Atualidade de Alberto Pasqualini
Atualidade de Alberto Pasqualini
Em 30/09/2004, por Paulo Domingos da Silva Monteiro
Atualidade de Alberto Pasqualini
Paulo Monteiro
(Da Academia Passo-Fundense de Letras
e da Academia Literária Gaúcha)
Em 2001, quando fazia cem anos de nascimento de Alberto Pasqualini, publiquei um artigo que é quase integralmente republicado neste folheto. Há três anos eu chamava a atenção para a atualidade do pensamento pasqualinista, atualidade que, ultimamente, vem aumento muito.
Assumo integral responsabilidade pelos conceitos emitidos quanto à obra do “maior teórico do trabalhismo brasileiro”, que tenho lido e relido, ao longo de anos e anos como militante político e ativista cultural, atividade esta que me levou a ser convidado a integrar os quadros da Academia Literária Gaúcha e da Academia Passo-Fundense de Letras, dos quais, orgulhosamente, faço parte.
1. A vida
No dia 23 de setembro de 2001 transcorreu o centenário de nascimento de Alberto Pasqualini. A data passou praticamente esquecida, talvez porque ele tenha manifestado idéias próprias e claras. Mesmo tendo seguidores fiéis sempre foi incompreendido, esmo no interior de seu próprio partido, o velho Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.
Alberto Pasqualini nasceu no atual município de Ivorá. Seu pai, Alexandre, era escrivão naquela localidade e sua mãe, Paulina Bortoluzzi, dona de casa. Em 1909 a família transferiu-se para São Miguel, em Restinga Seca, onde permaneceu até 1924, quando se mudou para Cachoeira do Sul.
Alberto ficou em São Miguel até 1913. Dois anos depois iniciou o curso ginasial com os jesuítas, em São Leopoldo. Descobrindo que não tinha vocação para o sacerdócio abandonou o seminário, em 1919. No ano seguinte inicia o curso de magistério no Colégio Anchieta, na Capital, pois os estudos realizados no seminário não eram reconhecidos. Transferiu-se para o Colégio Júlio de Castilhos, em 1922. Principiou o curso de Medicina, que abandonou para cursar Direito, na atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul, colando grau em 1929. Participou da Revolução de 30, como comandante militar do Porto, na Capital Gaúcha.
Pasqualini passou a exercer a advocacia em 1932 e dois anos depois concorreu a deputado federal, representando os libertadores na Frente Única Gaúcha, obtendo 77.166 votos, mas sem conseguir eleger-se. Entre 1934 e 1935 exerceu a cátedra de Introdução à Ciência do Direito e, interinamente, a disciplina de Direito Civil, na faculdade onde se formou. Em 1935 foi eleito vereador em Porto Alegre. De 1939 a 1943 assumiu a Secretaria do Interior, durante o Estado Novo, abolindo a censura no Rio Grande do Sul. Em 1945 iniciaram-se movimentações para que concorresse ao governo do Estado. Foi convidado por Getúlio Vargas para ministro do Supremo Tribunal Federal, recusando o convite. No dia 16 de setembro participou da fundação da União Social Brasileira, redigindo seus principais documentos. A USB fundiu-se com o Partido Trabalhista Brasileiro e Pasqualini concorreu a governador, em 1946, perdendo a eleição por menos de 22 mil votos para Walter Jobin, outro egresso do Partido Libertador.
Continuou sua militância doutrinária fazendo publicar o livro Bases e Sugestões para uma Política Social, em 1948. Em 1950 foi eleito senador, casando-se, nesse mesmo ano, com Suzana Thompson Flores. No Senado Federal, Pasqualini pronunciou discursos, apresentou projetos de lei e emitiu relatórios de ampla repercussão, como aquele sobre a criação da PETROBRÁS. Em 1954, mesmo adoentado, concorreu ao governo gaúcho, sendo derrotado por Ildo Menegheti, apoiado por uma coligação de partidos conservadores. Em dezembro sofre um derrame cerebral, que acabaria por prende-lo ao leito até sua morte no dia 30 de junho de 1960.
Alberto Pasqualini foi reconhecido como o maior teórico do trabalhismo brasileiro até mesmo por adversários do porte de um Carlos Lacerda.
