Desigualdade entre iguais

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Desigualdade entre iguais

Em 2009, por Anderson Roman Pires


Desigualdade entre iguais[1]

Andersom Roman Pires[2]


Presentes no acervo do arquivo histórico regional, encontram-se documentos que contam um pouco da história da região, que protagonizam fatos verídicos e que podem ser comprovados em meio ao acervo salvaguardado no arquivo.

Entre o acervo estão documentos, e casos, como por exemplo, a certidão de nascimento e uma declaração onde lemos: “Aos vinte e um dias de outubro de 1866, nesta matriz, batizei e pus os Santos óleos a Lucia, idade quinze dias, filha de pai incógnito, e de Maria, escrava de Manoel José Correa de Lacerda;” este fragmento faz parte da certidão de nascimento de Lucia, que nos idos de primeiro de dezembro de 1933 leva um requerimento até o então Senhor Prefeito do 1º distrito de Lagoa Vermelha, comprovando sua idade e procedência. Nos seus 66 anos de idade, Lucia pede nesta declaração: “Diz Lucia Lacerda, com 66 anos de idade como prova com o documento junto, que alem de sua avançada idade vive constantemente doente. Dispondo a peticionaria de escassos recursos, que mal da para a sua subsistência, vem por motivos justos recorrer a VS, a isenção do imposto de décima urbana que muito concorrerá para minorar as dificuldades que passa a requerente.” Nesta mesma perspectiva está o ex-escravo José, solicitando ao procurador de Passo Fundo, em oito de dezembro de 1888 quarenta litros de milho para plantio, pois necessitava para sua subsistência. As personagens acima têm em comum a necessidade e a pobreza, muito maior do que simplesmente o prefixo de ex-escravos, naquele momento eram iguais a uma parcela populacional marginalizada não só negra, mas formada pelas mais diversas etnias, fossem, negros, brancos, índios ou mestiços.

Neste espaço de memória que também tem como análise os distintos personagens de nossa história e sua conjuntura social, nos serve para percebermos o presente em uma leitura histórica. Através de uma ínfima parte da vida de Lucia e de José, contida nestes documentos, analisamos a história do negro em um contexto de um século passado, mas que ainda, em alguns aspectos, podemos aplicar aos nossos dias. E, por mais que a legislação garantisse – e ainda hoje de garantias - de igualdade de direitos perante todos o contexto ainda está permeado das mais diversas formas de exclusão social, como exemplo, a educação.

Atualmente, uma das grandes discussões fomentadas nos diversos meios da sociedade é a reserva de vagas universitárias para cidadãos negros, tendo como objetivo a conquista de espaço por estes e seus descendentes nos cursos superiores de ensino. O passado escravista do Brasil é um dos maiores argumentos dos que são favoráveis às cotas, pois dizem que é uma forma de corrigir as distorções sociais que começaram no período escravista e continuaram com a abolição.

É inegável que a escravidão deixou marcas em um contingente brasileiro de descendência negra que abrange grande percentagem da população, segundo dados do IBGE. As marcas deixadas pelos séculos da exploração da mão de obra escravagista negra nunca serão reparadas de maneira completa. Uma das mais significativas espoliações, foi o acesso à educação renegada a estes. Ao pensarmos nas cotas universitárias podemos repensar a lógica democrática, de políticas públicas verdadeiramente inclusivas de acesso ao ensino superior a todos, quando pensamos em termos de população, formada por negros, brancos, índios, mulatos ou mestiços igualmente desamparados. O que equivale a tratar desigualmente os iguais?  Aí fica a questão.

Referências

  1. Fonte: Acervo AHR.
  2. Acadêmico do 2º nível do Curso de História UPF