Euripedes Facchini: mestre insigne e magistrado admirável

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Euripedes Facchini: mestre insigne e magistrado admirável

Em 30/04/2012, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo


Euripedes Facchini: mestre insigne e magistrado admirável[1]

LUIZ JUAREZ NOGUEIRA DE AZEVEDO[2]


Passo Fundo perdeu, no primeiro sábado de junho do ano passado, um de seus melhores cidadãos: o magistrado e professor Eurípedes Facchini.

Era paulistano da gema, filho de tradicionais famílias da pauliceia. Graduou-se pelas Arcadas, a escola do Largo de São Francisco, a mais importante e tradicional faculdade de direito do país. Jovem ainda, depois de viver uma temporada no Uruguai, radicou-se definitivamente no Rio Grande do Sul, onde constituiu família e exerceu, predominantemente, as atividades de juiz e professor de direito. Depois de passar por outras comarcas, como as de Soledade e Santa Cruz do Sul, foi promovido por merecimento para Passo Fundo, então comarca de 3ª entrância.

Aqui, entre as décadas de 1950 e 1970, jurisdicionou, sucessivamente, nas duas varas que então funcionavam. Presidia o Tribunal do Júri, afeto à 1ª Vara, e exercia a função de diretor do Fórum.

Era destacado integrante do Rotary Club e de outras entidades, inclusive da antiga Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo, tornando-se professor da Faculdade de Direito, na qual foi professor titular, fundador da cátedra de Direito das Obrigações e Contratos, função que exerceu até o seu jubilamento.

Quando, nos albores de minha vida profissional, iniciei minha atividade na advocacia era ele o juiz da 1ª Vara, diretor do Fórum e presidente do Tribunal do Júri. Foi sob sua presidência que, jovem acadêmico do quinto ano, estreei no júri, defendendo um réu que não podia pagar defensor. Não preciso dizer que consegui absolvê-lo.

Ao final dos trabalhos, o Dr. Facchini, como o chamávamos, proferiu palavras de estímulo e elogio a meu respeito, prognosticando-me um futuro profissional bem sucedido — ao que procurei corresponder em uma vida de muito estudo, dedicação e trabalho. Foram ele e o Dr. Milton Martins os primeiros magistrados perante os quais exerci meu ofício de advogado. De ambos recebi as primeiras lições de como ser advogado, começando pelo exemplo deles.

Desde logo me convenci que os grandes juízes são os mestres dos advogados, de quem são modelos, inspirando-os e estimulando na persecução do ideal da concretização da Justiça, meta suprema da magistratura e da advocacia.

Como juiz, seu rigor e meticulosidade eram impressionantes. Facchini a tudo estava atento, no processo e fora dele, e também na administração do Fórum. Ao presidir uma audiência e colher a prova, testemunhal quase sempre, procurava certificar-se de todas as circunstâncias, perquirindo todos os detalhes, para detectar inverdades e imperfeições dos depoimentos e deles extrair a verdade, sempre que possível. Suas sentenças eram impecáveis: justas, claras e convincentes.

Tanto que, via de regra, as partes e os advogados se conformavam com elas e tratavam de cumpri-las. Por não haver na época essa litigiosidade extrema que hoje se vê, advinda a partir da Constituição de 1988, ficava a critério dos advogados recorrer ou não ao tribunal. A Justiça, por isso, funcionava melhor, sem tantas demandas e recursos.

Não havia essa sobrecarga de agora: prevalecia a técnica da conciliação que, utilizada eficazmente pelos advogados e pelos magistrados, permitia uma maior celeridade e efetividade nas soluções. Facchini, que poderia ter ascendido ao Tribunal de Justiça, preferiu não deixar a sua terra de eleição, Passo Fundo, para voos mais altos na capital do Estado. Optou por permanecer em nossa cidade, no convívio com os seus concidadãos e com a família exemplar que constituiu com sua esposa, D. Herbeni Otto Facchini. Assim, se grande perda houve para o Tribunal e para a vida jurídica do Estado e do país, onde certamente teria relevante participação, mais ganhou Passo Fundo, onde ele permaneceu desenvolvendo sua suas atividades, como filantropo, rotariano, professor e líder comunitário. Por isso, quando se aposentou, depois de breve passagem pela comarca da Capital, recebeu extraordinárias homenagens de nossa comunidade, que o via como o juiz por excelência, não concebendo outro magistrado que não ele, atuando e dirigindo os destinos da comarca.

O professor Facchini também foi liderança destacada em nossa Faculdade de Direito e na estruturação da Universidade. Como todos os egressos das primeiras turmas da Faculdade, tive o privilégio de ser seu aluno. Era um professor pontual, severo e exigente consigo mesmo e com seus discípulos.

Esgotava os programas da disciplina e exigia dos estudantes uma amplitude de conhecimentos que não mais se vê. Éramos obrigados a saber de ponta a ponta o Serpa Lopes, seu autor preferido na matéria. Nada facilitava, impondo pontualidade, silêncio nas aulas, atenção redobrada e estudo constante. Isso fez com que as sucessivas gerações de seus alunos recebessem um aprendizado completo e abrangente. Contraímos com o mestre Eurípedes Facchini uma dívida que jamais poderemos pagar.

Participou decisivamente da estruturação da Universidade, como integrante, por muitos anos, de seu conselho diretor, representando a Faculdade de Direito.

Além de participar de decisões cruciais, contribuindo com sua experiência e ponderação, foi um dos principais formuladores dos estatutos, regimentos e normas fundamentais da Universidade.

Na árdua fase inicial experimentada pela UPF, quando poucos apostavam em sua continuidade e sobrevivência, foi um dos seus condutores mais acatados, influindo poderosamente, com sua ação, prudência e conselho, para que ela viesse a se converter na Universidade prestigiosa e considerada em que se transformou.

Eis alguns aspectos da admirável vida pública do juiz e professor Eurípedes Facchini, filho adotivo de Passo Fundo, cuja ausência deixou um vazio e uma lacuna impossível de preencher. Que a cidade, costumeiramente tão ingrata e injusta com seus melhores filhos, não se esqueça de sua memória e lhe tribute, de todos os modos, os preitos que, por sua admirável trajetória de juiz, mestre e cidadão, mais do que ninguém fez por merecer.

Referências

  1. Oração panegírica proferida pelo autor, em sessão fúnebre da Academia Passo-Fundense de Letras, efetuada em 8 de julho de 2011, em homenagem à memória do acadêmico e professor Euripedes Facchini, falecido em junho de 2011.
  2. Luiz Juarez Nogueira de Azevedo é membro da Academia Passo-Fundense de Letras. Jurista. Procurador do Estado aposentado. Ex-diretor da Faculdade de Direito da UPF.