2. A obra
Além de Bases e Sugestões para uma Política Social (1948), Alberto Pasqualini, em vida, publicou Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo Brasileiro (1950) e Considerações sobre o Problema da Moradia (1952), deixando inéditos em livro, diversos artigos, discursos, pareceres, conferências, projetos de lei e outros trabalhos espalhados em periódicos. Somente em 1994 o Senado Federal editou a maior parte desses escritos, reunidos pelo senador Pedro Simon, em quatro alentados volumes, sob o título de Obra Social e Política de Alberto Pasqualini. Três anos depois o mesmo senador, também pelo Senado Federal, deu a lume uma coleção desses trabalhos sob o título de Alberto Pasqualini – Textos Escolhidos. Ainda em 2001 o então deputado estadual João Luiz Vargas promoveu a reedição, pela Assembléia Legislativa Gaúcha, de As Idéias Políticas e Sociais de Alberto Pasqualini, coletânea organizada por João Bruza Neto, que teve sua primeira edição em 1954. Assim, muito do que se diz sobre o pensamento do ideólogo trabalhista transcende o folclore e chega à invencionice. Lembro-me que, em certa época, foi cognominado de “Gramsci brasileiro”. Ora, o autor das Cartas do Cárcere jamais pensou em reformar, humanizar ou cristianizar o capitalismo. Sempre lutou por substituí-lo por uma sociedade socialista.
Alberto Pasqualini formou-se dentro do velho Partido Libertador, que representou na Câmara Municipal de Porto Alegre e pelo qual concorreu a deputado federal, não sendo eleito porque a legenda ficou abaixo do número de votos necessários. Os libertadores sempre formaram uma oposição mais democrática à maioria dos republicanos gaúchos orientados pelo positivismo.
É importante salientar a origem maragata (o que é virtude política em Alberto Pasqualini) para entender-lhe a vida pública e o pensamento político. Maragato e estudante de seminário católico, ao longo de sua atividade política manteria profundas preocupações democráticas e de solidariedade social.
Seus primeiros discursos são ataques às tradições caudilhescas. Homem urbano, para ele, certas manifestações gauchescas cheiravam à barbárie. Não lhe agradavam botas russilhonas e capas de provisórios. Até mesmo em determinadas exteriorizações do homem rio-grandense do sul encontrava materializações do caudilhismo. Deste, distinguia duas formas: o caudilhismo dos de cima e o caudilhismo dos de baixo.
Esse comportamento urbano, mais tarde, encontraria resistências entre os caudilhos de cima. Eles são todos iguais, usem gravata ou batina. Os primeiros, através de articulações partidárias mais tradicionais; os outros, através da Liga Eleitoral Católica, horrorizavam-se com as tonalidades vermelhas (na verdade o velho democratismo do libertador identificado com seu tempo) que viam nas pregações pasqualinistas.
Pasqualini defendia “outro Capitalismo que não mergulha as suas raízes no egoísmo, mas se inspira nos princípios da cooperação e da solidariedade social”. (Bases e Sugestões para uma Política Social, Obras Completas, v. 1, Rio de Janeiro, Livraria São José, 1958, p. 43). Para o teórico trabalhista essa proposta política “exclui, de um lado, o capitalismo individualista e, de outro lado, a socialização dos meios de produção. Sua concepção fundamental é que o capital não deve ser apenas um instrumento produtor de lucro, mas principalmente um meio de expansão econômica e de bem-estar coletivo”.
“Esta – continua – é também, senhores, a idéia substancial do nosso programa. Para nós, trabalhismo e capitalismo solidarista são expressões equivalentes”.
Pasqualini, com já foi dito, nunca foi um socialista. Seu catolicismo era de tal tipo que não admitia qualquer espécie de confronto entre classes.
Um dos melhores resumos de seu pensamento está no Discurso de Caxias, publicado no Correio do Povo de 17/12/1946 e em Obra Social e Política (Vol II, págs. 47 a 62). Para ele, a socialização dos meios de produção e a propriedade estatal desses mesmos meios não extinguiam as classes sociais, pois apresentavam “a tendência de se transformarem em duas classes: uma dos que mandam e estão de cima e a outra dos que obedecem e estão de baixo”. Ademais, para o então candidato ao governo do Estado, o Brasil não estava preparado para aceitar a implantação de uma política socialista. Era colocar o carro na frente dos bois.
