa estadual do Marau, pela que conduz a Carazinho, ou vamos pela esplendida estrada que o DAER está construindo na direção de Nonoai, andamos a uma velocidade de 80 km horários e temos a grande preocupação com o trafego intenso de veículos.
Mas a gente gosta de pensar como era tudo, com os primeiros automóveis, há mais ou menos trinta anos passados.
As viagens eram muito demoradas. Levava-se um dia para ir a Lagoa Vermelha e meio dia para ir a Marau ou Carazinho, coisa que hoje se vai em uma hora e 15 minutos. Não havia quase trânsito. Dificilmente cruzava-se por um veículo, principalmente por automóvel.
O episódio que vou relatar demonstra como era o tráfego naquele tempo.
O Sr. Feliciano Trindade fez uma viagem a Nonoai, onde permaneceu um dia. Na volta, achou um pneu. Parou o auto, recolheu-o, bastante intrigado com o achado, mas disposto a chegar nesta cidade e avisar do achado e entregá-lo ao dono.
Mas, dando uma volta ao redor de seu possante Ford de bigode notou que seu estepe não estava no lugar e constatou então que o pneu que acabava de achar era o dele próprio, que ele perdera na ida e achara na volta.
Hoje aqui acham as coisas que se perde, parece que antes de serem perdidas...
Ouçam Saudade de Iguape
III
Há trinta anos atrás, o município de Passo Fundo era um dos maiores do Estado, abrangendo uma vasta área territorial.
Para que se tenha uma idéia da sua extensão, basta lembrar que ele se estendia desde o Rio Uruguai, desde Marcelino Ramos até os limites com Cruz Alta, além da Estação Pinheiro Marcado.
Erechim, Marcelino Ramos, Getulio Vargas, Carazinho e Sarandi – todos estes municípios eram distritos de Passo Fundo.
Com o progresso desta região, foram se emancipando diversas partes do nosso território. Primeiro Erechim, antigo Paiol Grande, do qual já se desmembraram duas partes formandos os municípios de Getulio Vargas e Marcelino Ramos.
Depois Carazinho, que por sua vez cedeu terreno para a criação do município de Sarandi.
A emancipação de Carazinho foi conquistada a duras penas, num daqueles atos decisivos do General Flores da Cunha, então Governador do Estado, ante os brados de protesto dos políticos indígenas daquela época que não queriam perder o seu antigo feudo, o Povinho dos Cachorros, como era chamado pelos passofundenses antigamente o 4º. Distrito de Passo Fundo, Carazinho, o qual na sua emancipação levava os distritos Não-me-toque, Tapera, Selback, Boa-Esperança e Tamandaré, que forneciam apreciável número de votos para o extinto Partido Republicano.
Diziam naquela época que o General Flores da Cunha havia cortado com a espada o mapa de Passo Fundo. É por esta razão que um observador fez esta afirmação: Passo Fundo é pai de Erechim e de Carazinho e avô de Getulio Vargas, Marcelino Ramos e Sarandi.
E ouçamos agora, na evocação daqueles tempos, do Passo Fundo de grande territórios, do tempo do Paiol Grande e do Povinho dos Cachorros, a valsa “Subindo ao Céu”.
IV
Queremos relatar um caso inédito em matéria de estatística e previsão comercial ocorrido em Passo Fundo. Havia, há uns dez anos passados, aqui um vendedor de rua, que andava sempre com um balaio vendendo coisas.
Um dia, andava ele com um balaio às costas, percorrendo as ruas e gritando “Peixe”, olha o “peixe”, Peixe fresco”!
O Dr. Gelso Ribeiro, há pouco falecido, que gostava muito de peixe, correu á porta e chamou o vendedor.
- “Que peixe é?
- “Doutor, eu não tenho peixe nenhum. Estou fazendo isto para ver si tem gente na cidade que se interesse por comprar peixe. Se eu ver que o negocio dá então eu mando buscar para vender.”
Com a Valsa Olga, os nossos seresteiros vão brindar-nos no seu excelente programa escolhido para esta tarde.
V
O futebol vem sendo há muitos anos o divertimento preferido na cidade.
Quando aqui cheguei, em 1926, a população estava dividida em dois grupos: o do Gaucho e o do 14 de Julho. Parece que não havia ninguém que não fosse “Gaucho ou Quatorzeano”.
Fato inédito na historia do futebol, coisa que somente hoje com o advento futebol profissional se vê, havia em Passo Fundo uma pensão exclusivamente ocupada por jogadores do Gaucho.
Havia gente tão entusiasmada com este esporte que chegava a gastar o que podia e o que não podia. Contam que o Sr. Henrique Scarpelini Ghezzi, em 1927, gastou 20 contos com o 14 de Julho (20 contos naquele tempo equivalem a duzentos mil cruzeiros hoje).
O interessante é que mulheres tomavam parte ativa na vida esportiva da cidade, onde havia seguidamente bailes kermesses.
O 14 de Julho chegou a organizar uma legião feminina de torcedoras e aficionadas que tomou o nome de “Estrelário do Grêmio Esportivo 14 de Julho”. Lembram-se?
Durante as partidas a torcida colorada era dirigida por uma distinta senhora de nossa sociedade daquela época, chamada dona Lota. O pior é que a Dona Lota era de briga, (paraíba no duro, como dizem os moços de hoje, mulher macho sim senhor) e por qualquer coisa fincava a sombrinha na cabeça dos torcedores adversários, dava-se a costumeira invasão de campo e o seu Porto ia direto às fuças do juiz.
Hoje já temos campos com tela olímpica contra invasões de campo e túnel para proteção de jogadores e juízes. E para o próximo mês, graças ao alto espírito do Prefeito Daniel Dipp, vamos assistir, se Deus quiser, a exibição de jogos noturnos. Podem preparar-se para esta grande noite que marcará época nos anais do progresso esportivo da cidade.
Como ultimo número, os nossos velhos músicos vão interpretar a Valsa Perdoa.
Pronto. Neste dia triste para todos nós, suas notas melodiosas fizeram vibrar neste breve espaço todos os corações daqueles que lembram com saudade o Passo Fundo de outrora e sonham com entusiasmo do futuro desta terra. Mas voltarão eles, no próximo domingo, com as suas músicas e as suas historias, para que os passofundenses possam, mais uma vez, recordar e viver.