Cruz Vermelha em Passo Fundo, a guerra chegou por aqui?
Cruz Vermelha em Passo Fundo, a guerra chegou por aqui?
Em 24/09/2010, por Anderson Roman Pires
Cruz Vermelha em Passo Fundo, a guerra chegou por aqui?[1]
Anderson Roman Pires[2]
I Parte
Noite de sábado, 9 de maio de 1942. Clube Comercial. Casais dançam ao som do jazz tocado pela Banda Marcial da Brigada Militar. Homens e mulheres elegantemente vestidos enchem o salão de baile unidos por uma causa mundial: a segunda Grande Guerra.
Horas antes, em sessão solene realizada no mesmo local, reunia-se a elite passo-fundense. Representantes civis, militares, eclesiásticos de âmbito nacional, municipal e internacional estavam atentos à fala do Dr. Armando Vasconcellos, chefe do Posto de Higiene Local. Estava instalado o Núcleo de Voluntários da Cruz Vermelha Brasileira de Passo Fundo (CVBPF).
A diretoria provisória foi constituída pela professora Mathilde Mazeron (presidente) e Dejanira Langaro (vice-presidente). Após compor a mesa, Vasconcellos comentou sobre o momento de graves apreensões por que atravessava o Brasil em face do cataclisma que ameaçava transformar o mundo num vasto “estado de fogo e sangue”.
A Cruz Vermelha, fundada nesta cidade em 1942, fora internacionalmente criada em 1863 por Henry Dunant, dando origem às Convenções de Genebra e ao Movimento Internacional da Cruz Vermelha. Sociedade de socorro voluntário civil sem fins lucrativos, filantrópica, atuando em caso de guerra em todos os setores salvaguardados pela Convenção de Genebra em favor de todas as vítimas de conflitos, sejam civis ou militares.
A criação da CVBPF em nossa cidade foi reflexo do alinhamento do Brasil às Forças Aliadas em agosto de 1942, durante o governo Vargas, tendo como fator principal a ampliação de prestígio do país junto aos EUA, que haviam decretado guerra contra o Eixo.
Em 1942, não houve movimentações do Núcleo em Passo Fundo. Os trabalhos iniciaram intensamente com o envio à Itália de 25 mil militares da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Dejanira Langaro assumiu presidência da CVBPF em 23 de junho de 1943.
Imediatamente, iniciou-se a constituição dos cursos de atendente e auxiliar de enfermagem e as campanhas de arrecadação de agasalhos para a FEB. Segundo Delma Gehm, secretária geral da CVBPF, “essa diretoria viveu os momentos mais emocionantes e difíceis da 2ª Guerra Mundial”.
A demanda das tropas que passavam pela cidade e o sentimento temerário da guerra no Brasil faz com que o núcleo CVBPF aumentasse consideravelmente seu contingente de voluntários e mantenedores, intensificando ainda mais os trabalhos e cursos de socorristas ministrados na sede temporária no Clube Comercial, nos meses finais de 1944 até fim do primeiro semestre de 1945.
Lenços brancos no ar, lágrimas no rosto, o som dos clarins e apitos de trem, misturavam-se ao céu da manhã de 24 de dezembro de 1944 na Gare da Viação Férrea. Setenta e sete soldados e três cabos do exército compunham o primeiro grupo de expedicionários passo-fundenses, despediam-se dos seus familiares e entes queridos para incorporar-se a FEB no Rio de Janeiro rumando então aos fronts Italianos.
II Parte (Final)
No dia 23 dezembro de 1944 o Núcleo da Cruz Vermelha Brasileira Passo Fundo (NCVPF) realizou a festa natalina e a despedida dos expedicionários passofundenses que seguiriam para o front a fim de incorporar-se aos demais brasileiros na Europa.
Neste dia o Núcleo da CV percorreu toda a cidade, apelando nas ruas e na rádio local a moradores e comerciantes, a fim de angariar pratos de frios, doces e refrigerantes. Na ata n° 13 a secretária descreve: “A diretoria não poupou esforços de dar um ar festivo, já que não podia fazer sorrir nossos soldados e familiares”. Em meio ao lanche oferecido na sede do Clube Comercial, foi feito um show artístico pelas senhoritas da cidade, participantes da Cruz Vermelha, homenageando os expedicionários com declamações, ao som de Fox e canções.
Cada senhorita escolheu um soldado como afilhado, fixando nas lapelas de seus uniformes cor de oliva, em fitas verdes e amarelas, uma medalha benta de N.S Aparecida com uma prece pedindo que Deus os defendesse nas lutas que iriam enfrentar. Entregaram-lhes pacotes individuais contendo cigarros, enlatados de conserva e roupas quentes. Às cinco e meia da madrugada do dia 24 partiam da gare da Viação Férrea (hoje desativada) ao som dos clarins, despedindo-se de seus entes queridos e de suas madrinhas que ficariam encarregadas de fazer através do NCVPF contato com a Europa.
Os pracinhas – soldados que estavam na linha de frente das batalhas –, eram membros da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Lutaram na Itália e participaram de importantes batalhas como a de Monte Castello no norte da Itália, travada ao final da Segunda Guerra Mundial entre as tropas aliadas e as forças do Exército alemão.
A saudade da terra, os medos e horrores das trincheiras, eram amenizados pelo conforto em receber notícias da família. Em Passo Fundo a correspondência com estes soldados era feita através de suas madrinhas aos seus familiares. Trocas de postais e cartas enviando noticias e palavras amigas eram comuns.
Em um destes postais, que se encontra salvaguardado no Arquivo Histórico Regional (AHR), percebe-se a importância do gesto, onde se lê:
Itália – Abril de 1945. A muito acolhedora Cruz Vermelha da cidade de Passo Fundo na distinta pessoa de sua secretária Delma R. Gehm com os meus maiores votos de feliz e continuo progresso, agradecendo de coração, o santinho de conforto que recebi nessa estação, quando de viagem de Porto Alegre, com destino a este teatro de guerra. Braudelino de Vargas Prates 2º Sgt, 400 FEB.
Em agosto de 1945 com a vitória dos Aliados, as tropas retornam com seus sobreviventes a esta cidade e a Cruz Vermelha então auxilia nas buscas junto às autoridades pelos internados que se encontravam ainda em hospitais nos Estados Unidos.
Passo Fundo não recebeu a guerra aos seus portões, mas o reflexo deste conflito que envolveu continentes pelo mundo, transformou o cotidiano de nossa pequena cidade em meados da década de 40 através dos trabalhos de entidades como o Núcleo da Cruz Vermelha local.