Carlos Gomes e IL GUARANI

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Carlos Gomes e IL GUARANI

Em 28/06/1991, por Carino Corso


Carlos Gomes e "IL GUARANI"[1] [2]

CARINO CORSO


Prezados Confrades:

Convidado para proferir uma palestra aos ilustres confrades, perdoem-me as deficiências e falhas, pois ouso tecer minhas pálidas considerações sobre a vida de um dos maiores personagens da música, Antônio Carlos Gomes, suas obras, e principalmente sobre a imortal ópera "II Guarani", universalmente conhecida e, em toda parte, sempre aplaudida.

Antônio Carlos Gomes nasceu em Campinas, São Paulo, a 11 de julho de 1836. Estudou música com seu pai. Manoel José Gomes, maestro da Filarmônica local. Tocava diversos instrumentos, de modo notável, clarinete e piano. Fm 1854, com apenas dezoito anos de idade, compôs sua primeira missa. Querendo expandir seus conhecimentos musicais, procurou a cidade de S. Paulo. Bem cedo, manifestou ser um grande gênio, alcançando sucesso com a composição do "Hino Acadêmico" e da modinha "Quem sabe", mais conhecida pela primeira estrofe: "Tão longe de mim distante...". Movido por seu ideal, seguiu para o Rio de Janeiro, onde se matriculou no Conservatório de Música. Estudou contraponto, uma melodia sobre posta a outra, com Ciocchino Giannini, em 1856. No ano seguinte, compôs duas cantatas que foram executadas, com muito sucesso, no Rio de Janeiro.

Um futuro promissor aguardava o jovem compositor. A convite de José Amat ocupou o cargo de ensaiador da Academia Imperial de Música e ópera Nacional. Em 1861, apresentou no Teatro Lírico Fluminense sua primeira ópera, "A noite do castelo". O sucesso dessa ópera trouxe-lhe uma condecoração do imperador, que passou a protegê-lo; das damas cariocas, com uma batuta de ouro e ébano; e dos seus contemporâneos, com uma coroa de ouro. Em 1863, outra ópera, "Joana de Flandres", fez crescer sobremaneira o conceito de Antônio Carlos Gomes. Escolhido por Francisco Manoel da Silva dirigiu o Conservatório de Música da Corte do Rio de Janeiro.

A convite do imperador seguiu para a Itália, onde estudou música com Lauro Rossi, por quatro anos. Em 1866, obteve o diploma de maestro compositor. No ano seguinte, escreveu a partitura "Se as minga" (Não se sabe). Em 1868, lançou a partitura "Nella Luna" e, em seguida, iniciou a grandiosa ópera "II Guarani", baseada no romance de José de Alencar. Esta ópera elevou Antônio Carlos Gomes aos mais altos píncaros da arte musical, sendo estreada no Teatro Scala, de Milão, c. no mesmo ano, a dois de dezembro, no Teatro Lírico Fluminen- se do Rio de Janeiro. (O Teatro Scala, de Milão, ainda hoje é conhecido mundialmente como Centro Universal da Opera, construído pelos italianos, dado o ciúme italiano pelos teatros franceses).

Novamente na Itália, em 1873, estreou a ópera "Fosca"; no ano seguinte, "Salvator Rosa"; e, em 1879, "Mana Tudor".

Voltando ao Brasil, foi apoteoticamente recebido na Bahia, onde escreveu o "Hino a Camões".

Em 1889, na Itália, compôs a opera "Lo Schiavo”, estreada, no mesmo ano, no Rio de Janeiro.

Com a proclamação da República, seu nome tão glorioso foi apontado como monarquista, pelos laços que o prendiam ao imperador e, então, mantido a distância.

Retomando ã Itália, publicou, em 1891, a ópera "Condor" e. em 1892. a ópera "Colombo", espécie de oratório, poema vocal-sinfônico, comemorando o Quarto Centenário do Descobrimento da América.

