Ciclo da madeira

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Ciclo da madeira

Em 07/08/2007, por João Carlos Tedesco


João Carlos Tedesco


Não é exagero afirmar que o dito ciclo da madeira – extração, industrialização e comercialização – em Passo Fundo e em seu entorno regional foi um dos mais dinâmicos e expoentes do Sul do Brasil. A oferta abundante de pinhais (araucárias) e outras madeiras “de lei” atraiu grandes grupos de extração e comercialização, que tiveram presença marcante por aproximadamente meio século (entre 1910-1960) entre os quais, os da família Birman, Benincá, Yoschpe, Lângaro, Franciosi, Annoni Nedeff, Salton, Bonotto, Ceni, Tomasini, Bordignon, Della Méa, Quadros, Lunardi, Graeff, Zanatta, Bastos, Berthier, Brenner, Benvegnú, Dietrich, Bassegio, Scherer, Scheibel, Napp, Weisheimer, Ceratti, Sudbrack, Goelzer, Kerpen, Azambuja, Grando e centenas de outros.

O ciclo da madeira se desenvolveu em profunda correlação com a estrutura ferroviária e de navegação (Rio Uruguai principalmente); com a imigração e migração interna de colonos que buscavam estruturar sua propriedade num espaço colonial; com colonizadoras públicas e privadas; com a produção de trigo e de pastagens, pois para isso a terra precisava ser limpa; está correlacionada também com a constituição de vilarejos compostos por trabalhadores braçais, em geral, negros e caboclos, espaços esses que, com o passar dos anos, tornaram-se pequenos municípios, como Coxilha, Mato Castelhano, Erebango, Pontão, Ernestina, ou, então, bairros da cidade, como o Rodrigues e o São José.

O corte irracional e o desperdício foram grandes. Índios e caboclos extrativistas, que habitavam a região, sabiam conviver com a mata utilizando-a como fonte de alimentação, proteção e de equilíbrio ecossistêmico e de fertilidade do solo. Pequenos agricultores – colonos migrantes –, ainda que tenham derrubando parte da mata para sua economia doméstica e mercantil, sabiam conservar parte significativa da mesma. Para eles, a permanência de grande parte da mata simbolizava reserva de madeira, proteção para cursos das águas e nascentes, em relação aos ventos fortes, aos animais etc.

Autores colocam que em 1902 intensificou-se a exploração de pinheirais, empregando milhares de trabalhadores. Jornais da época, especialmente O Nacional, não cansavam de mencionar esse ouro verde.

Em 1911, formou-se a União das Serrarias Serranas, congregando os interesses dos madeireiros. A entidade envolveu-se com a construção de estradas e de balsas em momentos de grande dinamismo no setor, como ocorrido durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, caso contrário haveria sérios problemas de escoamento da produção.

Eram constantes as preocupações dos madeireiros e proprietários de serrarias com as questões que envolviam a ferrovia, principalmente em torno do problema do preço do frete e falta de vagões. A madeira contribuiu muito para o desenvolvimento de uma concepção industrialista no país pós-década de 1930. As matas passaram a ser fonte da matéria-prima, mercadoria que tinha grande aceitação no circuito mercantil. O papel das estradas de rodagens (carretas e caminhões posteriormente), dos rios e, especialmente, do Rio Uruguai e da estrada de ferro foram importantes.

A madeira representou em 1932, 63% do valor bruto da produção de Passo Fundo; em 1942, 46,5%, e em 1953, 18,48, e, em 1970, apenas 4,07% (Prefeitura Municipal – Produção industrial – 1932, 1942, 1953, 1970). A mesma fonte indicava que em 1939 havia no município 170 serrarias registradas, de tamanhos variados. Em Carazinho, em 1930, existiam 150 serrarias que exportaram, em 1934, 1.166 vagões de madeira aplainada. Na década de 1950, com a extração da madeira e a redução significativa da matéria-prima principal – o pinho – grandes madeireiras buscaram mercados externos mais dinâmicos. No ano de 1950, Passo Fundo registrou o corte de apenas 1.064 toras, 3.480 vigas, 474 postes e 3.142 dormentes (IBGE, Censos Econômicos de 1950).

Diz Antoninho Xavier que o “comércio de madeiras é avultado, exportando-se anualmente, para praças do Estado, em muitos milhares de dúzias de tábuas e outras peças do ramo”. O autor conta que, empurrados pelas necessidades criadas pela Segunda Guerra Mundial, centenas de caminhões transportavam não só para outras unidades da Federação, mas, sobretudo, para o Rio da Prata, o Uruguai e a Argentina: “A produção de 1946 foi de 1.079.521 m³ e a de 1951 de 3.130.000 m³. A exportação chegou a 274.287 toneladas em 1950 e a 281.840, em 1952. Em 1948, os sete primeiros produtores de madeira são os municípios do Planalto [...], as colônias do Planalto oferecem 77% dela [madeira]”.

A economia da madeira auxiliou em muito a constituição do espaço urbano de Passo Fundo e região. Havia uma logística na colocação de serrarias e depósitos de madeira ao longo da viação férrea, no trecho sul da ferrovia, próximo da estrada rodoviária para Marau, que liga Passo Fundo a Porto Alegre pelos municípios de colônia alemã e italiana.

Em termos econômicos, o setor madeireiro teve um significado profundo na região norte do Estado. Além de promover processos de ocupação do espaço natural (terra), criou vínculos produtivos e comerciais; ligou a região com mercados distantes; possibilitou uma rede de atores sociais e econômicos; originou conflitos e definições políticas locais; abriu espaços para o capital estrangeiro, para o acúmulo de capital e fortalecimento de um determinado segmento social; fortaleceu a diversificação econômica; destacou a economia regional e estadual; concretizou o princípio positivista do progresso com ordem social, sem atentar para a resolução das contradições sociais disso decorrentes.

Como a madeira demonstrou ser uma fonte de renda imediata, as serrarias se acumulavam na região, no entanto, à medida que foi se extinguindo a matéria-prima, as indústrias migravam, deixando para trás um rastro da destruição, o caminho aberto para a produção agrícola. Quem possuía terra pôde continuar; quem era trabalhador do ramo, principalmente caboclo, migrou junto com as serrarias, ou encontrou espaços sociais marginais em termos econômicos.