Combatia, ainda, com base na Encíclica Quadragésimo Anno, de Pio XI, o capitalismo individual, como já lembrado. Apenas um capitalismo cristianizado poderia salvar o mundo da débâcle e preserva-lo da escravidão. Era o que afirmava o candidato.
Pasqualini reconhecia duas formas de socialismo, ‘um socialismo revolucionário que pretende alcançar seus fins pela luta de classes e pela violência e que se identifica com o comunismo (...) e ‘O socialismo pacífico e democrático que intenta alcançar esses fins pelos processos legais e constitucionais”.
Tanto uma quanto outra forma (como sempre têm proclamado os pontífices) não estariam de acordo com a doutrina cristã, ainda que fundamentadas na Bíblia. Em sendo assim, Pasqualini não as apoiava.
Defendeu a industrialização nacional – tendo relatado o projeto de criação da PETROBRÁS -, a pequena propriedade fundiária, uma política de financiamentos com juros subsidiados, o cooperativismo para fortalecer os produtores menores, a moralização do serviço público e profundas reformas de base que abrissem caminho para a modernização do país, de um ponto de vista capitalista.
Quando confrontamos o pensamento de Alberto Pasqualini com autores contemporâneos seus, sejam cristãos como o bispo metodista Stanley Jones (Cristo y el Comunismo, Editorial La Idea, Montevideo, Uruguay, 1936), o leigo católico brasileiro Tristão de Ataíde (Política, 3a. ed., Editor Getúlio Costa, Rio de Janeiro, 1939) ou o fundador do moderno Partido Socialista Brasileiro, João Mangabeira (Idéias Políticas de João Mangabeira, Senado Federal/Fundação Casa de Rui Barbosa/MEC, Brasília-Rio de Janeiro, 3 vol., 1994), verificamos que o pensador gaúcho se inclui dentro de um movimento de idéias representativo de amplas parcelas da intelectualidade ao redor do mundo.
Preso entre a tradição representada pelos ensinamentos dos papas e doutores da Igreja Romana e a modernidade dos economistas do Seco XX, o pensamento de Alberto Pasqualini acaba sendo bombardeado à direita e à esquerda. Ainda que católico, é derrotado pela Liga Eleitoral Católica e outras forças reacionárias.
3. Atualidade
Apesar de não esgotar suas críticas às injustiças sociais, chegando ao socialismo, nem se prender à essência fraterna do Cristianismo, ficando nos limites do tipo de Igreja que se consolidou com a conversão de Constantino, a leitura da obra de Alberto Pasqualini é importante no momento histórico presente. É importante até mesmo porque muitos dos que, ainda ontem, se diziam pasqualinistas defendem, hoje, a entrega das riquezas nacionais ao capital estrangeiro, a revogação das conquistas dos trabalhadores e o desenvolvimento de um capitalismo ainda mais explorador da força de trabalho. Esse é o destino de todos os liberais, mesmo que fantasiados de socialistas: serem conservadores no governo.
A importância de que as idéias políticas, econômicas e sociais de Alberto Pasqualini sejam estudadas nos dias de hoje se deve, também, ao fato de que, por outro lado, muitos daqueles que o acusavam de “reformista” estão à testa dos destinos nacionais, assumindo o mais deslavado oportunismo da História do Brasil estão tomando decisões que sempre foram combatidas pelo senador trabalhista e todos os patriotas sinceros.
Suas idéias documentam o esforço e os conflitos de amplos setores da intelectualidade pequeno-burguesa do século passado e mostram que muitas de suas preocupações continuam atuais.
A falência das políticas neoliberais, demonstradas, inclusive pelas seguidas derrotas do conservadorismo inglês, comprovam que “esse tipo de capitalismo, egoísta e agressivo – para usar expressão do próprio Alberto Pasqualini – continua gerando “a opressão, a miséria, as guerras, a desgraça das nações”, mesmo que essas políticas sejam incentivadas por partidos que se digam socialistas, trabalhistas ou dos trabalhadores. (Setembro de 2004).