Em 1895, foi nomeado diretor do Conservatório de Música, em Belém do Pará, cargo que ocupou por pouco tempo, dado o seu precário estado de saúde. Realmente, uma carreira brilhante estava por terminar. Escrevendo a um amigo seu, Manoel José de Souza Guimarães, assim se expressou Carlos Gomes: "O clima do Pará não é bom para mim. O que fazer? No Rio, não me querem nem para porteiro do Conservatório. No Pará, me querem de braços abertos. Não me querem no Sul, morrerei no Norte". Em 16 de setembro de 1896, expirava o grande músico, apagando-se uma estrela brilhante, aos sessenta anos de idade.

O Brasil tem a honra de ter, em sua história, uma das grandes figuras do romantismo musical brasileiro, no século dezenove. Gênio de melodista, Antônio Carlos Gomes encontrou, no Bel Canto, o meio de expressão. Suas obras revelam imaginação fértil, sensibilidade, lirismo, vigor dramático, aprimorada técnica operística. Escreveu ainda peças para piano e canto. São de sua autoria as modinhas: Suspiros d*alma", "Anália ingrata", "As baianas", "Mamãe disse", “Foi meu amor um sonho”?", "Bela Ninfa de minlValma", "Minha irmã", "Conselhos" e "Quem sabe".

Alguns tópicos sobre a ópera "II Guarani"

Baseada no romance de José de Alencar, a ópera "II Guarani" foi executada, com sucesso absoluto, no Teatro Scala, de Milão. Serviram de intérpretes o tenor Vilani, representando o índio Peri, o barítono Maurel, representando o cacique, e a célebre cantora Maria Sasse, representando Cecília ou Ceei, como o índio mais gostava de chamá-la. Ao término do terceiro ato, Antônio Carlos Gomes quase endoideceu, ao ver-se aplaudido pelo imortal compositor italiano, que delirantemente exclamou: "Este moço começa por onde acabei eu". Toda a vez que esta ópera era anunciada superlotava os teatros do mundo culto: Londres, São Petersburgo, Moscou, Buenos Aires, Montevidéu, Santiago e tantos outros.

Geralmente, os grandes mestres são endeusados "post mortem". Antônio Carlos Gomes foi um gênio, um fenômeno, e poderia ser chamado: "Uma verdadeira coleção de melodias". Infelizmente, os grandes mestres sempre tiveram, por companheira, a pobreza. Antônio Carlos Gomes, ainda em Milão, passou por maus momentos, financeiramente, chegando a suplicar ao imperador Dom Pedro II o empréstimo de 50 mil francos. Grato, assim se expressou: "Com mais essa graça, V.M. salva um pai de família, um amigo, um artista e mais, um escravo". Mais tarde, desanimado pela falta de dinheiro, chegou a vender os direitos autorais da ópera 11 Guarani", pela irrisória quantia de três mil liras aos editores Lucca, de Milão. Era o preço vil da luta em busca da vitória. Desde bem cedo, a falta de dinheiro foi sempre uma constante em sua vida de artista. Quando ainda jovem, chegou ao Rio de Janeiro, levando na bagagem a importância de 240 réis. Queixava-se sempre da especulação dos aproveitadores que se beneficiavam com a ópera "II Guarani", sem nada pagar pelos direitos autorais. Por que, fatidicamente, os grandes artistas caminham, lado a lado, com indivíduos que só pensam em tramas, para derrubar os castelos dos sonhos mais lindos? Por que Cristo escolheu 12 apóstolos, estando no meio deles quem e, arrependido, se enforcou?

Os seus restos mortais, por ordem do governo federal, foram transladados de Belém do Pará para a cidade de Campinas. Ali, em sua homenagem, foi erguida numa magnífica estátua, obra de Rodolfo Bernardelli, simbolizando o grande mestre, em atitude de reger. Finalizando este modesto trabalho, coloco breves considerações sobre a inspiração artística.

A inspiração não tem lugar reservado. Ela aparece como uma chuva calma que cai. Vem como um anjo bondoso que dita os pensamentos dalma, as expressões, quer o artista esteja na rua, no vai e vem dos transeuntes, ou em casa. De manhã ou à tarde, à noite ou de madrugada, ela arranca o artista dos lençóis quentinhos e coloca em sua mão uma caneta, para que lance sobre o papel o fruto da inspiração, que exige o momento certo, para que não se perca. Na verdade, o artista se inspira no marulhar das ondas, no troar do canhão, no estampido da mina que rebenta, no bramido da fera que ruge, no soprar dos ventos e das tempestades. Mais prazerosamente, o artista se inspira no farfalhar das maravilhas e das sedas, no sussurrar da folhagem ao vento, no manso balouçar das árvores sopradas pelo zéfiro, no assoviar do minuano pelas quebradas, no chilrar da passarada nas manhãs claras da primavera, no murmurar das águas cristalinas a deslizar por entre cascalhos. Em tudo e por toda a parte, o artista se serve da inspiração, para colecionar motivos e assim expandir a arte, escondida no seu íntimo.

A inspiração se encontra, de modo especial e delicado, numa flor, por modesta que seja, recendendo o atraente perfume, prodigamente distribuído pela divina sabedoria. Ou, então, a inspiração se abriga na majestade encantadora das serranias, capaz de arrancar do artista, em poucos acordes, grandiosa sin- fonia, para cantar glórias ao soberano Criador. Quem seria capaz de postar-se diante da célebre estátua de Moisés, sem repetir as palavras do seu imortal autor: "Fala, Moisés, fala!".

Com que saudades recordo os belos tempos de minha infância, quando, à tar- de, no curto descanso, na roça, ecoavam, pelas coxilhas, vozes cristalinas de lavradores, semeando sua semente. Embalados pela esperança de uma farta colheita, expressavam a satisfação do dever cumprido, arrancando de sua alma as belas melodias das canções regionais.

É e será sempre verdade: "Quem canta seus males espanta". Com efeito, a música exerce extraordinária influência na alma humana. Em qualquer lugar onde estivermos, nas repartições do trabalho, no escritório, um fundo musical, doce e suave, coopera para um maior rendimento. Pois a música abranda o sistema nervoso, conserva a calma do espírito, reveste o ambiente de alegria e bem-estar.

Quando a tristeza se apodera de nós, ou porque nossos empreendimentos foram mal sucedidos, ou porque alguém barrou nossos passos, ou ainda porque nosso esforço, pelo pão de cada dia, não alcançou mais do que uma simples e frugal refeição, importa lançar mão dos meios ao nosso alcance, para apreciar as encantadoras melodias, capazes de transformar um panorama triste em outro alegre e festivo.

Prezados confrades! Vivemos na capital do Planalto, que muito nos orgulha, ao lado de uma universidade conhecida em todo o território nacional. Vivemos, nesta plaga rio-grandense, onde gauderiam numerosos centros tradicionalistas; onde grupos coralistas se esmeram, durante horas inteiras, para apresentar as mais belas canções; onde está presente a Cultura Artística, preocupada em proporcionar à nossa comunidade horas de arte e lazer. Vivemos numa das principais cidades da terra gaúcha, com uma população de aproximadamente 200 mil habitantes, sem uma escola de instrumentos de corda e similares, condição indispensável para a formação de uma orquestra, nada difícil de ser concretizada. Basta um pouco mais de cultura e boa vontade do poder público, das escolas públicas e particulares, da indústria e do comércio. Passo Fundo poderá, com esforço e compreensão, alcançar, em curto prazo, esse objetivo. Que maravilha, se um dia pudermos aplaudir uma orquestra nossa, nos palcos de nossos auditórios! Ou, quem sabe, uma banda de música, em praça pública, quebrando a monotonia, reaquecendo o valor musical, espalhando aos quatro ventos, os acordes, as belas e contagiantes melodias da imortal ópera "II Guarani", e de tantas outras que enriquecem o nosso repertório nacional. Passo Fundo, assim, estaria completa. Façamos algo, para mostrar que Passo Fundo está viva, estimulando a arte, de modo especial, a música. Tudo está ao nosso alcance. Vamos querer, porque querer é poder.

Referências

  1. Da revista Água da Fonte nº 1
  2. Palestra de Carino Corso, 28 de junho de 1991, aos confrades, na sala de reuniões da Academia Passo-Fundense de Letras.